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Memórias que trago das casas que morei
Jan Jakub | Unsplash
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Neste artigo:

Entender que nossas casas são repletas de histórias e afetos pode nos ajudar a manter viva nossas lembranças.

Eu me lembro de todas. Foram 14 ao todo. Sim! Acabei de contar de novo. E toda vez que faço essa soma me surpreendo com a quantidade de casas e apartamentos que já morei desde que nasci. Isso sem incluir as rápidas estadias quando precisei, por alguma razão, dar um tempo em um lugar que me acolhesse de passagem.

Admiro aquelas pessoas que nascem e continuam morando por anos no mesmo lugar experimentando viver a maior parte de suas vidas em uma mesma casa. Porém, eu mesma nunca consegui isso.

Quebra-cabeças

De cada lugar que morei elegi uma imagem que trago comigo, e são elas que compõem meu repertório de afetos para tornar minhas memórias únicas. Recordações que vão se encaixando lentamente como aqueles quebra-cabeças gigantes que a gente montava na infância, acrescentando peça por peça até formar uma paisagem idílica de um paraíso perfeito.

Eu me vejo em cada uma dessas imagens. Vejo o que fui e para onde ainda quero ir. Cenas que de tempos em tempos adiciono novas experiências e observações somadas as peças e objetos que carrego comigo a cada mudança de casa.

E que ajudam a formar minha identidade através de uma narrativa repleta de afetos e paixões. Neste combo reforço meu entendimento de que as coisas que me cercam não são feitas unicamente de matéria. E, sim, de um conjunto de significados que ajudam a contar minha história emoldurada pelas emoções do dia a dia que coloco em prática: dores, alegrias, um dia triste e outro alegre, um beijo de amor, uma saudade.

Sentir os ambientes

Entretanto, mudar para uma casa nova e já logo decorar todos os espaços sem ao menos aplicar essas percepções ou senti-los para que foram feitos não me atrai. Adoro conversar com os ambientes, observar a luz do sol fazendo seu percurso pelas paredes, sentir de onde vem o vento, o som, a textura dos materiais.

E por fim, com delicadeza, poder adicionar minha presença ali. Bordar o ambiente com as emoções que carrego faz com que possa adicioná-lo com carinho em minhas memórias. Em outras palavras, somente quando colocamos intenção neste ato é que conseguimos transformá-lo em lembranças.

Imagens

Constantemente visito esses ambientes dentro de mim. Enxergo minha infância na varanda cheia de plantas que circundava a sala onde minha mãe, sentada no sofá, me observava brincando.  Vejo-me na edícula do sobrado que transformei num refúgio adolescente. Sobretudo, a sala que pintei de cor de rosa na minha juventude.

A visão das árvores que enxergava da janela ao acordar, nos meus altares, nas minhas viagens, minhas coleções, meus casamentos. Um apanhado de imagens suaves. Algumas vezes utópicas e outras fantasiosas de histórias relacionadas as lembranças dos espaços que vivi com o único objetivo de perpetuar a mim mesma.

Criei e recriei ambientes, joguei coisas fora e ganhei muitas outras. Algumas negociei, outras abri mão. Sobretudo, marcas que deixo por onde passo. Porém, as pequenas peças de encaixe que faço questão de manter para completar minhas paisagens idílicas não mudam. Pedacinhos de beleza que carrego para acolher a mim mesma, salpicando minhas moradias com provas da minha existência.

Lembranças

Cada uma dessas imagens me lembram uma forma, uma cor, um cheiro e uma textura na qual me conectei com amor. Uma forma benigna de contaminação, como a que acontece quando um perfume deixa o rastro de alguém.

Lembranças que formam minha base e minha inspiração para seguir adiante me descobrindo a cada dia. Quanto mais experimento criá-las maior é a fonte da qual extraio meios para continuar vivendo e juntando mais peças neste quebra-cabeça que de tão perfeito só cabe no meu coração.


CLÔ AZEVEDO é arquiteta e acredita que a casa é uma extensão das vidas que a habitam. Desenvolve projetos de design de interiores afetivos para conectar pessoas com suas histórias, inspirando a reinventar seu próprio espaço, morar bem e viver melhor. Seu site é designafetivo.com.

 *Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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