Recados de uma viagem no tempo
Que mensagem você levaria para o seu eu do passado, se pudesse fazer uma viagem no tempo e voltar ao período pré-pandemia?
Que mensagem você levaria para o seu eu do passado, se pudesse voltar ao período pré-pandemia?
Antes da pandemia de Covid aparecer, fiz uma longa viagem. Apesar do tempo e do território incomuns, não foi como uma dessas aventuras que estão na moda, sem data para voltar. Então, foi só mesmo uma viagem comprida e despretensiosa. Porém, ocasião na qual meu celular acabou por passar a maior parte do tempo desligado.
Finalmente, após atravessar várias semanas nos países bálticos, em paz, cruzando de bicicleta e de scooter planícies e florestas repletas de cogumelos, sentei-me num banco da rodoviária da pequena Marijampolė. Essa cidadezinha lituana faz uma confusa tríplice fronteira com a Polônia e o exclave russo de Kaliningrado. Sua linha limite se embola nas águas de um grande lago, o Vištytis. Usando a perna como apoio, rabisquei ali mesmo alguns pensamentos num caderno espiral.
Logo que meu ônibus estacionou na plataforma, destaquei a folha de papel e embarquei com meus pensamentos dobrados, guardados no bolso da calça jeans. Saltei no aeroporto Chopin, em Varsóvia, e voltei para casa, terminando a jornada.
Bilhete surpresa
Recentemente, mais de um ano após o primeiro lockdown, me deixei levar numa nova viagem. Porém, agora, sem bike, nem moto, ônibus ou avião. Ao colocar a mão no bolso de uma calça velha, tirei de lá — gasto, rasgado e parecendo mastigado — um ticket para o passado. E nele estava escrito assim:
“Enfim, chega este final de semana o momento de tomar o avião de volta para casa. Embora meu lar nos últimos anos tenha se dispersado por vários pontos num mapa, hoje sei onde fica meu porto seguro. E isso é bom. Volto plena de aprendizados. Estou ansiosa para sentar-me diante do computador e começar a contar histórias. Contrariando expectativas, nesta viagem não tive muita oportunidade para me ligar ao mundo exterior pela internet, nem para postar aquelas fotos do invejável cotidiano dos viajantes.
O que importa
E isso foi um aprendizado. Também uma libertação. Volto para o meu porto certa de perceber com mais clareza quais são as coisas que importam na vida. Por fim, volto entusiasmada ao trabalho e à vida pessoal. E espero colher frutos com as sementes que levo. Das lições que aprendi, algumas vão aqui anotadas para que, dentro de alguns meses, eu não as tenha esquecido:
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O destino da viagem pode até se repetir, entretanto, a experiência sempre se renova porque é o que está dentro de você que conduz as situações.
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Sim, o lugar onde você está é secundário em relação ao lugar onde o seu espírito está.
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A importância das coisas muda de acordo com a perspectiva:
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Quando queremos muito ir embora, o tempo até a hora da partida parece durar uma eternidade. Mas quando queremos ficar, o tempo parece curto demais para tudo o que gostaríamos de fazer. Talvez seja uma boa ideia simplesmente apreciar o momento presente.
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Não é aquele siberiano folgado, que se hospedou na mesma pousada, que incomoda você. É o quanto você deixa que ele invada seus limites. E sua mente tem muito a ver com isso.
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Hora de fazer é hora de fazer. Hora de planejar é hora de planejar. Troque as duas e você terá uma bela confusão para resolver.
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Não planejar é abrir a porta para maravilhosos imprevistos e vivências fascinantes. Mas saber planejar tanto quanto saber soltar é equilíbrio. E o equilíbrio é um dos caminhos para uma existência plena.
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Quando alguém da sua família amada se vai para sempre, você consegue mapear perfeitamente as preocupações estúpidas com as quais tem perdido tempo em vez de viver.
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Quando estiver bem ocupado a ponto de não perceber o que se passa com um amigo próximo, pare e respire fundo.
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A amizade é capaz de atravessar as fronteiras mais inusitadas e as culturas mais distintas. Se for capaz de sobreviver a elas, aí é uma amizade verdadeiramente valiosa.
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Finais felizes existem após períodos sombrios, mas dependem bastante do nosso estado de espírito. Os países bálticos sofreram sob um regime opressor por mais de 50 anos, mas sua acolhida é tão amistosa que deu sumiço no ressentimento.
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Levar presentes, às vezes, significa mais para o viajante do que para quem recebe. A prenda que transportamos com tanto carinho, talvez acabe no fundo de alguma gaveta.
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As respostas que procuramos nem sempre estão guardadas numa viagem para longe — ou naquele oráculo habitual. Talvez seja uma boa ideia procurá-las também dentro de nós mesmos.
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É grandioso o sentimento que nos invade quando uma pessoa para quem nossa existência não faz a menor diferença nos vê e nos trata pelo nome e com sincera consideração. Faça isso com alguém e note a mágica acontecendo.
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A primeira ação para fazer dar certo aquele seu plano de trabalhar num projeto que vai mudar o mundo é começar a mudar você primeiro.
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Dependemos de tantas coisas não essenciais… Estou há mais de um mês sem usar condicionador. Agora sei como ficará minha aparência quando o apocalipse chegar.“
JULIANA REIS é uma jornalista e contadora de histórias inquieta, apaixonada por mapas e que se realiza fazendo da estrada uma oportunidade para o autoconhecimento.
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