A ousadia (ou tolice) de tentar fazer diferente
Quando a gente se imagina num lugar e não quer mais voltar dali, talvez seja motivo suficiente para abandonar onde estamos.
Fincar raízes numa cidade, ter um lar fixo, trabalhar no mesmo cargo e frequentar sempre o mesmo ambiente social. Era assim que eu vivia há 10 anos. Mas num breve instante, decidi fazer tudo ao contrário. Fiz bem ou fiz besteira?
Pra responder essa pergunta, há quem diga que é preciso saber se as consequências desta mudança foram positivas ou negativas. Será mesmo? Na obsessão de querer qualificar somente o resultado das nossas atitudes, a gente acaba por desprezar o precioso valor das tentativas. E tentar também é conquista.
Então, resolvi escrever este texto não para falar sobre onde minha história chega, mas sobre o que tentar fazer diferente fez comigo, independente do desfecho.
Por que decidi mudar?
Foi um misto de inquietação com curiosidade. Não é assim que descobrimos muitas coisas? Naquele tempo, eu trabalhava dirigindo séries e programas para canais de TV. E mesmo apaixonado pelo que eu fazia, me deparava frequentemente com o dilema de trabalhar naquela segmentada cadeia produtiva ou de desbravar uma carreira independente e autônoma, artística e editorialmente falando.
E aí, ao ter a ideia de realizar uma série para filmar 80 videoclipes pelo mundo com minha esposa, a Diana, não me restaram dúvidas sobre a necessidade da mudança. Porque quando a gente se imagina num lugar e já não quer mais voltar dali, significa que já temos tudo o que precisamos para abandonar onde estamos. Desde então, estou há 8 anos vivendo como nômade, sendo artista independente e me relacionando com comunidades distintas pelo planeta.
Na zona do desconforto
Ao deixar de viver aquela realidade e rotina com a qual eu estava habituado, me coloquei num território desconhecido, sem saber onde pisava e o que eu iria encontrar. Um lugar onde tudo era incerto. Como eu ganharia dinheiro, eu me adaptaria a mudar de casa constantemente, como criar e cultivar relações do zero? Eram incertezas daquele momento.
E lidar com a falta de certezas nos desestabiliza porque faz parte do nosso espírito de sobrevivência ter garantias e evidências de que não estaremos vulneráveis ou inseguros. Quem é que gosta de correr riscos? Fazer algo diferente do que fazemos – ou diferente do que as pessoas ao nosso redor fazem – sempre vai, inevitavelmente, nos arremessar para dentro desta zona de desconforto.
Mas olha que paradoxo! Foi justamente ao ocupar um contexto de completa imprevisibilidade que desmistifiquei a necessidade suprema pela solidez e estabilidade. Isso porque foi ao estar exposto a adversidades, que tive a oportunidade de eliminá-las.
Sem problemas não há espaço para soluções. Passei a ver virtude na resolução de problemas porque resolvê-los me fortalecia e me mostrava que eu tinha capacidades. E quanto mais soluciono, mais me sinto seguro e hábil para lidar com eles. Mesmo quando não os resolvo por completo.
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Fazer diferente não tem nada a ver com fazer certo ou errado
Quando passei a viver sem casa fixa, não conhecia ninguém vivendo assim. Quando deixei de estar empregado para ser autônomo, estava fazendo o caminho contrário de amigos e amigas. Eu estava equivocado por fazer diferente?
Quanto mais uniforme e estandardizado é o modo de vida das pessoas em nosso círculo social, menos predispostos a fazer diferente estaremos. Parece até que estamos quebrando um código moral e ético ao querer o que quase ninguém quer. Isso porque a gente tende a emular os hábitos e costumes do contexto em que vivemos.
Se todo mundo em nosso bairro anda descalço aos domingos, assim o faríamos. Se ninguém usa carro para ir trabalhar às quartas, a gente faria sem questionar. Se todos trabalham aos domingos, folgaríamos na sexta. Não são comportamentos necessariamente certos ou melhores. São apenas, seguramente, mais cômodos de adotar.
Para tentar fazer diferente, precisei romper com o fluxo automatizado da vida e com o modelo da comunidade à qual eu pertencia. Por isso, tentar fazer diferente é sempre a busca por uma revolução. É ter a intenção de provocar mudanças notáveis e profundas, independentemente de qual tenha sido o gatilho para isso – descontentamento, incompatibilidade, intuição, desejo, etc.
E quando buscamos por mudanças de vida, por mais forte que seja a expectativa de melhoria, a tentativa por si só já é a própria recompensa. É a dádiva de saber que podemos ser diferentes. E poder é muita coisa.
A reinvenção de si
Dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço, diz o princípio da impenetrabilidade na Física. É o equivalente a dizer que o mesmo corpo não ocupa dois lugares ao mesmo tempo no espaço.
Uma vez que tentamos mudar, deixamos de ocupar o lugar estático e inerte do “curso natural” da vida – aquele em que somos guiados e não guias – para ocupar o lugar em que nossas histórias podem ter possibilidades. Descobrir isso é uma revelação sem volta. E firmar os pés neste lugar nos transforma.
Primeiro porque é ao tentar e falhar que ganhamos consciência de defeitos, carências e fraquezas, e com elas a oportunidade de aprimoramento. E segundo porque é ao tentar e lograr que desenvolvemos autoconfiança, entusiasmo e determinação.
Há 10 anos, tentei fazer diferente e ganhei a chance de descobrir, não quem sou, mas quem eu posso ser. Fiz bem ou fiz besteira?
LEO LONGO vive na estrada filmando séries. Artista e ativista do minimalismo, compõe o duo Couple of Things ao lado de Diana Boccara, com quem escreveu o livro “Mínimo Essencial”. Suas séries estão disponíveis em plataformas como Amazon Prime Video e Globoplay. Aqui na Vida Simples, o duo escreve sobre como a Arte e a vida nômade e minimalista revolucionam sua percepção de mundo.
*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.
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