A doação de órgãos é uma decisão que pode transformar para sempre a vida de uma pessoa. Desde 1964 os transplantes de órgãos são realizados no Brasil, uma inovação na medicina que possibilita com que a vida de muitas pessoas seja salva e prolongada.
É exatamente por sua importância que o Dia Nacional de Doação de Órgãos – celebrado em 27 de setembro – foi instituído no Brasil, buscando demarcar a necessidade de uma maior conscientização e debate sobre o assunto na sociedade, escolas, universidades e locais de trabalho. No país, a doação só foi regulamentada pela Lei n° 9.437/1997, que determina a autorização familiar para que a cirurgia de transplante aconteça.
Lidar com filas de espera, angústia e impaciência foram sentimentos que passaram pela vida de Gustavo Angeleas e sua mãe, Dona Mônica, como ele a chama. Em 2019, Mônica foi diagnosticada com Síndrome de Erdheim-Chester, uma doença que afeta os ossos e pulmões, mas que no caso dela atingiu o fígado.
Depois de várias consultas, exames e visitas a consultórios, Mônica precisou entrar na fila de espera para um transplante de fígado. “Quando ela estava muito mal e acabou indo para o primeiro lugar da fila de doação não havia nenhum doador morto compatível e a solução era buscar um doador vivo”, explica Gustavo.
Depois de uma espera de quase três semanas, um quadro de melhora e mais uma vez a necessidade do transplante, o jornalista carioca – que é filho único – decidiu que iria doar parte do seu fígado para Mônica. “Pela educação que tive com minha mãe e pela relação que a gente tinha eu me sentiria muito mal se eu pudesse doar e não fizesse isso por ela”, lembra.
Exames, esperança e recuperação
O processo de transplante foi relativamente simples, Gustavo precisou fazer alguns exames de compatibilidade, sangue, imagem e avaliações médicas para acompanhar as exigências necessárias para a operação. A cirurgia ocorreu bem e o transplante foi um sucesso. Dona Mônica finalmente iria ter um órgão novo em folha e Gustavo – apesar de uma grade cicatriz – podia saber que sua mãe iria ficar bem.
No entanto, uma semana e dois dias depois, quando Gustavo já havia recebido alta hospitalar, Mônica não resistiu ao mal funcionamento dos rins e a uma infecção contraída no hospital. “É um sentimento de resignação com um pouco de conjectura. Fica sempre aquela sensação de que ‘pô, se a gente tivesse feito isso antes, teria dado certo?'”, questiona.
Apesar de o Brasil ter um dos maiores sistemas públicos de transplante de órgãos do mundo, há ainda uma grande fila de pessoas que necessitam de novos órgãos. “Existe um sentimento de raiva e indignação porque a gente deveria ter um sistema melhor, é o tipo de coisa que a gente vê sendo pouco falado”, comenta Angeleas.
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16 em 1 milhão
Há hoje, no país, cerca de 48 mil pessoas à espera de um transplante de órgão, de acordo com a Associação Brasileira de Transplantados (ABTx), um dado que cresceu cerca de 30% em relação ao ano de 2019. Um dos principais fatores está relacionado à disponibilidade de doação e autorização da família para a realização do transplante, etapa obrigatória no Brasil.
Pessoas que vivem em países como Espanha, por exemplo, são automaticamente incluídas no sistema de doação de órgãos após a morte, porque a política lá é o inverso – eles trabalham com a doação presumida -, partindo do princípio que todos são potenciais doares. No caso de insatisfação ou incômodo, o cidadão precisa comunicar ao sistema de saúde que pretende sair da lista.
“É um debate que precisa ser melhor feito e com menos bloqueio. O ideal seria a gente precisar de doadores vivos só em casos extremos”, defende Gustavo Angeleas ao relembrar o processo de transplante do seu fígado. O procedimento é seguro e precisa ser fundamentado sempre na ética profissional, desde identificar a morte encefálica de um paciente, passando pela busca da compatibilidade de doador até o processo da cirurgia.
A família precisa ser identificada, notificada e todos precisam necessariamente concordar com a doação. Só assim os procedimentos podem ser feitos, como “tipo sanguíneo, sistema imunológico, lista de compatibilidade, tamanho do órgãos, vários aspectos são observados”, explica Isabela Lopes Moreira, integrante da “Liga Doa”, da Universidade Federal de Goiás, durante o evento “Doação de órgãos: um ato de amor” no Sesc Goiás.
Atualmente, há aproximadamente 16 doadores para cada 1 milhão de brasileiros, segundo os dados do Ministério da Saúde, um número insuficiente para a demanda de transplantes que existe. Até junho de 2022, 27.613 pessoas aguardavam por um transplante de rim, 1.330 por um fígado, 321 por um coração e 216 por um pulmão.
De volta à vida
Vera Santos, aos 71 anos de idade, é transplantada do fígado há dezenove anos e seis meses (ela faz questão de lembrar exatamente da data). Diagnosticada com colangite esclerosante, Vera precisava urgentemente de um novo órgão para conseguir sobreviver e se curar da doença, e foi o que aconteceu.
Na época, em 2002, os primeiros procedimentos de transplantes de fígado haviam começado nos hospitais da cidade onde mora, em Fortaleza. Depois de uma espera de setes meses, em maio do mesmo ano, Vera foi a 16° transplantada da cidade. Ela, que também é presidente da Associação Cearense dos Pacientes Hepáticos e Transplantados (ACEPHET), defende a conscientização e a importância da doação de órgãos no Brasil.
“Doar é salvar vidas”, lembra Vera, que pôde voltar à sua rotina depois do transplante e da recuperação médica após a cirurgia. A própria ACEPHET, instituição que pretende promover a sensibilização sobre o tema, organiza anualmente um evento que reúne transplantados, doadores e pessoas interessadas no assunto para lembrar da relevância desse ato que salva vidas.
Em 2022, uma série de palestras e atividades artísticas foram realizadas na cidade junto com voluntários, convidados e parceiros da ONG que buscam divulgar e expandir os conhecimentos sobre o tema.
Sobre a doação de órgãos
Você ainda tem dúvidas, receios ou inseguranças sobre esse tema? A seguir, algumas curiosidades e informações sobre o processo de transplante para esclarecer mais sobre o processo:
1. Um doador pode salvar até 8 vidas
Podem ser doados coração, pulmões, fígado, pâncreas, intestino, rins, córnea, vasos, pele, ossos e tendões. Portanto, um único doador pode salvar inúmeras vidas. A retirada dos órgãos é realizada em centro cirúrgico, como qualquer outra cirurgia.
2. A doação de órgãos é gratuita
Para se tornar um doador não há nenhum custo adicional ou pagamento ao sistema de saúde, basta apenas que a pessoa tenha informado previamente o seu desejo à família de doar seus órgãos.
3. Não é possível escolher para quem irá o órgão do doador
A fila de transplante não é linear, depende de uma série de fatores como a compatibilidade do órgão, as características do doador e do paciente, além da outras condições que podem ou não ser favoráveis ao transplante.
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