Ficar triste é normal, mas sofrer é opcional
Algumas dores são um palco. Não porque não sejam reais, mas porque precisam ser vistas

Algumas dores são um palco. Não porque não sejam reais, mas porque precisam ser vistas. Crianças e adolescentes não vivem a tristeza em silêncio, contida, discreta. Eles se jogam no sofá, fazem cara de quem foi injustiçado pelo universo, suspiram longamente como se carregassem o peso de mil tragédias nas costas.
E é assim que precisa ser. O silêncio é que seria preocupante.
Porque para nós, que já passamos por tantas pequenas derrotas e sobrevivemos a todas, perder no videogame parece um detalhe. Mas, para um pré-adolescente, é como se tivessem arrancado seu último pedaço de dignidade.
Para um adolescente, não ser convidado para uma festa pode parecer uma falha irreparável na existência. Para uma criança, um brinquedo quebrado pode ser a primeira experiência concreta com a ideia de que as coisas terminam, se perdem, acabam.
O que fazemos com essa dor? Mandamos engolir? Ignoramos? Explicamos, com a serenidade de um adulto que já viu de tudo, que isso não é nada?
Ou ajudamos a dar forma, sentido e, mais importante, um desfecho para ela?
Dizer que ‘isso passa’ não adianta (mas mostrar que passa, sim)
O Budismo de Nichiren ensina que cada dificuldade pode ser um trampolim para a felicidade. Mas, ninguém nasce sabendo pular.
A gente aprende a andar porque tentamos, caímos, choramos e tentamos de novo. E ninguém jamais vira para um bebê tropeçando e diz: “melhor desistir, engatinhar é mais seguro”. A gente torce, incentiva, comemora cada passo. Mas, conforme crescemos, as quedas emocionais começam a ser tratadas de outra forma. A gente para de ouvir “tenta de novo, você consegue”, e começa a ouvir “isso não é nada, supera”.
A dor, então, vira algo para esconder. Mas esconder não ensina.
Ensinar resiliência não é dizer que a dor não existe. É mostrar que ela tem um tempo de vida. Que tristeza é um lugar por onde se passa, não onde se mora.
Ouvir, em vez de corrigir
Se uma criança chega chorando porque um amigo não quis brincar e nossa resposta automática é “besteira, brinca com outro”, o que ensinamos? Que seus sentimentos são exagero. Que não há espaço para a dor.
Mas se olhamos nos olhos e dizemos “puxa, parece que isso machucou você”, damos nome ao que ela sente. Criamos um espaço onde emoções podem existir sem se tornarem definitivas.
Se um adolescente tira uma nota ruim e, ao invés de “precisa estudar mais”, ouve um “o que você acha que poderia ter feito diferente?”, ele aprende que erros não são o fim, mas o começo de algo novo.
Dor sem nome vira sofrimento. Dor reconhecida vira aprendizado.
A gente ensina mais pelo que faz do que pelo que diz
Não adianta discursar sobre resiliência se a cada frustração nós mesmos explodimos. Se gritamos no trânsito porque estamos atrasados. Se reclamamos de tudo. Se tratamos os próprios problemas como um peso insuportável.
Crianças e adolescentes observam. Eles absorvem. E se crescerem vendo que qualquer tropeço é um drama, vão acreditar que todo problema é o fim do mundo.
Mas se nos virem dizendo “poxa, isso foi difícil, mas vou resolver”, aprendem que cair faz parte. Se nos virem frustrados, mas tentando de novo, entendem que frustração não paralisa. Se nos virem tristes, mas ainda encontrando espaço para rir de alguma coisa no meio do caos, percebem que a dor não precisa engolir tudo.
A vida acontece entre a cobrança e a presença
Quantas vezes interrompemos uma conversa para pedir algo?
Quantas vezes, enquanto eles contam uma história qualquer, estamos mais preocupados em dar uma lição do que em realmente ouvir?
Quantas vezes passamos mais tempo tentando ensinar do que simplesmente estando ali, disponíveis, curiosos sobre o que eles sentem, fazem, gostam?
Ficamos presentes, ausentes. O corpo ali, a escuta longe. E depois nos perguntamos por que eles nos respondem com monossílabos.
Talvez ensinar resiliência não seja sobre discursos motivacionais ou fórmulas prontas. Talvez seja só sobre lembrar que estar junto, de verdade, faz a dor pesar menos. Que um filho que aprende que sua tristeza importa também aprende que ela não precisa durar para sempre. Que cair não define ninguém.
E que, um dia, quando acharem que tudo desabou, vão saber que têm para onde voltar. E que é ali, no espaço seguro do nosso olhar, que vão descobrir que são muito mais fortes do que pensavam.
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