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Vidas literárias tomam posse na Academia Brasileira de Letras
(Créditos da Imagem: Debby Hudson / Unsplash)
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Neste artigo:

Um cantor e uma atriz tomaram posse na Academia Brasileira de Letras. Algumas pessoas se surpreenderam e questionaram: “Afinal, a Academia não deveria receber apenas aqueles que se dedicam à vida literária?”

No mês de novembro, uma verdadeira revolução ocorreu no mundo cultural brasileiro. Gilberto Gil e Fernanda Montenegro foram eleitos para a Academia Brasileira de Letras (ABL). Algumas pessoas se surpreenderam e questionaram: “Afinal, a Academia não deveria receber apenas aqueles que se dedicam à vida literária?”

A polêmica não é nova. Na verdade, foi “inaugurada” já na fundação da entidade. Machado de Assis e Joaquim Nabuco, que foram membros fundadores, divergiam sobre essa questão. Machado defendia a tese de que o critério para ocupar uma cadeira deveria ser a carreira literária, enquanto que Nabuco defendia posição diversa. Para ele, desde que tivesse vínculo literário, qualquer atividade poderia ser considerada.

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Casos curiosos da Academia

E assim se fez a história da ABL. Políticos como Getúlio Vargas e José Sarney foram eleitos. E houve até um caso curioso, o de Graça Aranha. Ele ocupou uma cadeira quando ainda não havia publicado nenhum livro. Sua estreia nas letras ocorreu em 1902, com o livro “Canãa”, editado depois de sua posse.

Há ainda um fato mais inusitado, o de um acadêmico que não chegou a pertencer à Academia, Francisco de Castro. A história é até espantosa, e foi relatada por seu filho Aloysio de Castro.

Uma bonita amizade

Há 104 anos, no dia 14 de novembro de 1917, o filho de Francisco passou a ocupar a cadeira nº 5, que pertencera a Oswaldo Cruz. Em seu discurso de posse Aloysio revela que seu pai, Francisco de Castro, médico como ele, mantivera estreita amizade com Machado de Assis. No dia 10 de agosto de 1899 seu pai foi eleito para ocupar a cadeira nº 13 da Academia.

Segundo ele, o pai foi um homem brilhante. Além de ser excelente orador, poeta sensível e dedicado ao ensino, era também conversador admirável.

O tempo passou e o novo acadêmico não tomava a iniciativa de entregar seu discurso de posse. Machado de Assis resolveu, então, visitá-lo para conversar e pedir que apressasse o término de sua mensagem. Francisco de Castro atendeu ao pedido do velho amigo, concluiu seu discurso, fez todas as revisões e o encaminhou ao autor de Quincas Borba.

O destino preparava surpresas

Quis o destino, todavia, que o pai não pudesse ler sua peça oratória. Faleceu no dia 11 de outubro, pouco antes da data marcada para a posse. Entrou para a história como o acadêmico que não chegou a pertencer à Academia.

Aloysio de Castro reservou boa parte do discurso de posse para descrever a amizade de seu pai com Machado de Assis. Deu detalhes de como o fundador da Academia se dirigiu à sua casa para animar Francisco de Castro a concluir e entregar o discurso. Revelou que o fato mais interessante na conversa entre os dois amigos foi o momento em que falaram sobre livros e as providências que tomavam para protegê-los dos insetos. Ficou ainda mais emocionado ao dizer que aquela fora a última vez que os dois se viram.

A minha emoção ao encontrar o discurso de posse

Tenho todos os livros com os discursos de posse e de recepção da Academia Brasileira de Letras. Não fazia muito tempo que eu havia lido o discurso de Aloysio de Castro. Por uma coincidência que me surpreendeu muito, em uma de minhas atividades preferidas, garimpar livros nos sebos do centro velho de São Paulo, encontrei em excelente estado um exemplar do livro com o discurso de Francisco de Castro.

Dessa vez, eu me emocionei ao ler aquele discurso que jamais seria usado em sua posse. Dá para imaginar também o que sentiu Aloysio ao relatar esses acontecimentos no momento em que entrava para a Academia. Um sonho realizado por ele, mas que não havia sido possível para seu pai.

Será que no futuro, longe de holofotes e de interesses políticos, alguém se sensibilizará com a história das recentes posses na Academia?

Afonso Arinos de Mello Franco foi severo ao se referir aos critérios da ABL: “Meu desejo sincero seria que nossa Academia Brasileira não se esquecesse tanto de que é também de… Letras”.


REINALDO POLITO é mestre em Ciências da Comunicação, palestrante, professor nos cursos de pós-graduação em Marketing Político e Gestão Corporativa na ECA-USP e autor de 34 livros que já venderam 1,5 milhão de exemplares em 39 países. Sua obra mais recente é Os Segredos da Boa Comunicação no Mundo Corporativo.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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