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    Entenda o vício em jogos de aposta e como sair dele
    (Foto: Rodion Kutsaiev/Unsplash)
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    Luana Melo*, de 45 anos, tinha uma carreira consolidada como gerente comercial de grandes empresas. Sua vida mudou em 2022, quando deixou o cargo para trabalhar em casa, cuidando de seu primeiro filho recém-nascido. Porém, o que já tinha mudado tanto na vida da nova mãe viraria de ponta cabeça, quando ela conheceu um aplicativo de apostas.

    “Meu marido me mostrou um aplicativo que oferecia um bônus no primeiro depósito. Colocamos 50 reais e cheguei a ganhar 100, mesmo sem saber como jogava. Achei superinteressante, pois estava com um bebê para cuidar e sem emprego”, lembra a mãe, que viu no aplicativo uma forma de ganhar dinheiro sem precisar sair de casa.

    O plano até parecia fazer sentido, mas, de repente, foi por outro caminho. Aos poucos, a mãe foi perdendo o controle das apostas. Todo dinheiro que Luana recebia quando ganhava era aplicado novamente no jogo de azar.

    Muitas vezes acabava perdendo, mas insistia mesmo assim para tentar recuperar. Sua maratona começava cedo, e ela virava a noite jogando, ficando horas à espera de chegar um valor alto, para poder, novamente, apostar.

    “Já consegui ganhar muitas vezes, mas perdi muitas também. Já cheguei a perder mil reais em um dia”, conta Luana que, sem trabalho e querendo jogar, começou a mentir para a família.

    As espirais do vício em bets

    “Eu usava o dinheiro que a minha família enviava para presentear meu filho para jogar. Então tirava fotos de brinquedos que já eram deles para “mostrar” que tinha comprado alguma coisa com o valor enviado”, recorda a mãe.

    Seu marido, que trabalha como motorista de aplicativo, ficava com dó da esposa e sempre lhe dava dinheiro para continuar apostando. “Eu cheguei a pegar o jeito nas bets, e muitas vezes ganhava. Já cheguei a receber mais de R$ 1200, depositando apenas R$ 100, mas perdi tudo com a ganância de querer mais”, conta.

    Apesar dos ganhos, Luana nunca pegou um centavo para comprar algo para si. “Eu gostava mesmo era de jogar, a sensação era muito grande”, diz.

    As bets e seus perigos financeiros

    Jogos de azar, ou as bets, são atividades competitivas que requerem investimento em dinheiro. Porém o resultado depende mais da sorte do que da habilidade ou da estratégia dos participantes.

    “Exemplos incluem cassinos, loterias, e as próprias bets. Os participantes colocam dinheiro em jogo na esperança de ganhar, mas as probabilidades favorecem geralmente a casa ou o operador do jogo”, explica Leandro Martins, economista e especialista em renda variável da Me Poupe!, empresa de consultoria financeira.

    Segundo Leandro, a incerteza e a aleatoriedade são os principais elementos desses jogos, o que os torna arriscados, especialmente do ponto de vista financeiro.

    “As apostas podem gerar graves consequências financeiras. Muitos jogadores se envolvem inicialmente de forma recreativa, mas o ambiente viciante, reforçado por ganhos ocasionais, pode levar a um ciclo de perdas”, aponta.

    Segundo Emerson Santos, educador financeiro e fundador da Finex Brasil, empresa de educação e consultoria financeira, um cenário de crise econômica pode ser favorável para o crescimento das bets.

    “Em tempos de crise econômica, com alta de preços, trabalhos precarizados e consumo de produtos de baixa qualidade, muitas pessoas veem as bets como uma chance rápida de ganhar dinheiro e melhorar de vida.”

    A sensação de estar sem alternativas financeiras pode impulsionar alguém a cair nesses jogos, mas a realidade é que, na maioria das vezes, isso só agrava a situação financeira da pessoa.

    “A crise aumenta a vulnerabilidade e faz com que as apostas pareçam uma saída, mas, na verdade, são um risco maior para a saúde financeira, por conta das grandes perdas”, aponta o especialista.

    Bets podem atrapalhar a economia

    Extensões online do jogo do bicho – proibido desde 1941 e que, mesmo assim, segue atuante e envolvido com milícias -, as bets estão autorizados no país desde 2018. Isso depois que o ex-presidente Michel Temer (MDB) sancionou a Lei 13.756/2018.

    As apostas podem ter um efeito duplo para a economia do país, de acordo com Leandro. Isso porque, se por um lado elas geram receita para o setor de entretenimento e contribuem para a arrecadação de impostos, por outro a proliferação desses jogos pode trazer consequências negativas para a saúde financeira individual, e consequentemente, coletiva.

    “O aumento do endividamento das pessoas, o desvio de recursos que poderiam ser destinados ao consumo produtivo e o impacto psicológico e social de jogadores que enfrentam vício são três características de uma sociedade viciada em jogos de azar. A longo prazo, isso pode sobrecarregar serviços de saúde e assistência social, além de reduzir o consumo em setores mais produtivos”, explica o economista Emerson Santos.

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    A epidemia das bets no Brasil

    (Foto: Inspa Makers/Unsplash)

    O caso de Luana, detalhado no início desta matéria, está longe de ser único. O vício crescente da população brasileira com os jogos de bets tem se tornado cada vez maior.

    Entre janeiro e agosto de 2024, brasileiros apostaram mais de 20 bilhões de reais por mês, conforme dados levantados pelo Banco Central (BC).

    Em torno de 24 milhões de pessoas físicas participaram de jogos de azar em 2024, segundo estimativas da pesquisa. E o valor médio depositado nas bets varia. Para os mais jovens, de 20 anos, o valor das apostas gira em torno de cem reais mensais, enquanto pessoas na faixa etária dos 30 anos chegam a apostar mais de R$ 3 mil por mês.

    Transações financeiras via pix, criado em 2020 no Brasil como forma de crédito instantâneo, tem sido uma das ferramentas mais usadas pelos apostadores. O vício se sustenta quando a forma de alimentá-lo é através de transferências rápidas, práticas e gratuitas.

    Em 2024, o valor mensal de transações via pix enviados por pessoas físicas para empresas de jogos de azar ficou entre R$ 18 e R$ 21 bilhões. Os dados são do BC, levantados a pedido do senador Omar Aziz (PSD-AM), que defende a suspensão dos jogos de apostas no país.

    Governo tenta regulamentar bets

    Desde 2018, quando foram permitidas no Brasil, é comum ver anúncios de bets em televisão, metrô, outdoors, internet e em jogos de futebol. Inclusive, há investigações apurando a relação entre bets e manipulação de resultados de jogos de futebol no país.

    Em 2024, o Ministério da Fazenda começou a estipular novas regras para as apostas, tentando combater o vício e o endividamento da população brasileira.

    Entre as regras, estabelecidas pela Portaria nº 1.207, de 29 de julho, as plataformas devem informar de forma clara sobre os jogos disponíveis e seus retornos, e o apostador deve poder escolher sair de jogos sem ser forçado a apostar.

    Na onda das regulamentações, o Google publicou uma atualização em sua política de publicidade. A empresa afirma que, desde 20 de setembro, apenas trabalha com anúncios de jogos de apostas caso eles tenham sido registrados no Ministério da Fazenda.

    Além de estarem vinculadas ao vício e à instabilidade financeira de famílias brasileiras, a imagem do mercado das apostas ficou ainda pior no Brasil com o envolvimento de pessoas famosas em esquemas de lavagem de dinheiro utilizando empresas de bet.

    O cantor sertanejo Gusttavo Lima e a influencer Deolane Bezerra são duas figuras públicas suspeitas de envolvimento com empresas de jogos de aposta e lavagem de dinheiro, segundo a Operação Integration. Deolane, que é advogada, ficou presa por 15 dias.

    A polícia suspeita de movimentações bancárias nas empresas administradas por Deolane. Já Gusttavo Lima teve, no começo de setembro, uma aeronave em nome da empresa dele apreendida.

    Assim como Deolane, Gusttavo também foi indiciado por lavagem de dinheiro e organização criminosa. Ambos estão livres até o momento dessa reportagem, mas seguem sendo investigados. As casas de aposta envolvidas nos supostos esquemas tornaram-se ilegais no Brasil.

    Mas afinal, o que explica o vício em apostas?

    Para quem nunca apostou em jogos de azar, pode parecer distante a ideia de perder dinheiro em bets. Um tanto absurda, até.

    Mas quem já passou pelo vício sabe que a insegurança financeira, juntamente com os mecanismos dos jogos de apostas, fazem com que o vício venha e se instale rapidamente, sem que a pessoa sequer perceba.

    “O vício é uma condição crônica que afeta o cérebro e o comportamento. Ele envolve uma série de reações químicas no cérebro, particularmente relacionadas ao sistema de recompensa, regulado por neurotransmissores como a dopamina”, explica a psicóloga e psicanalista Ana Volpe.

    Ana elucida que o sistema de recompensa do cérebro humano está associado às sensações de prazer e de motivação. Quando uma pessoa consome uma substância viciante ou se engaja em comportamentos repetitivos, como jogos de azar, o neurotransmissor gera um reforço positivo no cérebro.

    “Com o tempo, o cérebro de uma pessoa viciada adapta-se à presença constante de altos níveis de dopamina, o que leva a uma diminuição na sensibilidade dos receptores. Isso significa que a pessoa precisa de quantidades cada vez maiores da substância ou de replicar o comportamento viciante cada vez mais para sentir o mesmo prazer”, aponta.

    Ciclo vicioso abala o emocional

    Em pacientes viciados em bets, a psicóloga comenta que enxerga um aumento dos transtornos de ansiedade, depressão, baixa autoestima, e sentimentos de culpa e vergonha. Especialmente quando eles percebem que seu comportamento está prejudicando sua vida e a de outras pessoas ao redor.

    “Além disso, a adição em apostas online tem, geralmente, um impacto físico menor e está mais associada a dificuldades financeiras graves, que acabam gerando um enorme fardo emocional”, completa Ana.

    Sentimentos que Luana Melo conhece bem. “Quando ganhava, até usava o dinheiro para pagar contas. Mas, quando perdia, no outro dia não queria nem levantar da cama, com uma sensação de ressaca, arrependimento, e sempre dizendo ‘agora eu não jogo mais’”, recorda.

    Durante os dois anos em que jogou nas bets, Luana recorda que depositou mais de R$ 60 mil, o que lhe causou diversos problemas.

    “Me arrependo muito. Enganei muitas pessoas. Pedia para meu marido dinheiro todo dia para jogar, e meu casamento quase acabou por causa disso.”

    Além disso, o vício levava Luana a ficar o dia todo com celular na mão, deixando de lado os cuidados consigo e com os filhos. “Eu não cuidava bem da casa, e fazia as coisas para os meus filhos sem tirar o celular da mão. Nossa vida não fluiu nesses dois anos em questão de dinheiro. Não conseguimos progredir em nada”, desabafa.

    Sair do vício é difícil, mas não impossível

    Ivania Konno, especialista em comportamento e terapeuta, explica que é possível se livrar do vício. Mas o primeiro passo é reconhecer essa necessidade.

    “A pessoa tem que querer sair do vício, pelo amor ou pela dor. Ela precisa identificar as raízes, fazer terapia e lidar com os sintomas da abstinência”, explica.

    A abstinência, apesar de desafiadora, é o fator mais importante do processo de cura. Para Ivania, “ela é a razão pela qual muitos preferem morrer do que mudar, apenas para não lidar com os sintomas de abstinência. É um trabalho de autorresponsabilidade, que começa no indivíduo e reverbera nas pessoas ao entorno”.

    Além disso, é importante buscar ajuda profissional, como psiquiatras e psicólogos, terapias e grupos de apoio. Ana Volpe ressalta a importância de evitar gatilhos, construir alternativas saudáveis e estabelecer uma rede de apoio. Passos importantes para sair do vício e voltar a ter uma vida mais saudável.

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    Rede de apoio é fundamental

    Essa rede de apoio, para Luana, é o próprio marido, que esteve ao seu lado durante o processo de desintoxicação das bets. “Pedi ajuda ao meu marido, que tem muita paciência comigo”, conta Luana.

    Ela confessa que, em muitos momentos, sente uma vontade muito grande de retornar ao vício. O marido, paciente, fez uma proposta que trabalha o sistema de recompensas para ajudá-la.

    De acordo com ela, o marido oferece entre 20 e 30 reais em dinheiro físico por dia para que ela guarde ou utilize em alguma compra pontual. Porém, Luana não pode jogar e nem fumar, já que o cigarro também se tornou um vício.

    Apesar de toda a dificuldade, somada com o complexo trabalho de maternar, Luana tem fé de que vai conseguir sair do vício e reconquistar a autonomia de outrora.

    O combinado com o marido é uma forma de incentivo, pois ela sente que está recuperando o dinheiro que perdeu.

    Quando se pega pensando em jogar, Luana se lembra do valor que hoje está lhe fazendo muita falta, e assim segue se afastando, finalmente, desse vício.

    *nome fictício para manter o sigilo da entrevistada. 

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