Precisamos imaginar um mundo melhor
A imaginação está longe do otimismo preguiçoso e inocente, que acha que tudo vai dar certo no final. Ela é uma ferramenta para enxergarmos nossos papéis na sobrevivência do futuro
Como, depois de tanto tempo, continuar acreditando em uma mudança coletiva forte o suficiente para nos afastar definitivamente de uma grande crise climática? Tenho repetido essa pergunta, ora pra mim mesma, ora em voz alta.
Estudo todos os dias pra entender o quanto meus hábitos e os movimentos da sociedade interferem nas possibilidades do nosso amanhã. Não ignoro as previsões, eu conheço a urgência em repensar nossa forma de viver e produzir. Apesar disso, muitas vezes me sinto paralisada porque grande parte da informação que eu recebo sobre o futuro me mostra uma imagem de catástrofe inevitável, tão complexa que não pode ser revertida.
Ainda não entrei na inércia, mas meu peito aperta e me sinto angustiada. Passo por tantos momentos de otimismo quanto de pessimismo. Minha geração já é testemunha da devastação causada pelas alterações climáticas. O fantasma desse perigo iminente não afeta só o planeta, mas também os indivíduos; nos sentimos desamparados pela política, pelos interesses corporativos e até pelas pessoas próximas.
Acredito que há saída pra além de aprender a conviver com a dor dessa ansiedade ecológica. No mês passado assisti a uma palestra do Rob Hopkins que, sem saber, respondeu àquela minha pergunta do início do texto.
Já faz quinze anos que Rob Hopkins é ativista pela transição – do nosso modelo atual para um novo projeto de sociedade resiliente. Faz tanto tempo que eu não consigo pontuar se já começamos de fato essa transição ou se só estamos falando sobre ela, aumentando nossa consciência sobre o problema.
Fui à palestra (lotada, é preciso dizer) esperando que ele continuasse tratando desse tema, que eu já conhecia de um de seus livros – onde ele defende soluções para a alimentação, para a economia e para a transição energética que diminuam nossa dependência do petróleo.
Mas ouvi um discurso completamente diferente, focado na nossa crise de imaginação e em como isso impacta nosso futuro. Ele tem trabalhado a ideia de que as mudanças climáticas são uma falha de imaginação. Esse é o tema do seu próximo livro.
Logo no começo de sua fala ele coloca a pergunta “E se tudo corresse bem ao final?”. Em seguida, mostra a imagem de uma cidade um pouco mais selvagem, com o retorno dos animais e da biodiversidade, onde a comida cresce por todos os lados. Essa é uma forma de imaginar, entre tantas outras. A questão é que estamos consistentemente desviando desse exercício, escolhendo olhar apenas para um já desenhado cenário catastrófico.
Nossa imaginação atrofiou e isso afeta principalmente a nossa capacidade de ação.
Na necessidade de soar alarmes com a urgência de mudar atitudes, os sinais presentes na nossa comunicação são sempre negativos. Ninguém nos alerta sobre como o futuro pode ser bom. Todas as desculpas dadas para não avançar no cuidado com o futuro vêm de não conseguirmos enxergar um futuro desejável.
Sem colocar em uma escala de valor as políticas públicas, as pesquisas e as ações individuais, o avanço nas discussões só parece possível se conseguirmos imaginar. Afinal, tem muito mais que os políticos, os cientistas e nós cidadãos atentos podemos fazer, usando a imaginação como ponto de partida para construir soluções para a crise climática.
A imaginação está longe do otimismo preguiçoso e inocente, não se trata de se resignar com a ideia de que, no final, tudo vai dar certo, mas de enxergarmos nossos papéis na sobrevivência do futuro – enquanto a maioria de nós ainda tem as condições básicas de vida para agir.
Ao invés de esperarmos apenas a solução da tecnologia, as grandes invenções que vão despoluir rios, conservar sementes ou fazer energia limpa, vamos precisar entender como serão nossas relações, como vamos produzir, qual será nossa comida, como vamos proteger a biodiversidade, quais línguas vamos falar, como serão as fronteiras, como cuidar das nossas águas, quais serão os trabalhos do futuro e como vamos nos divertir.
O desafio é grande, mas se conseguirmos, a mudança social econômica e política será sem precedentes, um tempo onde tudo pareceu possível e onde a imaginação foi bem-vinda, valorizada e empoderada, como espera Rob Hopkins.
Fê Canna coloca atenção em suas escolhas como forma de resistir ao que percebe de errado no mundo. Acredita que com um olhar atento é possível fazer escolhas mais cuidadosas com a natureza, as outras pessoas e nós mesmos. Escreve mensalmente no Portal Vida Simples e seu site é www.fecanna.com
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