“Esta família é muito unida, e também muito ouriçada. Brigam por qualquer razão”, cantou Dudu Nobre em 2001. A dinâmica retratada na música “A Grande Família” é a realidade de muitos grupos familiares. Afinal, as brigas fazem parte da rotina de se viver em uma família.
Mas, com a constância de conflitos, pode surgir a dúvida: até onde é normal haver desentendimentos? Discordâncias podem ser normais e até naturais em um grupo, inclusive em uma família. O importante é saber quando alguém não está ultrapassando nossos limites.
O que são pessoas difíceis em uma família?
Em famílias podem existir pessoas que parecem mais difíceis de lidar. Antes de encarar esses relacionamentos, é importante refletir sobre quais motivos dificultam a comunicação ou o comportamento daquela pessoa.
De acordo com Karin, psicóloga com abordagem histórico-cultural, na psicologia é sempre analisado o contexto que constitui as queixas que chegam até as clínicas.
“Por isso, a primeira questão que me passa é sobre quem seriam estas pessoas difíceis e porque elas são consideradas assim. Nossos conflitos com estas “personalidades difíceis” podem estar relacionados com nosso modo e condições de vida”, explica.
Segundo a profissional, quando consideramos as relações de gênero, classe e raça no Brasil, existem diversos motivos para que mulheres sejam consideradas “pessoas difíceis”. E eles dependem de quem está fazendo essa queixa.
“Da mesma forma, ao pensar em diferentes faixas etárias, por exemplo, o estresse pode resultar em comportamentos considerados socialmente difíceis, mas que denunciam uma vulnerabilidade ou até um pedido de ajuda que não está sendo comunicado de forma direta”, explica.
Quando falta o respeito, a família precisa mudar junta
Para além das questões sociais que podem interferir nos comportamentos, pessoas consideradas com personalidade difícil podem ser as que não respeitam ou têm dificuldades em respeitar o espaço da outra pessoa, como explica Karin Silva.
“Quando se trata disso, é preciso que as pessoas que se sentem lesadas insistam e deixem nítido quais são as necessidades pessoais que não podem ser negligenciadas na relação”, orienta a psicóloga.
Além disso, ela sugere que a pessoa esteja pronta para pedir ajuda de um profissional externo, como assistência social e psicologia. “Nem tudo que é do âmbito privado da família é gerado somente nela. E não é demérito ou fracasso da família reconhecer isso e pedir ajuda”, complementa Karin.
Afinal, quais são nossos limites familiares?
Os limites saudáveis se referem à pessoa que está colocando esse limite. Quem explica isso é a psicóloga Karoline Oliveira, especialista em Teoria Cognitivo-Comportamental pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e Artmed.
“A família é um grupo que tem suas próprias regras, seus valores, e um padrão de funcionamento. Só que, muitas vezes, esse padrão não é funcional, porque existem algumas personalidades difíceis. Pessoas difíceis, nesse contexto, é no sentido de que suas ações podem afetar negativamente a nossa própria saúde”, explica a profissional.
Para Karoline, o autoconhecimento é essencial na hora de impor nossos limites em um relacionamento. É preciso entender quais são os gatilhos que essa pessoa provoca, e de onde vem esse incômodo.
“A gente não vai criar estratégias para moldar a outra pessoa, e sim para negociar os seus limites que temos uns com os outros. Mas, para que eu coloque esses limites na relação, eu preciso entender que limites são esses”, afirma a psicóloga.
Como ter conversas com pessoas difíceis da família
Para Karin, utilizar a comunicação não-violenta, focando na exposição de necessidades, pode ser uma boa forma de conversar sobre conflitos em família. “Ao envolver estas pessoas na resolução dos problemas, focando na melhoria das condições para todos, tendemos a tirar do âmbito pessoal demandas que são da convivência de toda a família”, justifica.
Além disso, para Karoline é preciso saber se essa conversa será construtiva. “Às vezes a gente se posiciona como se tivéssemos 100% de responsabilidade um diálogo, como se só a nossa ação fosse resolver tudo. Mas não tem como. Em um relacionamento, todas as pessoas envolvidas são responsáveis por construir ou destruir algo”, explica a psicóloga.
O respeito ao espaço e à individualidade
Para lidar com relacionamentos familiares, cada um deve saber e expressar seus limites e necessidades emocionais. Dessa forma, a psicóloga Karin explica que conseguimos refletir melhor sobre em que pontos contribuímos para que as pessoas tenham comportamentos que nos desagradam.
“Por isso, também penso ser importante avaliar com cautela o grau de conflito que temos com as pessoas que nos desagradam, e se os comportamentos que enxergamos como difíceis têm a ver conosco diretamente, ou se é um modo diferente dessas pessoas lidarem com a vida. Muitas vezes a dificuldade é apenas porque a pessoa age de maneira diferente de como agiríamos”, reflete a profissional.
Se a pessoa não muda, então como lidar?
No livro Sem Drama, de Nedra Glover Tawwab, a terapeuta e assistente social explica que precisamos entender que não devemos focar em mudar as pessoas.
“A aceitação não é algo fácil, mas deixa a vida mais tranquila. Quando a solução é ‘eles precisam mudar’, o problema nunca terá solução”, ela escreve em um dos capítulos.
Para a autora, estabelecer limites também consiste em saber como reagir e responder às ações de outros familiares. “Quando as pessoas são, inevitavelmente, quem elas são, tudo o que você pode mudar é a sua maneira de reagir à ação alheia”, reflete a terapeuta.
Em seu livro, a autora sugere três perguntas para se fazer em conflitos familiares:
- O que você já tentou mudar em um parente?
- O que você precisa mudar em como lida com certos comportamentos problemáticos?
- O que você é capaz de controlar em um relacionamento?
Para mais dicas, é possível comprar o livro Sem Drama: Um Guia Para Gerir Relacionamentos Familiares Pouco Saudáveis pelo site da Intrínseca.
Você pode gostar de
– Briga entre irmãos: por que são tão comuns?
– Como discordar em uma conversa sem transformá-la em briga
– 5 conselhos úteis para conversas difíceis em um relacionamento
Os comentários são exclusivos para assinantes da Vida Simples.
Já é assinante? Faça login