Um pouco de louça suja na pia, alguns livros espalhados pelo chão da sala, brinquedos se amontoam pelo quarto. Mas já são quase 21h da noite e, depois de um dia de trabalho, algumas horas no ônibus e um malabarismo para cumprir as tarefas do dia, você só quer tomar um banho, deitar na cama e relaxar. O sentimento de culpa bate forte nesse momento e a pressão interna para arrumar a casa é onipresente. Mas como fazer isso quando a vida anda caótica?
Essa foi a pergunta que a escritora, terapeuta e palestrante KC Davis se fez durante um dos períodos mais turbulentos da sua vida. Em fevereiro de 2020, no início da pandemia, a autora deu luz ao segundo filho após passar por uma depressão pós-parto e ansiedade decorrentes da primeira gravidez. Somado a isso, Davis sabia que seu marido teria um tempo mais curto – trabalhando sete dias por semana – e decidiu organizar um planejamento detalhado com as tarefas domésticas para que não houvesse muitos imprevistos.
Mas parecia que nada ia bem, a casa nunca estava em ordem, a criação de dois filhos no meio de uma crise sanitária se transformou em um enorme desafio e os esforços, cada vez maiores, eram vistos como inúteis. “Eu estava cansada. Estava deprimida. Estava sobrecarregada. Precisava de ajuda“, explica no seu novo livro Como arrumar a casa quando a vida está caótica, publicado pela Editora Sextante.
Vida real
A ideia de trazer temas e apresentar um pouco da rotina no dia a dia por meio do TikTok era uma forma de Davis se sentir acolhida, além disso, era um meio de ter contato com outras pessoas em situações semelhantes. Sua primeira publicação na rede social, um vídeo zombando da situação da casa bagunçada, trazia a expectativa de gerar um pouco de humor diante do caos.
“Imaginei que, vindas dos anais da internet, mães de toda parte se uniriam para rir solidárias da dificuldade de se ter um recém-nascido em casa”, exlica no livro.
Mas um dos comentários não foi bem o esperado. “Preguiçosa”, comentou um usuário. Ler aquilo deixou Davis não só chateada, mas com a certeza de que o que estava passando não era sinônimo de desleixo, de forma alguma. “Eu estava cansada. Estava deprimida. Estava sobrecarregada. Precisava de ajuda. Mas eu não era preguiçosa. E você também não é“, enfatiza a autora.
Alguns fatores internos e externos, como a procrastinação, sensação de opressão, esgotamento e falta de apoio ajudam a explicar o porquê de não estarmos conseguindo arrumar a casa da forma e no ritmo que gostaríamos. Qual o primeiro passo a dar, então? Acolha-se, reconheça suas fragilidades e o contexto atual, não se cobre por um ideal vendido em filmes ou manuais.
Autogentiliza é o caminho
Os debates, que vão desde tarefas de cuidado a como os traumas familiares influenciam na forma como enxergamos o lar, ajudam a autora na organização das ideias em capítulos simples, diretos, afetuosos e pensados para pessoas com dificuldades de concentração, como dislexia e TDAH. No comecinho, ela já nos convida a praticarmos a gentileza consigo mesmo e a acolher as dores individuais.
Não importa se a casa do seu vizinho está sempre arrumada ou se os exemplos das revistas e seriados de televisão sempre estão em dissonância com a sua realidade. É tudo tão limpo, cada coisa no seu lugar. Mas lembre-se, cada um vive em um universo particular com rotinas e dinâmicas de vida diferentes, por isso, não se cobre. Ao invés disso, leve como mantra: o bom é melhor que o ótimo. Nem sempre tudo precisa sair com excelência, somos humanos.
“Sem pressa”, “com calma” e “com gentileza”, são as três expressões que Davis sugere para uma arrumação da casa com eficiência. E vale lembrar que o espaço existe para servir a você, e não o contrário. Por isso, para uma arrumação da casa sem culpa e frustração, a escritora destaca alguns pontos:
- Mudar sua perspectiva com relação às tarefas de cuidado, que deixam de ser uma obrigação moral e passam a ser uma incumbência funcional;
- Identificar quais mudanças você quer mesmo fazer;
- Encaixá-las na sua vida com o mínimo de esforço, contando não com a autoaversão, e sim com a autocompaixão.
VOCÊ PODE GOSTAR
– Só o essencial: Uma história que não canso de contar
– Saiba como montar um hall de entrada para sua casa
– Hábitos e planejamento: como manter a casa organizada?
Arrumar a casa pode ser uma atividade menos cansativa
Olhar para a realidade com a perspectiva do caos, de que está tudo perdido, vai te trazer mais aflição do que sensação de tarefa realizada. Arrumar – bagunçar – arrumar… Esse é o ciclo comum da maioria dos lares. Imagina se você for surtar a cada vez que as coisas saem do lugar? Sim, claro, manter o espaço em ordem é importante, a diferença está justamente em como enxergamos isso.
Você pode substituir, por exemplo, “eca, preciso mesmo limpar a casa agora porque ela está um desastre” por “seria uma enorme gentileza com meu eu do futuro se eu me levantasse agora mesmo e fizesse _______. Essa tarefa vai me render conforto, conveniência e prazer mais tarde”, destaca KC Davis no livro.
Ela lembra ainda que as soluções que funcionam para uma pessoa manter a casa arrumada dependem de questões bastante específicas, mas também dos pontos fortes, da personalidade e interesses pessoais. Mas calma aí, há um método e a terapeuta explica como aplicar de forma simples no dia a dia.
Chamado de “Método de Arrumação das Cinco Coisas”, a proposta tenta instigar o cérebro a ser mais ágil e saber o que está procurando. “Assim, em vez de ver um mar de entulhos e ficar paralisado, ele pode começar a enxergar itens individuais”, explica Davis.
“Apesar de parecer um caos completo, na verdade, só existem cinco tipos de coisa em qualquer cômodo: (1) lixo, (2) louça suja, (3) roupa suja, (4) coisas que têm um lugar e não estão no lugar e (5) coisas que não têm lugar”, acrescenta a autora. Para esmiuçar um pouco mais, sintetizamos as ideias centrais do método na imagem abaixo.
O que a bagunça da casa significa para você?
Se para uns, a bagunça é sinônimo de desordem, outros tentam aproveitar a dinâmica da vida e compreender que esse é o ritmo comum de um ser humano. Pense bem, uma casa ou apartamento vazios produzirão, no máximo, poeira, folhas secas e, ao longo do tempo, a aparência de estar velha se tornará mais evidente. Por outro lado, um lar com uma ou duas pessoas terá lixo, rabiscos na parede, livros lidos pela metade no sofá, louça suja da pizza do jantar, e assim por diante… É a vida.
“Vou contar para você o que a bagunça na minha casa significa. Significa que estou viva. Pratos sujos significam que me alimentei. Material espalhado significa que sou criativa. Brinquedos espalhados significam que sou uma mãe divertida. As caixas empilhadas no corredor significam que fui precavida e encomendei as coisas de que precisamos. As roupas largadas no chão significam que tive um dia cheio”, resume Davis no livro.
Arrumar a casa sem pressão
A autora explica que os aspectos de saúde e segurança das tarefas de cuidado são universais, até porque é preciso ter um lar limpo, sem ácaros ou animais peçonhentos, por exemplo. “Mas as camadas de conforto e felicidade são específicas para cada indivíduo”, justifica Davis. Então, ao invés de buscar um ideal universal, busque o que te satisfaz e traz senso de realização.
“Para muitas pessoas, encontrar um método que ultrapasse as maiores barreiras de funcionamento executivo ou que torne uma tarefa um pouco menos intolerável é melhor do que o método ‘mais rápido'”, destaca a terapeuta. “No fim, a abordagem com a qual você se sinta mais motivado que goste de fazer é a mais ‘eficiente’, porque você está em ação, e não protelando”, conclui.
Assim, algumas distinções são importantes para entender o que você pode fazer em diferentes situações. O que são afazeres do dia a dia? Quando isso se torna uma faxina? Ou, como aceitar que fizemos o que era possível? É isso que o livro nos convida a refletir.
Os comentários são exclusivos para assinantes da Vida Simples.
Já é assinante? Faça login