Homens que sentem muito
Quando digo "eu sinto muito" será que estou realmente sentindo aquilo que eu digo? O que é, de fato, sentir muito?
Quando digo “eu sinto muito” será que estou realmente sentindo aquilo que eu digo? O que é, de fato, sentir muito?
Durante grande parte da minha vida, fui desestimulado a sentir. Sentir não era compatível com a masculinidade que eu conhecia. Se eu sentisse dor física, diziam que eu era muito fraco e “maricas”. Se eu sentisse minhas emoções, é bem possível que tivesse vontade de chorar. E se um homem não pode chorar, o correto a se fazer é segurar as lágrimas, ir se acostumando a negar que elas estão ali e não olhar para as emoções.
A falta de permissão para sentir foi criando cascas em mim. Vesti uma armadura e fui criando uma desconexão com meu corpo. Demorei muitos anos para me dar conta de quão desconectado eu estava dos meus sentimentos.
Falta de permissão para sentir
Outro dia, numa roda entre homens, um dos participantes disse que havia começado a fazer terapia. Estava sendo muito difícil para ele dar continuidade na terapia, porque ele não conseguia compreender o que a terapeuta dizia. Quando ela perguntava como ele estava, respondia automaticamente que estava bem. E quando ela perguntava o que ele estava sentindo, ele dizia que não sentia nada. Ele havia perdido a capacidade de sentir.
É um estado de anestesia que acomete, sem exageros, a maior parte dos homens.
Uma sociedade de homens que não sentem
O que acontece então coletivamente quando tantos homens vivem dessa mesma maneira, desconectados da sua capacidade de sentir? No meu entendimento, quanto maior a capacidade de sentir, maior a capacidade de ter empatia. Quando se desconecta dessa percepção, a anestesia toma conta das relações. Consequentemente, a indiferença aumenta.
Quando uma pessoa tem grande empatia, ela consegue sentir mais a dor de outra. Ao passo que enquanto está anestesiada, não se importa tanto.
Talvez isso explique porque vivemos numa sociedade de tantas injustiças sociais e com tanta desigualdade. Sabemos que vivemos numa estrutura patriarcal, onde os homens ocupam os principais cargos de lideranças das empresas e das instituições. E se a maior parte destes homens vivem sem a permissão para sentir, certamente, vivem num estado de mais indiferença em relação aos problemas dos outros. E é por isso que tão pouco é feito para que as coisas mudem de verdade.
Mudar de dentro para fora
É seguindo essa lógica que acredito na necessidade da transformação interna nos homens e na mudança de cultura de masculinidades. Enquanto seguirmos replicando essa ideia de que o homem que sente é mais frágil e de que é mais homem aquele que não tem contato com suas emoções, seguiremos educando os meninos para crescerem assim e sustentando a estrutura em vigência.
Mas se começarmos a mudar a forma como cada homem lida consigo mesmo, abrindo espaço para a vulnerabilidade, ensinando a importância de sentir, quase que de forma automática, vamos ter homens em cargos de liderança com mais empatia e que desenvolvem uma capacidade maior de sentir muito o que acontece com o outro.
Como você acha que seria uma sociedade com homens que realmente “sentissem muito”? Como seria o mundo se a capacidade de sentir fosse expandida? Será que teríamos os mesmos problemas no mundo? Eu acredito que seria diferente.
GUSTAVO TANAKA, escritor e fundador do Brotherhood. Escreve mensalmente numa coluna da Revista Vida Simples e compartilha histórias de masculinidade quinzenalmente nesta coluna, junto com os amigos de caminhada nesses estudos sobre masculinidades.
*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.
Os comentários são exclusivos para assinantes da Vida Simples.
Já é assinante? Faça login