Como aprendi a confiar
Ao enxergar o ser controlador em mim, entendi que isso era fruto da minha falta de confiança nos mecanismos da vida.
Ao enxergar o ser controlador em mim, comecei a entender que isso era fruto da minha falta de confiança nos mecanismos da vida, e consequentemente, em mim.
Dificilmente alguém irá ler em minhas publicações alguma frase pronta tipo: “Você tem que confiar em Deus”. Esse foi apenas um exemplo. Creio que ninguém aprende de fora para dentro, e por isso eu entendo que o indivíduo pode ler 10 mil livros, e provavelmente nunca sairá do lugar. Os livros são válidos quando são acompanhados pelas experiências que vivemos. Nesse caso, eles podem trazer insights importantes.
Em 1994, durante a primeira viagem, Miami à Ilhabela, nós tínhamos um cronograma apoiado na meteorologia. Por isso tivemos que velejar no Caribe durante o primeiro semestre até o início de maio (época que não tem furacões), para coincidir a nossa jornada pela parte fluvial da viagem, entrando no Rio Orinoco na cheia dele nos meses de maio e junho.
Desta forma, era preciso respeitar as datas. Mas por ter sido a primeira viagem, não tínhamos nenhuma experiência de planejamento, e era difícil prever o que poderia acontecer. Os dois barcos saíram carregados de Miami, e esse excesso de peso inicial foi responsável por algumas quebras que iam nos atrasando.
Lidar com os erros
Para um perfil controlador e perfeccionista como o meu esses eventos inicialmente foram um desafio, pois mexiam com o meu humor, e me deixavam contrariado. Eu ficava contrariado pois queria que tudo acontecesse como eu queria, e se caso algo saísse do meu controle, eu entendia que estávamos colhendo os nossos erros de planejamento.
Vejam quanta coisa interessante pode-se enxergar. Eu não estava lidando bem com os erros possivelmente por ser orgulhoso, e mimado. Essa atitude estava apoiada na falta de humildade, e isso fatalmente me levava a ser uma pessoa que agia com pouca flexibilidade.
Mas aconteceu algo mágico que eu percebi, e me ajudou muito a começar a desconstruir essa rigidez.
Encontros pelo caminho
Assim, a cada quebra do barco fomos obrigados a desviar a nossa rota, ou interrompê-la por alguns dias. Assim começamos a conhecer lugares e pessoas que nunca teríamos a oportunidade de encontrar. O interessante desses encontros é que eles sempre foram recheados de generosidade por aqueles que nos socorreram. Não foram poucos os encontros. E depois de muito tempo eu entendi que a verdadeira viagem iria acontecer ali.
Esses acontecimentos despertaram dentro de mim inicialmente uma curiosidade que me deixava intrigado, e ao mesmo tempo encantado. Até que um dia, quando o barco quebrou eu me perguntei: “Onde irei parar, quem irei conhecer?”. Nesse dia encontrei uma pessoa que me fez entender que eu precisava nessa vida era trocar apenas um olhar para aprender algo importante dentro de mim. Pois, só aquele encontro era capaz de despertar algo fundamental.
Foi neste instante que eu comecei a me observar e perceber que não valia a pena resistir ao imponderável, e que a viagem iria acontecer dentro de muitas incertezas. Esse era um teste de confiança.
Falta de confiança
Entretanto, ao enxergar o ser controlador em mim, comecei a entender que isso era fruto da minha falta de confiança nos mecanismos da vida, e consequentemente, em mim. Por medo de perceber essa minha fragilidade eu agia de modo rígido. Mas o que é rígido quebra mais fácil do que é flexível. E eram justamente as peças rígidas do barco que estavam sempre nos trazendo problemas.
Esses eventos foram um vendaval dentro me mim nessa época, pois começaram a varrer para longe a ideia de ser controlador a ponto de estragar uma viagem tão espetacular. Mas esse foi apenas o início de uma longa jornada para entender sobre uma simples palavra que pode ser como uma estrada quase sem fim. A aceitação.
Quando eu aceitei os acontecimentos incontroláveis, eu passei a ser mais humilde, mais flexível e confiante. A viagem foi longa. Ela durou 289 dias, e ao longo dessa região tropical, as quentes brisas dos ventos alísios aqueceram o meu coração, me dando a oportunidade de rever minhas atitudes.
Respiração e pausa
Por fim, o interessante dessa história é observar que as oportunidades chegam em nossas vidas de várias formas. O que inicialmente pode ser entendido como um castigo, punição ou problema é, na verdade, um jeito amoroso e capcioso que a vida tem de chamar a nossa atenção sobre alguns aspectos da nossa consciência.
Nesse caso, fui agraciado com a visita de um vento que suavemente me deu uma opção para eu entender as coisas de uma forma mais amorosa em minha vida. O mar me deu o ensinamento de observar o movimento das ondas, aprendendo sobre os intervalos. Assim percebi que a respiração é a pausa que o universo nos concedeu para que a palavra não se adiante antes de ouvir o coração.
Eu vejo que temos apenas duas opções. Aceitar ou não.
É neste sentido que eu entendo a vida. Não temos que escolher entre a Luz ou a sombra. O mais amoroso é aceitarmos a nossa sombra, e não resistirmos a nossa Luz.
BETO PANDIANI é velejador, palestrante e escritor. Velejou da Antártica à Groenlândia, cruzou dois oceanos (Pacífico e Atlântico), sempre em pequenos veleiros sem cabine. Tem sete livros publicados.
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