Problemas com dinheiro? É hora de olhar para as suas emoções
Como as emoções impactam a nossa vida financeira? Em seu texto de estreia, Thiago Godoy fala sobre os problemas com dinheiro que surgem dos vazios emocionais, uma consequência comum para muitas pessoas.
Como as emoções impactam a nossa vida financeira? Em seu texto de estreia, Thiago Godoy fala sobre os problemas com dinheiro que surgem dos vazios emocionais, uma consequência comum para muitas pessoas.
Antes de me apresentar e de responder à pergunta do título, preciso contar uma história. Depois, quero saber: quantas “Simones” você conhece por aí? Será que a história dela é parecida com a sua?
Uma história de sucesso?
“Simone é uma médica muito bem-sucedida” – ao menos é o que ela mesma faz questão de mostrar para sua família e amigos.
Na escola, Simone era uma aluna dedicada e sempre tirava as notas mais altas. Ela tinha uma forte inclinação artística. Na infância sonhava em ser bailarina – se destacava no balé, e aprendeu a tocas alguns instrumentos no Conservatório de Música. Ainda no fim do Ensino Fundamental, Simone acreditava que poderia seguir uma carreira de Bailarina e pensava em entrar na Faculdade de Belas Artes. Mas, assim que ela começou o Ensino Médio, a pressão para o tão disputado vestibular caiu como uma avalanche. Seus pais a matricularam em uma nova escola focada em preparar os alunos para os melhores vestibulares do país.
Como o período na nova escola era integral, Simone acabou sendo obrigada a parar com a dança e a música, mesmo contra a sua vontade. Por ter sido sempre uma excelente aluna, os professores e os próprios pais de Simone acreditavam que ela deveria prestar o vestibular para uma carreira disputada, afinal de contas “ela daria conta do recado”, como falava Dona Sandra, a mãe de Simone.
Logo no início da faculdade Simone percebeu que estava no lugar errado. Não suportava sangue, se sentia mal com o ambiente de laboratório e achava massacrante ter que continuar estudando tantas horas a fio. Simone definitivamente não se conectava com a carreira de médica. Chegou a falar com a mãe que queria sair. – “Mas o que você vai fazer da vida?”, retrucava Sandra.
Quando Simone mencionou que queria ser dançarina, os pais ficaram desesperados – “Você vai morrer de fome!” – “Como vai ganhar dinheiro com o ballet?” – “Você parou de dançar há anos, já está velha para isso!” Simone se sentiu frustrada com a agressividade da mãe e com a complacência do pai. Mas, como você, caríssimo leitor sabe, a pressão dos pais não é algo fácil de lidar – com a Simone não foi diferente. Ela não queria decepcionar a família porque sempre foi considerada uma filha exemplar.
Não sei se você já percebeu, mas as construções que outras pessoas fazem da nossa personalidade, em muitos casos, podem ser mais fortes do que nós mesmos somos.
Simone, de alguma forma, havia se apegado a essa personagem que fizeram dela – aluna perfeita e filha exemplar. Por isso, Simone não largou a medicina. Mesmo quando sua frustração durante a faculdade foi aumentando ano após ano, ela persistiu. Foram períodos intermináveis de estudo e dedicação até ela finalmente se formar na residência médica.
Na visão de todos, Simone era uma grande vencedora. Mas, por dentro, à medida que os anos passavam, ela se tornava cada vez mais amarga por aguentar aquela situação.
A personagem “Simone exemplar” se tornou um peso insustentável na vida dela. Alguns anos depois, já trabalhando como médica, Simone se destacou e logo conseguiu um emprego em um dos melhores hospitais da cidade. Aos 32 anos ela tinha uma renda mensal de aproximadamente R$40.000, o que a permitia viver num padrão de vida muito superior ao de toda sua família. Ela começou a ajudar os pais, virou noites em plantões e cresceu financeiramente. Porém, a frustração acumulada fez com que ela se desconectasse de sua essência.
Mesmo com uma renda alta, ela se afundou em dívidas. Ela simplesmente gastava muito mais do que ganhava. O custo do carro importado consumia quase metade da renda mensal, o apartamento foi financiado a juros muito altos, as compras online não acabavam e os cartões de crédito estouravam o tempo inteiro. Simone vivia um caos financeiro, virou escrava de um padrão de vida e precisava virar noites atrás de noites para manter a vida que criou.
As emoções como fio condutor
Essa história que contei é fictícia, mas poderia muito bem se encaixar na vida de muitas pessoas. De alguma maneira, todo mundo entende a vida de Simone. A história dela mostra como nossa relação com o dinheiro é muito mais complexa do que uma planilha de Excel.
- Você já parou para pensar no quanto as suas decisões são de fato, suas?
- Quais expectativas das outras pessoas você quer atender e o quanto isso pode deslocar você da sua verdadeira essência?
- Será que você está comprando coisas sem sentido para preencher um vazio que você mesmo não sabe de onde vem?
Simone viveu em um lar com pais chamados de “stage parents” – ou pais de palco – figuras parentais extremamente zelosas que pressionam os filhos a se tornarem alguém que eles não puderam ter se tornado. São pessoas que querem permanecer envolvidas demais na vida de seus filhos e muitas vezes perdem sua própria identidade na identidade e no sucesso de seus filhos. E isso pode trazer muitos efeitos negativos a longo prazo para a criança.
Esse desequilíbrio todo causou uma mudança profunda em Simone, que sofre com graves distúrbios emocionais que refletem em sua situação financeira. A forma irresponsável como Simone gasta seu dinheiro, não está relacionada com a capacidade de lidar com as finanças. Seu descontrole e consumismo estão relacionadas a sua frustração pessoal.
Tudo o que é importante nas nossas vidas tem uma forte carga emocional. Os nossos relacionamentos são emocionais, o nosso trabalho é emocional e claro, a nossa relação com o dinheiro também. E um dos maiores erros em finanças é acreditar que esse é um assunto puramente matemático.
O alto preço de ignorar as emoções
Ingenuamente, acreditamos que há uma resposta matematicamente correta para perguntas tão difíceis como: “devo comprar ou alugar uma casa?”, “devo fazer uma pós-graduação?”, “devo aceitar este trabalho?” ou “devo negociar um salário mais alto?”
É claro que fazer as contas pode te ajudar a responder a essas perguntas, mas não existe uma fórmula exata para tomar decisões financeiras. Comprar uma casa pode significar que você não precisa pagar aluguel. O aluguel, por outro lado, pode ajudar você a morar na cidade que você sempre desejou estar.
Usar o dinheiro como uma muleta para preencher vazios emocionais em diferentes medidas é um comportamento comum para muitas pessoas. Compramos porque estamos tristes, compramos porque estamos felizes, compramos para comemorar algo ou impressionar alguém, e muitas vezes nossos padrões são ditados por outras pessoas.
Falar de dinheiro abertamente ainda é um grande tabu. É tão irônico pensar que passamos a vida inteira na escola para aprender a ter uma profissão e “ganhar dinheiro”, mas em momento algum aprendemos a usar de forma equilibrada e inteligente esse dinheiro.
Para melhorar a nossa relação com o dinheiro
É importante que você termine de ler esse texto sabendo que um padrão de vida maior não é necessariamente sinônimo de uma qualidade de vida melhor. Não caia na ilusão de querer ter a vida mais cara possível, pois ela pode te custar muito mais do que você imagina. Chamo isso de “armadilha do padrão de vida”. Inclusive, conheço muitos profissionais que mantem trabalhos insustentáveis para garantir o padrão que criaram.
Não há problema algum buscar uma vida confortável, desde que você não se mate e nem “compre suas emoções” como recompensas imediatas. Isso pode gerar muito estresse e prejudicar sua saúde mental, pode sacrificar os seus sonhos e derreter o seu tempo, esse sim o seu bem mais precioso.
Entenda o que você realmente quer para a sua vida, encare o seu medo e tome decisões sem se preocupar com o que as outras pessoas vão falar, pois afinal de contas elas sempre vão falar, não é mesmo?
Como a educação financeira pode te ajudar
Meu nome é Thiago Godoy e é com muito prazer, digno de uma missão honrosa, que estreio hoje esta coluna com o objetivo de trazer reflexões e informações sobre educação financeira, psicologia do dinheiro, economia comportamental, entre outros assuntos essenciais para você ampliar a qualidade da sua relação com o dinheiro.
Esse assunto ainda é um grande tabu para a maioria das pessoas e meu objetivo é fazer com que você se sinta totalmente à vontade para se abrir a essa relação. Afinal, algo tão cotidiano na vida das pessoas não pode ser colocado para debaixo do tapete, não é mesmo? É de forma leve e natural, com sinceridade, objetividade, mas também muito acolhimento, que quero te convidar para essa jornada. E você vai perceber, aos poucos, que desenvolver essa relação saudável com o dinheiro é mais fácil do que você pensava.
Você não precisa ser um especialista para melhorar a sua relação com o dinheiro, da mesma forma que você não precisa ser um linguista para falar. Você não precisa ser rico para começar a investir, você precisa se autoconhecer.
Na última década, eu tive a oportunidade de ajudar mais de 10 mil pessoas a transformarem a sua relação com o dinheiro. Literalmente, rodei o Brasil e o mundo entre projetos e congressos de educação financeira, aprendendo e ensinando esse que considero um dos conhecimentos mais importantes para o cidadão contemporâneo.
É aprendendo a equilibrar crenças, atitudes e comportamentos positivos com nossas finanças que conseguimos bons resultados também em outras áreas das nossas vidas. Uma pessoa educada financeiramente é capaz de aproveitar o presente, se preparar para o futuro e se proteger de imprevistos. É uma questão de cidadania.
THIAGO GODOY é Head de educação financeira da XP Inc., Colunista do Infomoney e professor na XPEED School. Acredita que todos podemos melhorar nossa relação com o dinheiro e que esse assunto precisa ocupar a mesa de jantar dos lares brasileiros. Seu TEDx fala sobre Ansiedade Financeira. No Instagram, também fala sobre educação financeira, com uma pegada mais voltada às famílias, no perfil @papaifinanceiro.
*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.
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