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Como se fosse a primeira vez
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Um desejo: reinterpretar velhas melodias como se fosse a primeira vez; viajando estamos abertos ao novo, deixando-nos surpreender a cada momento

Aos 82 anos, o maestro Isaac Karabtchevsky declarou que “um músico tem que trabalhar até o último instante”, que é “nessa vivência que ele começa a redescobrir partituras que já regeu ou tocou há tantos anos e vivenciá-las de maneira totalmente diferente, como se fosse a primeira vez”. Não estamos falando aqui de trabalho, mas da vida, pois nunca é tarde para encará-la com o frescor desse velho homem.

O passado não é recuperável, não há feitiço do tempo que nos ajude a voltar atrás para desfazer perdas e reparar falhas. Viver é uma comédia de erros e ponto. Quanto maior a vida, os arrependimentos e as saudades têm maiores oportunidades de comparecer. O que levamos conosco corre o risco de virar um baú de velharias que carregamos só para remoer. No entanto, possuir uma memória fértil, honrar a própria história, não nos obriga a andar de costas.

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No divã, as memórias são sempre convocadas e falando delas acabam ganhando novos sentidos. Não se trata de voltar atrás para consertar, pois as lembranças ressurgem quando estão a serviço do presente. Elas são revisitadas porque somos feitos delas, porque nossa identidade foi construída a partir do que vivemos.

Como se fosse a primeira vez

“Como se fosse a primeira vez” é apenas um modo lúdico de manter viva a curiosidade, a amnésia não torna ninguém mais jovem nem renova oportunidades. A maturidade vai chegando e insistimos em sentir-nos estagiários, naquele tempo antes das escolhas, dos atos que nos marcaram, das perdas, dos erros. Embora o estágio acabe junto com o final da adolescência, o tempo de aprender, ou melhor, de surpreender- se, nunca termina, isso se formos espertos como o maestro Karabtchevsky.

Mais um dezembro chegou, deadline do ano. Na infância ele demora muito, não vemos a hora das festas, das férias. Depois, os anos se empilham cada vez mais rápido, a lista das pendências enorme encontra a decoração de Natal nas vitrines. Detestamos os prazos, os fins, do ano e da vida. Por isso celebramos o Réveillon, o despertar de um novo ano. Focamos no renascimento do tempo, enquanto o balanço do que passou nos assombra, como o Espírito de Natal do conto do romancista inglês Charles Dickens.

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A boa notícia é que não somente para os músicos o tempo de uma vida pode ser fértil até o fim. Ele pode assemelhar-se ao das viagens, no qual um dia leva vários para acabar. Sabe por que ocorre essa sensação de dilatação temporal? Porque viajando estamos abertos ao novo, deixando-nos surpreender a cada momento. Karabtchevsky nos lembra que isso pode ocorrer até com as velhas sinfonias. Mesmo que ele seja cheio de melodias repetidas, interprete-as como se fosse a primeira vez.

Diana Corso é autora do livro Tomo Conta do Mundo — Conficções de uma Psicanalista.

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