Trago a pessoa amada em três dias
Buscar alternativas sobrenaturais para causas impossíveis, desvendar o futuro são aspirações do ser humano desde que o mundo é mundo.
Buscar alternativas sobrenaturais para causas impossíveis, desvendar o futuro são aspirações do ser humano desde que o mundo é mundo.
Em uma esquina da avenida Santo Amaro, no bairro do Brooklin, na zona sul de São Paulo, os cartazes lambe-lambe se misturavam em agressiva concorrência uns sobre os outros. Enquanto um dizia “Trago o seu amor de volta em sete dias”, o outro prometia ser ainda mais eficiente: “A pessoa amada estará em seus braços em apenas três dias”. E um mais otimista ainda afirmava que precisava tão somente de um dia.
E para mostrar honestidade, alguns informavam que o pagamento só deveria ser efetuado depois de tudo resolvido. Eu pensei: quem acredita numa lorota dessa? Foi só olhar do lado que tive a resposta. Uma mulher, que dirigia um carro luxuoso, fazia esforço para anotar o número do telefone indicado no anúncio. Fiquei impressionado. Esse pessoal joga o anzol e algum “peixe” acaba por morder a isca. Lembrei da filosofia de vida do meu irmão: pela manhã acordam um esperto e um otário; quando se encontram, sai negócio.
Encontro
Não tive nenhuma dúvida de que ali a vida havia posto esses dois frente a frente. Provavelmente, ao chegar ao seu local de destino, faria a ligação telefônica e marcaria a consulta. Como devia estar sem rumo por ter perdido a pessoa de que tanto gostava, sem perceber, até nas entrelinhas, passaria informações importantes sobre a sua vida, fornecendo dados preciosos para que o “esperto” pudesse ludibriá-la.
Prever o futuro
Certa vez ministrei aulas para uma mãe de santo bastante famosa. Ela era comunicativa, articulada e muito esperta. Ao terminar a aula, essa aluna gostava de ficar um pouco mais na escola para conversar. Um belo dia, depois que já estávamos bem próximos, perguntei a ela como era possível dizer o que aconteceria com uma pessoa, se ninguém pode prever o futuro?
Sua resposta foi surpreendente. “Você está equivocado, é possível sim”. E complementou: “Pense bem, aparece uma moça para pedir informações sobre o que irá acontecer com a vida dela. Ela é empregada doméstica, semianalfabeta, filha de pai alcoólatra e órfã de mãe. Você acha difícil saber que futuro está reservado para alguém assim? Eu procuro dar algum tipo de esperança só para que ela se sinta bem, mas, infelizmente, a não ser por milagre, coisa boa não se pode esperar”.
Táticas
E me contou uma história muito curiosa. Na época em que ainda não havia ultrassom, as pessoas queriam de qualquer maneira saber qual seria o sexo do filho que estava para nascer. Ela conheceu uma senhora negra que usava uma tática infalível.
Com cigarro de palha caído nos lábios, olhos meio revirados e voz quase incompreensível, com um galho de planta batia de leve na cabeça da grávida e vaticinava: vaaaaiii zeeerr beniiinãã. E para que não pairasse dúvidas, escrevia sua previsão em uma folha de papel, colocava em um envelope com o nome dos pais, fechava com cola e guardava em uma caixa.
O futuro chega
Se nascesse menina, ninguém reclamaria. Se, ao contrário, fosse menino, a reclamação era quase certa: “a senhora garantiu que seria menina”. Ela não se abalava. Pegava o papel que estava dentro da caixa, descolava e pedia para os pais lerem. Lá estava escrito menino. Ou seja, ela dizia menina com voz enrolada, mas escrevia menino. Acertava de qualquer jeito.
Quem quiser acreditar, fique à vontade e vá em frente. Saiba que não estará sozinho nesse tipo de empreitada. Ir em busca de alternativas sobrenaturais para resolver causas difíceis ou impossíveis, tentar desvendar os mistérios do futuro são aspirações do ser humano desde que o mundo é mundo. E por esse motivo sobrevivem muitos ciganos, cartomantes, e toda sorte de adivinhadores.
Benefícios
Na conferência que fez no Instituto de Música sobre o tema “Como se sonda o futuro”, Medeiros e Albuquerque, depois de afirmar que é um benefício não conhecermos o futuro, conta a seguinte história:
Na Turquia há um livro célebre, que ninguém ousa abrir. Foi Murad V, um sultão que viveu no século XVII, que o leu pela última vez. Esse livro passa por ser profético. Murad era um homem cruel. Em cinco anos de reinado matou 25 mil pessoas!
Era bêbado. Era devasso. Um dia, porém, lembrou-se de consultar o Djefr-Kitabi — o livro que ensina a prever o futuro — e pelo que lá aprendeu pôde saber em que data morreria. Desde então a vida lhe foi um horror. O que não tinha podido o remorso das vastas carnificinas que ordenava, pôde a predição sinistra: contava as semanas, os dias, os minutos.
Ato de bondade
E, pela primeira vez, esse assassino coroado teve um pensamento de bondade – mandou lacrar o livro profético, para que ninguém mais pudesse consultar! Se alguém soubesse a ciência exata de sondar o futuro, era o que devia fazer: escondê-la, esquecê-la, destruí-la.
Mesmo sendo totalmente cético, nunca digo a uma pessoa que ela não deva fazer suas tentativas. Acredito muito na persistência. Se alguém se acomoda na esperança de que as questões se resolverão por si, já estará se comportando de maneira a não conquistar o que deseja. Quem vai à luta, por mais distante que estejam suas chances de êxito, talvez descubra um atalho que o levará à solução que tanto procura.
Portanto, se você estiver sofrendo por causa de um amor não correspondido, e quiser tentar uma amarração que o traga de volta entre um a sete dias, vá em frente. Só tome cuidado para não deixar a grana nas mãos dos espertalhões. Esse pessoal é ligeiro.
REINALDO POLITO é mestre em Ciências da Comunicação, palestrante, professor nos cursos de pós-graduação em Marketing Político e Gestão Corporativa na ECA-USP e autor de 34 livros que já venderam 1,5 milhão de exemplares em 39 países. Sua obra mais recente é“Os Segredos da Boa Comunicação no Mundo Corporativo”. @polito
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