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Sobre coragem e delicadezas
Kal Loftus | Unsplash
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Ontem assisti à peça do Matheus Nachtergaele Processo de Conscerto do Desejo.
Ao final, só me lembrava daquele trecho famoso de Grande Sertão: Veredas, onde lindamente Guimarães Rosa diz: o correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.

E na hora, também pensei em trocar uma palavrinha na frase de G. Rosa – veja a minha audácia, hein? Ficaria assim: o real da vida embrulha tudo…

O real da vida. Real no sentido lacaniano do termo. Para Jacques Lacan o real é tudo aquilo que sobra, justamente porque não conseguimos processar. Aquilo que não se encaixa, justamente porque não conseguimos encaixar. Aquilo onde faltam palavras, justamente porque não conseguimos nomear.

E a vida não é mestra em nos apresentar peças que não se encaixam? E nós, tolamente, seguimos tentando encaixar um círculo em um quadrado. Impossível.

Pior ainda quando nós tentamos nos transformar em quadrado, sendo que no fundo nossa alma é circular, ou vice-versa.

Se fosse descrever aqui para você qual a sensação que a peça me despertou foi: a importância de alegrar-se em meio à tristeza.

É como se Matheus, através da dor lancinante de perder a mãe aos três meses de idade, nos dissesse o tempo inteiro: viva apesar de, seja feliz apesar de, procure fontes de calor e amor apesar de.

Mais uma vez, G. Rosa me vêm à cabeça: “o que a vida quer da gente é coragem. Ser capaz de ficar alegre no meio da alegria, e ainda mais alegre no meio da tristeza”.

Obrigada, Matheus!
Sua atitude generosa de compartilhar sua dor em público, alegrou a minha noite.

Dor que encontra eco em outra dor.
Humano que se reconhece em outro humano, quando ambos se deixam afetar pela delicadeza do encontro.

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