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Maria Claudia Pontes: ajudando pessoas a brilhar
Lucas Seixas
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A CEO da Weleda, Maria Claudia Pontes, desconstrói o estereótipo da executiva e fala sobre sua vida, carreira, inspiração e seus propósitos.

Formada em Farmácia pela Universidade de São Paulo, Maria Claudia Pontes, CEO da Weleda — marca de produtos inspirados na medicina antroposófica — começou sua carreira como balconista de drogaria. De lá para cá, passou por diversas empresas e fez história no mercado de genéricos brasileiro. Em 2015, depois de dois burnouts e prestes a tirar um ano sabático, ela conheceu e se encantou pela filosofia antroposófica, que se baseia na ideia de que nossa saúde depende de uma relação harmoniosa entre corpo, mente e espírito.

Espontânea, autêntica e muito divertida, Maria Claudia não é o estereótipo da executiva. Com seu jeito simples e sempre sorrindo, ela avisa: “Eu gosto de falar, viu?” E assim começa a nossa conversa sobre carreira, propósitos, machismo e inspirações.

Você é uma mulher muito forte. De onde vem essa força?

Sou ariana e nasci no Rio de Janeiro. Filha de uma carioca e um pernambucano e tenho uma irmã mais velha. Meu pai sempre me ensinou os valores de honestidade e confiança. Minha mãe era uma pessoa muito delicada e generosa, com muita atenção ao outro. Isso é muito forte na minha família. Então, ao mesmo tempo em que sou alguém extremamente preocupada com o outro — com o seu bem-estar, que prefere evitar conflitos — sou muito persistente, íntegra e honesta. Sou uma mescla destes valores. Acredito muito que a vida é um dar e receber. Esse é o fluxo da vida. É uma lei universal. Cresci com esse pensamento de responsabilidade pelo próximo e de liderança.

“Acredito muito que a vida é um dar e receber. Esse é o fluxo da vida. É uma lei universal.”

Como foi parar no curso de Farmácia?

Gosto de ajudar as pessoas e sempre fui alucinada por História. Só não virei professora porque achei que não ia poder fazer muita coisa pelos outros. Não virei médica porque não gosto de sangue. Ah, um detalhe: segundo o resultado do meu teste profissional, eu deveria ser assistente social. Mas eu adorava química e adorava perfumaria. Prestei Farmácia, na Universidade de São Paulo (USP) e Química, na Unicamp. Passei nas duas, mas escolhi a USP porque tinha uma visita ao Boticário. E o curioso é que, apesar de ter ido bem em Biologia, passei com nota 10 em História.

Como o Marketing entrou na sua vida?

Foi na hora de fazer estágio. Fui superbem em uma entrevista para uma vaga em uma grande empresa farmacêutica, mas não fui chamada. Liguei para a recrutadora e ela me disse que tinham me adorado, mas não para as áreas químicas, me queriam na área de Marketing. Eu nem sabia o que era isso e como o estágio era para a área técnica, não consegui. Fui fazer estágio numa farmácia. Ficava lá, espanando o balcão. Eu sou boa de dar ordem, mas laboratório não era para mim. De lá consegui um estágio na Natura. E eu amava.

Maria Claudia Pontes

“A recrutadora disse que me queriam na área de Marketing. Eu nem sabia o que era isso.”

Foi nessa época que, aos 24 anos, você decidiu largar tudo para morar fora do Brasil, certo?

Sim, eu percebi que era a hora. Se não fizesse naquele momento, não faria mais. Pesquisando as possibilidades, descobri um estágio em Perfumaria — que eu amo — em Zagreb, na Croácia. E, lá fui eu, de mochila nas costas. Detalhe: era 1994, fim da guerra da Bósnia. Minha mãe quase teve um surto, mas eu fui. Fiquei seis meses na Europa, cheguei a ir para França em busca de uma escola para estudar Perfumaria, mas não tinha dinheiro para isso.

Você gostaria de ter sido perfumista?

Ah, sim, eu adoraria ter sido perfumista.

E quando o marketing aparece de novo na sua vida?

Quando eu voltei para o Brasil, fui trabalhar em uma grande multinacional farmacêutica, com avaliação olfativa. E como no meu trabalho eu precisava fazer escolhas de perfumes e apresentar para a área do marketing, lá fui eu estudar o tal do marketing. Fui muito bem, ganhamos muitos projetos importantes e o presidente da empresa me chamou para ser gerente de Marketing. Eu tinha 28 anos.

Logo depois, fui chamada para assumir o cargo de gerente de Novos Negócios em uma outra grande indústria farmacêutica. Eles queriam trazer a primeira linha de dermocosméticos para o Brasil. Fiz a negociação e, em 1999, lançamos a linha no mercado brasileiro. Meus chefes ficaram superanimados e disseram que queriam minha ajuda em uma outra coisa.

E que coisa era essa?

Os genéricos! A empresa já tinha alguns produtos que poderiam ser lançados como genéricos, mas precisavam de mais, do que chamamos de “go to Market”. Foi quando abandonei os dermocosméticos e fui me dedicar aos genéricos. E deu muito certo.

E essa dedicação toda aos genéricos? Seria a Maria Claudia criança querendo ajudar outras pessoas?

Ah, sim. Eu tinha certeza de que estava contribuindo para fazer o bem. É a coisa do propósito. É fácil falar disso porque era o que tocava meu coração. Foi o projeto da minha vida e tenho muito orgulho de ter feito parte disso, porque sei que ajudei muitas pessoas que nem sabem da minha existência. Eu amo o que eu faço. É o que me faz levantar da cama com brilho nos olhos todos os dias.

  “Foi o projeto da minha vida e tenho muito orgulho de ter feito parte disso. Sei que ajudei muitas pessoas que nem sabem da minha existência”. (sobre os genéricos)

Era uma rotina intensa de trabalho e estudos. Em que momento você percebeu que tinha que mudar de vida e desacelerar?

Meu filho nasceu em 2008 e aí todas as minhas prioridades mudaram. Mas continuei o ritmo de trabalho. Em 2009, fui convidada por uma grande empresa para ser a responsável pelo lançamento de genéricos na América Latina. Em 2013, eu tive um segundo burnout. Eu estava vindo da Colômbia para o Panamá e achei que o avião ia cair. E falei: “não quero deixar meu filho órfão. Chega”. Decidi fazer um downgrade na minha carreira. Já estava repensando o que fazia sentido na minha vida, mas só em 2015 decidi que queria fazer um sabático. Não queria mais aquele ritmo de vida desenfreado.

Mas a Weleda chegou antes do sabático?

Pois é. Eu tinha muito claro que aos 50 anos eu queria trabalhar no terceiro setor. E pensei: bom, vou dar uma antecipada. Já tenho um patrimônio bom, vou ficar um ano sem fazer nada. E aí, eis que surge a Weleda.

Você já conhecia a empresa?

Não. Não sabia nada de Weleda, nada de antroposofia. Mas comprava alguns produtos sem saber exatamente o que era, porque o pediatra do meu filho é meio antroposófico. Fui para a Suíça, fiz a entrevista e fui apresentada ao modo de ser Weleda. É uma empresa humilde, com valores, com história. Fui entrevistada por um jardineiro. Ele me contou como é a planta, que a raiz da planta é a parte sensorial, ela extrai do solo tudo que precisa para crescer. E assim é nossa cabeça, que também tem raízes que estão conectadas com o universo. É uma empresa totalmente preocupada com o impacto que causa no mundo. Fiquei encantada com a história. Uma empresa com valor. Era isso que eu queria. Para funcionar para mim, tem que ter três premissas: autonomia, respeito e integridade. Perguntei se poderia ter essas três coisas e eles disseram que sim. E aí começou a minha jornada na Weleda. Comecei a fazer a estruturação, o planejamento estratégico e fazer a empresa crescer de fato. E hoje, o Brasil é o único país do mundo em que os medicamentos é mais importante que os cosméticos. Eu tive essa autonomia de apostar no que eu acreditava.

Foto: Lucas Seixas/2021

“Para funcionar para mim, tem que ter três premissas: autonomia, respeito e integridade.”

Mas com todo o conhecimento que você já tinha em medicamentos, esse era um desafio quase irresistível para você?

Sim. Escolhi esse caminho porque, em primeiro lugar, pode parecer arrogante, mas eu domino o mercado farmacêutico. E, em segundo lugar, porque o remédio é muito bom. Eu conversava com os médicos antroposóficos e perguntava o que eles achavam e todos diziam que amavam e que os pacientes também gostavam muito dos nossos remédios. Então eu pensei: por que manter esses produtos restritos aos médicos? Se a coisa é boa, natural, não polui, não agride, não causa dependência…

Você levou a Weleda para todo mundo.

Claro! Começamos a oferecer para todo mundo. E amo receber os feedbacks de pessoas que tomavam dois, três remédios controlados e, agora, só tomam os nossos e estão melhores. Não tem reconhecimento melhor.

É impressão minha ou parece que a Weleda foi feita sob medida para você?

Pois é. Aprendi que tudo na vida tem uma razão, um entendimento, o dar e o receber, que a vida é feita de ciclos. Mas parece que, de fato, eu vinha sendo preparada para assumir isso e beneficiar mais pessoas com os produtos maravilhosos, a filosofia única. O modo de trabalhar da empresa, que preza que todos sejam respeitados na sua individualidade. Queremos que as pessoas se divirtam trabalhando. E encontrem no trabalho um propósito para fazer algo melhor pelo mundo. Eu sou apaixonada pela Weleda.

“Queremos que as pessoas se divirtam trabalhando e encontrem no trabalho um propósito para fazer algo melhor pelo mundo. Eu sou apaixonada pela Weleda.”

Maria Claudia

Você falou algumas vezes sobre propósito. Você acredita que todo mundo tem um na vida?

Eu acredito que sim. Acredito que cada um de nós tem uma missão, tem algo para contribuir. Tento levar isso para meu time, na liderança que exerço. Tento trazer isso em práticas mais conscientes no dia a dia, para ajudar neste despertar.

Você fala muito de autonomia também. Essa autonomia toda sempre existiu nas outras empresas onde você trabalhou?

Nem sempre. Mas autonomia é algo que se conquista também. Na maior parte do tempo, eu tive autonomia. E quando não tive, quando percebi que estava perdendo a minha capacidade de empreender, decidi mudar.

E preconceito? Machismo?

Ah, sim! O machismo é estrutural, né? Passei por várias situações que hoje em dia eu penso: será que não consegui isso por ser mulher? Já ouvi muita piadinha. Mas também já vivi situações em que não liguei, ignorei. Eu sou uma pessoa autêntica e sempre dou meu recado. Sempre me posicionei quando necessário. Não tenho problema de falar o que eu penso. Nunca deixo de me posicionar, da minha maneira, superautêntica.

Você inspira muita gente. Mas quem te inspira?

Na minha carreira, eu tive algumas chefes que me inspiraram muito. Eram mulheres fortes, que não se acuavam. Mas as mulheres da minha família eram matriarcais e acho que esse meu jeito de gostar de mandar vem daí. Há 70 anos, a minha tia era chefe do governo do Rio de Janeiro! Hoje, ela tem 96 anos e continua dando ordens, continua sendo uma inspiração. E minha mãe me inspira muito por sua generosidade, meu pai também pela a herança intelectual e honestidade que me deixou.

Acho que a gente é um reflexo dos exemplos que tivemos dos nossos pais e, quando viramos pais, temos que pensar que exemplo estamos dando para os nossos filhos. E se a gente tem essa consciência. O mundo está na busca por essa consciência. A pandemia foi um presente para a gente parar e pensar no que está fazendo. E aí vem a antroposofia e as outras filosofias e mostram que estamos todos conectados.

Como foi o começo da pandemia para você? A antroposofia ajudou?

Acredito que todos nós estamos em um caminho de evolução e de melhoria como seres humanos. E tudo que puder fazer uma versão melhor de nós mesmos é válido. Sem julgamentos, cada um está no seu momento na vida. Temos que respeitar.

Quando entrei na Weleda minha vida mudou completamente, desacelerou. E fui estudar e entender o que era antroposofia. Não foi fácil, nem simples e nem foi imediato. Mas estar na Weleda ajudou muito no entendimento de tudo que está acontecendo.

“Acredito que todos nós estamos em um caminho de evolução e de melhoria como seres humanos. E tudo que puder fazer uma versão melhor de nós mesmos é válido.”

Maria Claudia

A antroposofia busca entender o ser humano em todos os seus aspectos. A Weleda é a prova de que é possível existir equilíbrio no ambiente corporativo?

Sim. A Antroposofia é o ser humano em seu contínuo desenvolvimento. E é o que buscamos aqui na Weleda. Temos um ambiente de diálogo aberto, com pouca política e pouco jogo de poder, em que a colaboração é mais importante do que o individual. Nós temos uma liderança colegiada, um ambiente em que a saúde mental é tão importante quanto a saúde física, um ambiente respeitoso. Estamos todos em home office, mas vendemos mais do que nos outros anos. Ninguém deixou de trabalhar. É a autonomia de que falei. Não estou controlando se a pessoa está das 8h às 17h no home office dela. É claro que não é bagunça, tem que entregar seu serviço, mas dentro dos nossos valores. E funciona.

Você comentou que sempre se planejou para, aos 50 anos, trabalhar no terceiro setor. E aí?

Já estou trabalhando no terceiro setor. Sempre falo para minha equipe que se tudo der certo, me aposento na Weleda, mas desde 2019 faço parte de uma ONG que se chama Gastromotiva e é uma organização que oferece formações profissionais para que seus alunos se tornem empreendedores, auxiliares e chefs de cozinha. Durante a pandemia mudamos o nosso foco, para causar um impacto social positivo em comunidades que estão passando fome. Ano passado, impactamos um milhão de pessoas através do alimento. Eu adoro isso, tem outras coisas que gostaria de fazer, mas ainda não consigo.

Então a Maria Claudia que queria salvar o mundo está mais viva do que nunca?

Está. Mas não gosto muito do termo “salvar o mundo”, porque acredito que não salvamos ninguém. Prefiro usar o termo “ajudar”. Ajudar a pessoa a brilhar. Mas aí, te falo de novo: quando eu for embora deste mundo, qual vai ser o legado que vou deixar? É isso que temos que refletir todos os dias: “o que fiz pelo mundo e pelo próximo?”.

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