“Mudar para o Canadá foi o projeto mais maluco que já topei viver”
Aprendi que mudar de país é renascer, no sentido total dessa palavra. É como morrer em um território para nascer novamente e se transformar em outro lugar.
A ideia de sair do Brasil começou por um desejo de mudança. Meu marido já tinha, desde o nascimento dos nossos filhos, vontade de ter uma vida mais tranquila. Depois de muita conversa, decidimos mudar de país. Nossa vida no Brasil não era ruim, mas ela seguia um ritmo insustentável. A gente vivia uma vida intensa de trabalho e as crianças passavam mais da metade do dia na escola. Em casa, tínhamos apenas tempo e disposição para tomar banho e dormir. Queríamos mudar esse estilo de vida.
Na época, o Canadá nos pareceu o lugar mais lógico. Nenhum de nós dois sabíamos muito sobre ele, a não ser que era aquele país gelado lá ao norte. Uma busca rápida sobre os melhores lugares para imigrar nos mostrou que o Canadá seria uma boa opção por conta dos processos imigratórios, por uma maior aceitação do imigrante e por não ser tão longe do Brasil.
Apesar do desafio que é descrever a experiência que tenho vivido, digo com segurança que esse processo me faz — continuamente — ressignificar a vida e as minhas ideias.
Eu sabia que mudar não seria fácil. Mesmo querendo sair do Brasil e entendendo que a decisão tomada era a melhor para aquele momento das nossas vidas (e também para aquele momento do Brasil), eu sentia muita insegurança e medo.
Mudanças internas, não só externas
Partimos em 2018, depois de decidirmos a melhor forma de fazer acontecer esse “desejo de mudança”. Eu fui com um visto de estudante, fazendo um curso de pós-graduação, e meu marido conseguiu um visto de trabalho. Foi assim que chegamos ao Canadá: eu, meu marido, nossos dois filhos — gêmeos, com 3 anos — e mais de 8 malas que traziam muitas roupas e um tanto da nossa história.
A família reunida, em 2021, aproveitando momentos ensolarados no Canadá (Créditos: arquivo pessoal/Mariana Nadai)
Mudar para o Canadá foi o projeto mais maluco que já topei viver (e isso considerando que há sete anos decidi ser mãe). Acontece que, para mim, mudar de país também foi o maior tapa na cara que já sofri — e sim, falo de um lugar de privilégio muito mais alto do que a maioria. Aquele foi o momento em que me deparei com as dificuldades da maternidade e da falta de rede de apoio da forma mais crua.
Lembro-me bem do dia em que precisei faltar no trabalho porque as aulas tinham sido canceladas por uma tempestade de neve e as crianças não teriam com quem ficar. Pode parecer besteira, mas, naquele dia, eu chorei. Fui tomada por um sentimento de impotência, fiquei sem saber para quem recorrer. Por outro lado, também foram dias como esse — e muitos outros —, que me trouxeram para a realidade das dificuldades da mudança.
Tive que me reinventar para seguir. Tive que mudar quem eu sempre fui, mudar alguns valores que pareciam escritos em pedra dentro de mim.
Antes de sair do Brasil, estava acostumada com todo o esquema que eu já tinha: filhos em escola em tempo integral, uma carreira praticamente consolidada e uma rede de apoio bem organizada para quebrar qualquer galho. Por isso, não me atinei para uma das maiores questões dessa mudança: o que fazer com os meus filhos enquanto eu e o meu marido estivéssemos estudando, fazendo networking, entrevistas de emprego? Eu sei, são questões muito básicas, mas também são realidades que a gente só se confronta quando as vive.
As dificuldades dos recomeços
Viemos para o Canadá em busca de mudanças. De uma vida mais leve e diferente da loucura que era morar em São Paulo. Pensávamos em como seria muito legal ver as crianças estudando em escolas públicas, com crianças do mundo todo, e ver a gente conseguindo reduzir gastos e tendo trabalhos menos estressantes. Essa era a nossa expectativa. A realidade em que nos deparamos, entretanto, foi com um recomeço de vida muito turbulento. De privilégios sendo derrubados diariamente.
A escola pública de qualidade e redentora, por exemplo, era também um fardo, pelos horários que não permitem que ambos os pais trabalhem em tempo integral (onde moro a escola é das 8 da manhã até às 1h40 da tarde para a idade dos meus filhos).
Costumo dizer que mudar de país e ter filhos são sentimentos semelhantes. Por mais que pessoas com experiências parecidas tentem te dizer sobre as dificuldades dos percursos, você só vai ter plena consciência e, claro, plena experiência, ao viver a situação.
Quando saí do Brasil, lembro que não pensei muito nas adversidades que poderíamos enfrentar. Na dificuldade que seria achar um emprego legal, em como conciliar filhos, casa, estudos e trabalho. Pelo contrário. Lembro de pensar que justamente porque estávamos indo para um país não tão distante culturalmente e com uma língua que tínhamos certo domínio, que a nossa adaptação e o nosso recomeço seriam tranquilos. Ou, pelo menos, não muito difíceis e nem tão estressantes. Acho que essa foi a minha maior expectativa quebrada logo de cara ao recomeçar a minha vida no Canadá.
Um novo caminho, muitas lições
Lembro que, antes de sair do Brasil, ficava andando pelas ruas de São Paulo no bairro em que morava, passando de carro nas avenidas que costumava transitar todos os dias, e pensava em como seria estranho estar em um novo lugar. Um lugar em que seria tudo novo, sem conhecer ninguém, sem nem saber os nomes das ruas ou como voltar para casa sem usar o Google Maps.
Hoje sinto que as mudanças físicas são as mais simples de serem assimiladas. O tempo trata de deixar o novo lugar mais familiar e, de repente, meio que sem pensar, você já começa a andar pelas ruas da nova cidade com a confiança de sempre.
Passei a trabalhar de casa, por causa da pandemia, e me reconstruí profissionalmente no formato remoto. Tornei-me aquela profissional que, entre uma reunião e outra, atende a demanda dos filhos pela tarde afora, algo que antes era inimaginável na minha vida. Eu, que sempre fui terminantemente contra o home office para a minha vida profissional, passei a considerar importante procurar apenas por trabalhos nessa modalidade, exatamente para conciliar carreira e filhos.
Bem distante do calor brasileiro, a típica paisagem gelada do Canadá. (Crédito: arquivo pessoal/Mariana Nadai)
Cresci em muitos aspectos. Em relação à maternidade mesmo. Passei a entender que observar e acompanhar os meus filhos mais de perto também fortalece a nossa relação. Construí com eles um vínculo que provavelmente seguiria outro caminho, se ainda estivesse morando no Brasil. O horário maluco de escola que temos aqui me fez encarar a realidade de trabalhar fora de uma forma diferente.
Não acho que existe um jeito certo ou errado, talvez antes eu dissesse que sim. Hoje entendo que a vida que eu levo aqui no Canadá é bastante diferente da vida que eu tinha no Brasil, apenas isso. Às vezes, sinto saudades do meu antigo eu, mas hoje eu olho para essa outra vida que já vivi com olhos mais de ternura do que de tristeza. Hoje entendo que mudar de país não foi só uma mudança física, foi uma mudança estrutural minha também.
*MARIANA NADAI (@mnadai) é brasileira, jornalista de formação, bailarina de coração e mãe de dois: os gêmeos Gabriel e Pedro, de sete anos. Mora há 3 anos e meio no Canadá. Chegou em Toronto, a maior cidade do país, e depois se mudou para uma cidade pequena, em Dieppe, em uma das chamadas províncias do Atlântico, New Brunswick. Mariana hoje é mais uma mãe em home office, que tenta equilibrar a vida profissional, como coordenadora de Marketing na Brazil-Canada Chamber of Commerce, e o cuidado com os filhos. No Brasil, a jornalista morou a vida toda em São Paulo, e passou pelas redações de sites da Editora Abril, Elemidia e da ONG Think Olga.
Brasileiros pelo Mundo é um espaço de histórias em Vida Simples que nos ensina muito. Por meio dos depoimentos dos brasileiros que desbravam o planeta, vemos que vale a pena correr atrás dos nossos sonhos e que é possível desacelerar, buscando sentido no simples da vida.
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