A vida não é retornável
Sobre o tempo, este bem tão escasso quanto precioso

Visualize comigo uma ampulheta de vidro.
Tem coragem? Vire-a.
Note que da parte de cima escorre uma areia seca que vai se acumulando na base. Grossa. Imparcial. Na batida da gravidade. Artificialmente colorida. Vê?
De grão em grão, a vida escoa em forma de minutos.
Foi nessa imagem que pensei quando pedi demissão de um ótimo emprego que me afastava de mim mesma. E também durante o funeral do meu pai, quando percebi que a luta contra o câncer também mata um pouco dos que ficam. Ou quando me tornei mãe e decidi que não poderia morrer nunca mais. E, até mesmo, uma noite dessas em que deitei no chão da varanda procurando estrelas e – para a minha surpresa – ainda estavam por lá. Ah, e agora há pouco, quando me presenteei com um prato carregado de memórias afetivas de minha avó: banana da terra frita na manteiga com canela, acompanhada de um
cafezinho preto daqueles de queimar a língua.
Em que momento o essencial perdeu prioridade? Aliás, o que é mesmo essencial?
Sustentabilidade como filtro para a vida
Minuto passou, plim, já era. Mais um. E outro.
Os momentos bem que poderiam ser recicláveis. Viveu um dia de merda? Descarga nele. Instantaneamente, surgiria um novinho para ser desfrutado. Lindo, não?
Em que você tem investido o tempo que vaza de sua ampulheta?
Por aqui, percebo que já gastei inúmeros minutos comprando itens desnecessários para suprir a falta de mim mesma na agenda. Passei horas incontáveis deslizando minhas expectativas na tela do celular. Perdi dias inteiros ausente de mim mesma durante banhos funcionais. Desperdicei anos empregando energia em empresas que alimentam o mundo desigual que deixarei como herança para meus filhos. E já vivi décadas inconscientes achando tudo isso aceitável.
O produto dessa equação é perigoso, quando acrescentamos ao mundo tirando de nós mesmos. A cultura da eficiência, do protagonismo e da proatividade movimenta também outro tipo de economia – a emocional.
Quanto sobra? E para quem?
Fazer escolhas que priorizem nossa inteireza é o primeiro passo para uma jornada sem (tanto) sofrimento psíquico. É claro, há o que não controlamos. Mas, que tal tomar as rédeas do que está ao nosso alcance?
Práticas para uma vida mais sustentável
1. Seja uma prioridade em sua rotina
Quando me priorizo na agenda em vez de ficar com “restos”estou comunicando a mim – e também aos demais – que sou importante, que minhas demandas também são dignas de atenção. Mais nutrição emocional, mais colo de amiga, mais horas de sono, mais exames em dia.
2. Desligue-se do celular
Quem deveria desligar somos nós, não necessariamente o celular. A tecnologia é instrumento fundamental da vida moderna, sim, mas não precisa ser também o buraco negro do nosso cansaço, refúgio para onde corremos para nos desconectar da frustração. Mais presença, mais atenção ao sabor dos alimentos, mais olho no olho, mais liberdade para as mãos.
3. Lave os cabelos e repita a operação
O banho é um momento precioso para eliminar tensões – e não apenas micróbios. Molhar os cabelos, deixar o vapor do chuveiro quente passear pelos pulmões, aceitar o prazer da água que escorre, tudo isso nos traz imediatamente para o agora. Mais consciência, mais automassagem, mais respirações profundas, mais fluidez.
4. Permita-se amar
Invista energia em demonstrar amor a quem você ama – filhos, afetos, familiares ou quaisquer outros sujeitos. Quando vivemos no automático, em vez de acolher e validar quem são, repassamos a quem está próximo as cobranças que o sistema produtivo nos faz. Mais atenção, mais chameguinho, mais bilhete à mão, mais bobeira.
5. Honre sua limitação
Fomos ensinados a resolver problemas, eu sei. Acontece que reconhecer nossas limitações abre espaço para crescermos com interações que precisam de liberdade para ultrapassar os muros da nossa prepotência. Mais vulnerabilidade, mais incertezas, mais contradição, mais humanidade.
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