Percorrendo caminhos em busca de maneiras para acolher os dias nublados, aqueles em que nos falta ânimo e energia, descobrimos que, antes de encontrar formas de lidar com os sentimentos dolorosos, precisamos reconhecer que eles existem. Mas, se nós, que temos domínio da linguagem e acumulamos experiências diversas, temos dificuldades em identificar o que estamos sentindo, imagine os que estão no começo da vida. Caímos no erro de acreditar que essas questões são exclusivas da vida adulta, quando, na verdade, tristeza, frustração e raiva são comuns a pessoas de todas as idades, especialmente nas crianças.
Clara Freitas, especialista em disciplina positiva e mãe do Gabriel, de quase dois anos, trabalha auxiliando famílias a colocar em prática o que ela chama de educação empática, aquela que reconhece a criança como um ser único, que precisa ser ouvido, acolhido e respeitado. À Vida Simples, ela fala sobre como podemos conversar com os pequenos sobre o que não é visto, mas sentido, e o porquê é essencial fazê-lo.
Por que é importante falar sobre sentimentos com as crianças?
Assim como elas precisam aprender sobre o mundo físico, nós devemos instrui-las quanto ao seu universo interior. E não só o delas próprias, como também o das outras pessoas ao seu redor. Apresentar as emoções para os nossos filhos fará com que eles tenham repertório para entender o que se passa dentro deles e o que acontece com seus colegas – e isso ajudará na resolução de conflitos, na tomada de decisões e na construção de novos relacionamentos.
E como conversar sobre questões emocionais?
A melhor forma de ensinar sobre sentimentos para as crianças é no dia a dia, em meio à rotina. Não precisa separar um momento específico para isso, como “hoje vamos falar sobre alegria”. Desde recém-nascidos, podemos ter essas conversas, explicando que determinado choro é medo ou dor, por exemplo. Um outro ponto relevante é, enquanto adultos, praticarmos a honestidade emocional, dizendo para as crianças como nos sentimos. Quando estivermos irritados, podemos dizer “não estou bem agora, filho. Estou irritada. Preciso de um tempo”. Assim, os pequenos aprenderão a identificar e a respeitar as emoções alheias. É claro que deve haver certo cuidado para não explodir com a criança e transferir a ela a responsabilidade pelo que estamos sentindo – afinal, os adultos somos nós.
Existem diferenças na abordagem de sentimentos tidos por positivos, como amor, alegria e entusiasmo, e dos considerados negativos. como raiva, frustração e tristeza?
Não acredito nisso. Todos os sentimentos são importantes e têm algo a nos dizer. Vamos pensar na raiva. Ela aparece quando algo não está legal ou quando estamos nos sentindo desrespeitados. A tristeza, por sua vez, traz certa introspecção, permitindo que nos acalmemos e voltemos nosso olhar para dentro de nós mesmos. Precisamos nomear todos eles para as crianças, sem classificá-los como bons ou ruins. O que pode ser negativo é o comportamento que temos diante de uma emoção, como bater quando estamos raivosos, mas nunca a emoção em si. Por isso devemos, além de dar nome àquilo que pulsa na gente, é preciso mostrar aos pequenos como elas podem expressar esses incômodos de maneira sadia.
Enquanto pais ou responsáveis, qual conduta deve ser evitada com as crianças?
Sabe aquela história de incentivar seu filho a fazer carinho ou dar um abraço quando está bravo com alguém? Talvez essa não seja a melhor opção. Você, um adulto, gostaria que, no ápice da frustração, te proibissem de externalizar a raiva e, ao invés disso, mandassem que fizesse carinho em quem te magoou? A questão é ensinar a maneira de manifestar esses sentimentos. No caso da raiva, é inadmissível bater em alguém, mas a criança pode dar um grito em uma almofada ou amassar uma folha de papel, por exemplo.
Voltando à tristeza. Como trabalhá-la com a criança de modo que ela não evite situações que possam trazer este sentimento à tona?
Quando se trata de emoções, o mais importante é o equilíbrio. A tristeza em excesso pode levar à depressão e à desistência, mas a falta da tristeza pode ser tão negativa quanto. Por isso, evite falar coisas como “não precisa ficar triste. Está tudo bem”, mas também não maximize a tristeza, dando o foco maior do que ela merece. Respeite o tempo e o momento do seu filho. Diga que entende que ele está triste e que você está ali pronta para conversar. Depois que passar a emoção intensa, busque o diálogo. Esteja aberto à verdadeira escuta. Pergunte como ele se sentiu, se sabe dizer o que o deixou assim e o que poderia ser feito para evitar que tal situação aconteça novamente. Se possível, compartilhe uma história sua de superação, de um momento em que você sentiu que a tristeza bateu à porta e como fez para lidar com ela. Quando nos colocamos no mesmo nível de dignidade da criança, ela percebe que também é capaz.
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