Qual mensagem a sua roupa passa para as pessoas?
Polito compartilha experiências em que suas roupas tiveram influência direta na forma como se comunicava com o público e destaca que é possível se adaptar ao ambiente para se conectar melhor com as pessoas ao redor
A “cravat” é um símbolo croata. É sabido que a gravata nasceu na Croácia. A pintura mais antiga com uma pessoa usando gravata é a do poeta croata Ivan Gundulic, datada de 1622. Portanto, ir à Croácia e não trazer de lá uma gravata seria o mesmo que ir a Roma e deixar de ver o Papa.
Pois é, eu fui e voltei sem ter comprado uma única dessas peças. Na época em que fiz a viagem, já deixara de usar esse adorno masculino. Não que não goste, ou nunca tenha usado. Na verdade, sempre as admirei muito. Tenho centenas. Como comecei a trabalhar muito jovem no mercado financeiro, desde o início a roupa era terno e gravata. Punha pela manhã e só tirava à noite para dormir. Os meus filhos e amigos não tinham problema para escolher lembranças para mim quando viajavam – traziam uma gravata.
Aprendi a fazer nós elegantes, sem precisar olhar para o espelho. Como possuía muitas, cada dia punha uma diferente. As pessoas elogiavam. Eu me sentia muito bem. Era como se aquele acessório fizesse parte natural da minha vida. O irmão de um professor da nossa escola, muito brincalhão, certa vez perguntou a ele: “Será que o pijama do Polito tem gravata? Eu nunca o vi sem uma!”.
Os dois primeiros sustos
O primeiro susto que levei por me trajar assim foi em Maringá, PR. No início dos anos 1990, fui ministrar um curso em uma conhecida cooperativa localizada naquela cidade. Sem me dar conta de que a região era muito quente e que, por isso, os habitantes fugiam dos ternos, vesti-me como de costume. Ao passar pelas ruas, notei que me olhavam com curiosidade. Só aí percebi que estava trajado de forma inadequada. Na verdade, para eles, parecia um marciano. Tirei a gravata rapidinho.
O segundo episódio ocorreu lá no Jari, divisa do norte do Pará com o sul do Amapá. Fomos contratados para ministrar cursos na fábrica de celulose, Jari, e na CADAM – Caulim da Amazônia. Logo pela manhã, com boa antecedência, eu e o professor que me acompanhava, estávamos na porta do hotel vestidos como “professores de oratória”.
Quando o Claudemir, diretor de RH da empresa nos viu, disse com ironia: “Eu sabia que isso ia acontecer. Troquem de roupa. Já, já vão entender o motivo”. Ele tinha razão. A extração do caulim era feita ao lado da sala onde ministramos o treinamento. Esse produto é um pozinho branco bem fino. De hora em hora, entrava uma pessoa para varrer a sala. O pó entrava pelas frestas das portas e janelas impregnando o local. Um paletó naquele recinto teria sido uma tragédia.
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O golpe de misericórdia
Ministrei 16 cursos para o Google. Os treinamentos foram realizados na sede da empresa. Participaram profissionais de todos os níveis, desde a supervisão até aqueles que estavam na cúpula da organização. Foram momentos de grande satisfação. Pessoal arejado, receptivo, interessado e muito participativo. O resultado não poderia ser diferente de excepcional.
Um belo dia, almoçando com a diretora de RH deles, em conversa bem próxima e informal, ela me disse: “Polito, nós contratamos você porque é o melhor profissional no ensino da comunicação que encontramos no mercado, mas, sinceramente, não combina muito com o perfil do nosso grupo”. No mesmo instante, olhei do lado e analisei como estavam vestidos os colaboradores da empresa.
Todos de tênis, calça jeans, algumas com rasgos, no modelo “destroyed jeans” e camiseta. Verdade, não tinham nada a ver comigo. Na mesma hora, tirei a gravata e o paletó, arregacei as mangas da camisa e me enquadrei ao estilo dos alunos. Nunca mais na vida usei gravata para dar aula. Peguei pelo rabo, com decisão na hora certa.
Durante alguns anos, fui presidente da Academia Paulista de Educação. Nas reuniões importantes com a diretoria, eu usava terno e gravata, já que os participantes, quase todos com idade acima dos 75 anos, também se vestiam assim. Ao passar o cargo para o presidente que me sucedeu, nunca mais.
Até as fotos que eu usava para divulgação do nosso trabalho foram substituídas. Eliminei aquelas em que eu aparecia de terno e gravata e troquei por outras só de camisa, ou, no máximo, com um blazer.
As exceções
Uma exceção foi recente. Recebi a medalha MMDC da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Fui ao evento trajando terno e gravata. E acertei. Todos estavam vestidos assim. E como disse Raul Briquet na conferência “O vestuário”: “A pessoa se sente mais confortável com a sua roupa à medida que nota no ambiente outros vestidos como ela”.
Em outra situação deu errado. Fui ao casamento do filho de um de nossos professores. Bem, pensei, em casamento com certeza vai todo mundo de terno e gravata. E assim fui. Para a minha surpresa, entretanto, só eu estava de gravata. Tirei o acessório e meti no bolso. Foi a pá de cal.
A partir desse dia, todas estão guardadas como lembrança dos bons momentos em que passamos juntos. De vez em quando olho para os compartimentos feitos no armário de casa exclusivamente para elas e penso: será que um dia alguma voltará ao meu pescoço? Pelo que tenho visto, não. Até os bancos, que sempre foram mais sisudos, e exigiam que os empregados usassem terno, já aboliram também esse tipo de vestimenta. A última fronteira são os advogados, mas pelos sinais dos últimos tempos, até esses doutores talvez deixem de usar.
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