E se fosse possível mudar o passado?
Diogo Lara explica como o processamento de experiências passadas pode ajudar a não ficarmos reféns da nossa história.
Neste mês, Diogo Lara explica como o processamento de experiências passadas pode ajudar a não ficarmos reféns da nossa história. Ao final do texto, o médico psiquiatra e criador da terapia AIM (Abordagem Integrada da Mente) faz um convite a todos que trabalham com a cura de memórias.
Tudo que aconteceu na nossa história, de alguma forma, ainda reverbera no presente.
Um exemplo simples: se você está lendo essas palavras, é porque, em algum momento do passado, aprendeu a falar português e foi alfabetizado nesse idioma.
Da mesma forma, se na nossa infância fomos mais ou menos amados, respeitados, apoiados, estimulados, desafiados, abusados e traumatizados, esses registros também estão dentro de nós. Em sua maior parte, estão guardados em territórios inconscientes inclusive.
O conjunto dessas experiências, das mais cotidianas às mais dramáticas, influencia o filtro com o qual percebemos o mundo a cada momento e as nossas reações automáticas aos eventos.
Mas, tem um detalhe: a mente não faz uma média dessas memórias armazenadas.
Bastam poucos momentos de maior sofrimento para desequilibrar a nossa relação com determinadas áreas da vida. Quando as emoções são acionadas, elas mudam a equação, ainda mais se forem emoções negativas.
Por exemplo, imagine que anos de um relacionamento feliz e fiel vão por água abaixo com uma traição pontual. Mais do que isso, no relacionamento seguinte com uma pessoa que não tem nada a ver com o enrosco anterior, podemos ficar com um pezinho atrás. Se novamente formos traídos, já estamos esperando por isso com a pessoa seguinte e interpretamos qualquer sinal como possível evidência de traição. O outro está pagando o pato que nem é seu.
Podem levar anos até recuperar a confiança em alguém que sequer tenha nos traído. Afinal, o filtro muda, inevitavelmente.
E, assim, vamos acumulando registros em todas as áreas da vida e reconfigurando nossas crenças, emoções e reações automáticas.
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Os fatos e as reações aos fatos
É legítimo, segundo a lógica linear, o argumento de que é impossível mudar o passado.
Só que não somos lineares. Nem tudo que é lógico, é psicológico. Somos plásticos, mutantes, maleáveis, vivos, transformáveis…
A primeira questão a considerar é: o que realmente importa? Os fatos em si ou o modo como esses fatos estão dentro de você?
Lembro de um amigo que estava com sua mulher e suas duas filhas pequenas em um avião quando ele começou a cair em espiral, despressurizou a cabine, malas voando para tudo que é lado, tímpanos estourados… e flutuando no caos com a morte à vista, o piloto recobrou o controle da aeronave e chegaram seguros ao seu destino.
Se fosse com você, como reagiria a esse evento? Como seriam as viagens de avião desse momento em diante?
Em um extremo, você poderia ter uma forte reação traumática, desenvolver diversos sintomas e nunca mais querer sair de casa. No outro, você passaria a olhar a vida com o frescor de uma criança, com gratidão por continuar vivo e com mais confiança ainda em pilotos e aviões.
Olhando de fora, é fácil perceber onde está a saúde nessa situação. O detalhe é que não escolhemos o modo como reagimos aos eventos da nossa vida.
Reagimos e ponto. Cada evento novo interage com os zilhões de outros registros que trazemos dentro de nós e que contribuíram de modo decisivo inclusive para a formação da nossa personalidade.
Felizmente, não precisamos ficar reféns da nossa história. Se você aceitou o convite da minha coluna anterior para ler meu livro “Imersão: Um romance terapêutico”, já sabe disso e provavelmente até tenha experimentado um grande movimento das suas memórias autobiográficas durante a leitura.
O processamento de memórias (ou “como mudar o passado dentro de nós”)
Se não temos grandes possibilidades de impactar a nossa reação imediata a um evento marcante, temos, por outro lado, a oportunidade de mudar suas marcas dentro de nós.
Esse é o poder das terapias de processamento de memórias que vem se provando cada vez mais eficazes frente a diversos tipos de sofrimentos emocionais e físicos.
As principais terapias de processamento de memórias (EMDR, Brainspotting, Experiência Somática e Abordagem Integrada da Mente ou AIM) têm em comum a estratégia de primeiro identificar as memórias potencialmente causadoras do sofrimento atual para depois atuar sobre elas de modo direto.
Para isso, primeiro é preciso “abrir” uma memória negativa relevante, ou seja, entrar em contato com as suas cenas e imagens enquanto deixa vir à tona as sensações e emoções ligadas a ela. Depois disso, cada escola de terapia lança mão de estratégias particulares para promover o processamento em si até a resolução da questão, que costuma durar de vários minutos a poucas horas.
Entre essas terapias, a mais bem estudada do ponto de vista científico é o EMDR (Eye Movement Dessensitization and Reprocessing), que usa estímulos bilaterais nos olhos, no corpo ou nos ouvidos como tática para promover o processamento. No começo pode parecer estranho para o paciente, mas logo se pega o jeito e se percebe a potência terapêutica do método na própria sessão.
Lembro quando eu me submeti à primeira sessão de EMDR após 3 meses de um trauma grave que me deixou destruído em 2010. A sensação, depois de 1 hora e meia de sessão, era de ter renascido das cinzas. Foi a partir dessa experiência transformadora que guinei minha prática de psiquiatra para essas terapias inovadoras, além de me dedicar ao meu próprio tratamento como paciente.
À medida que me tornava mais hábil como terapeuta, em vez de introduzir novos remédios, se tornou mais frequente reduzir doses e até suspender as medicações dos meus pacientes. Passei a testemunhar resoluções completas de casos até então difíceis porque, por trás do sofrimento do presente, havia memórias dolorosas esperando por serem processadas e liberadas.
Não só os sintomas iam embora, mas o brilho, o sorriso de alívio e o olhar vivo surgiam de modo natural e veemente. Fiquei contagiado pela alegria de dar alta aos meus pacientes, o que até então era raro de acontecer.
Claro que nem tudo foram flores… Ao longo desses anos, diversos casos esfregaram na minha cara as minhas limitações. Aliás, sempre que eu achava que estava arrasando como terapeuta vinha um paciente para me provar o contrário. Ah, como agradeço por suas lições acumuladas…
Voltando à questão técnica, uma pergunta comum é se os sintomas não voltam. Os estudos mostram claramente que os efeitos são duradouros e que podem até melhorar um pouco mais mesmo depois de encerrada a terapia.
Mais do que isso, na prática, o que observamos e sentimos enquanto pacientes é que, quanto mais sessões de processamento de memórias com qualquer uma das técnicas mencionadas, mais recursos internos desenvolvemos, o que nos torna mais resilientes aos eventos duros que a vida vier a nos apresentar.
Para saber, só passando pela experiência
Então, agora que você sabe desses novos caminhos, saiba também que o Brasil já conta com um bom número de terapeutas bem formados e sensíveis para lidar com a dor humana. Se você sentir o chamado de experimentar, basta uma sessão para sentir se é para você. É fácil encontrar terapeutas na internet, seja para atendimentos presenciais ou online.
E caso você sinta o chamado para se tornar terapeuta de processamento de memórias, as formações são bem mais curtas do que para outras escolas. São somente 4 a 7 dias de treinamento em EMDR e Brainspotting (voltadas exclusivamente para psicólogos), enquanto o de Abordagem Integrada da Mente (AIM), conduzido por mim, é aberto a todos os profissionais de saúde, já que também oferece a base teórica necessária em psicologia e neurociências.
O requisito maior para se tornar um excelente terapeuta de processamento de memórias é um só: ter alma de curador.
É de cura que a nossa humanidade está precisando, não é mesmo?
Desconto exclusivo para leitores Vida Simples:
Agora é a melhor hora para participar da formação de terapeutas, oferecida por Diogo Lara, em Abordagem Integrada da Mente (AIM), um caminho para a cura emocional e física pelo processamento de memórias. Uma nova turma começa em junho e dá para aproveitar um desconto exclusivo para você, que acompanha a coluna aqui em Vida Simples.
DIOGO LARA (@diogolaraoficial) é médico psiquiatra e PhD em Bioquímica (UFRGS). Também é ex-professor titular e pesquisador da PUCRS, terapeuta, escritor, palestrante criador da terapia AIM (Abordagem Integrada da Mente) e cofundador do Cíngulo (@cinguloapp), um aplicativo de terapia guiada que ajuda pessoas e empresas com seus problemas emocionais.
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