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The Call to Courage, por Brené Brown
Netflix/Divulgação
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Neste artigo:

É emocionante falar sobre vulnerabilidade quando estamos com ela à flor da pele – literalmente! Pernas novas, pra que te quero!

De uma espanhola espevitada que encontrei logo nos primeiros dias da jornada do Caminho de Santiago há exatos três anos, ouvi que, se eu conseguisse atingir meu objetivo em 31 dias, chegaria na praça da catedral erguida em homenagem ao apóstolo Tiago tendo dado aproximadamente 1,2 milhão de passos. Algo nessa ordem de valor – o que me deu uma certa paúra, confesso. Como nada é por acaso nessa vida, em seguida ouvi de outra espanhola mais sensata que pouco importava o número de passos, nem quantos quilômetros faltavam. O importante era seguir, um passo de cada vez. O importante era a jornada, não o ponto de chegada.

O conhecimento das imperfeições

Fez mais sentido e aquela maneira diferente de olhar para a mesma situação me deixou mais confortável dentro do meu desconforto. Verdade seja dita aqui: eu nem tinha começado direito e minhas limitações físicas já indicavam que vinha chumbo grosso pela frente. Muito provavelmente, meu quadril, que nasceu imperfeito, que tinha sido companheiro-guerreiro em inúmeras jornadas vida a fora, daria sinais de que tivesse que pedir arrego diante de um desafio tão imenso quanto aquele.

Mas eu já estava, literalmente, com o pé na estrada e achava que nada poderia me impedir. Sentia-me corajosa, potente, determinada. A jornada interna já estava em pleno vapor e nada seria capaz de deter minhas pernas já cansadas e doloridas. No entanto, os dias foram passando, a dor foi se instalando e gritando para que eu olhasse para os meus limites. Para que eu entendesse que se eu não conseguisse chegar em Santiago (mas eu consegui!), isso não seria uma pedra no meu caminho interior, não interromperia minha trajetória, não me faria menos corajosa ou menos dona do meu destino. Apenas me colocaria em contato comigo mesma no lugar da vulnerabilidade. Me mostraria trilhas para o amor próprio através do conhecimento das minhas imperfeições.

O Poder da Coragem

Brené Brown, professora e pesquisadora da Universidade de Huston, estuda há duas décadas a coragem, a vulnerabilidade, a vergonha e a empatia. Sua palestra The Call to Courage (algo como, O Poder da Coragem, na Netflix) é um verdadeiro chamado para olharmos pra essa máxima que insistimos em reforçar – e que acaba sendo um fortíssimo gatilho da autossabotagem: que superpoderes e imperfeições não combinam. Com humor e propriedade, Brené fala sobre o andar de mãos dadas da vulnerabilidade e da coragem, de o quanto uma impulsiona a outra, de como somos mais plenos e felizes se entendemos que somos sol e chuva.

Tudo isso pra dizer que escrevo a vocês praticamente saindo da mesa de cirurgia, em um momento vulnerável, mas cheia de coragem em dividir essa experiência. Em que lancei mão da determinação de fazer a jornada em direção à ciência e, então, me presentear com um quadril novo. Em que entendi minhas limitações e coloquei na prateleira do não-quero-mais o desconforto da dor. Escrevo do momento em começo a minha reabilitação. Em que entendo que precisei viver minha vulnerabilidade corajosa 1,2 milhão de passos para não ter medo deste novo caminho. É emocionante falar sobre vulnerabilidade quando estamos com ela à flor da pele – literalmente! Pernas novas, pra que te quero!


Suzana Vidigal é tradutora, jornalista e cinéfila. Gosta de pensar que cada filme combina com um estado de espírito, mas gosta ainda mais de compartilhar com as pessoas a experiência que cada filme desperta na mente e na alma. Em 2009 criou o blog Cine Garimpo (www.cinegarimpo.com.br e @cinegarimpo) e traz, quinzenalmente, dicas de filmes pra saborear e refletir. 

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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