A paternidade sempre foi o sonho de Gustavo Sicchieti, 34, e ela chegou em dose tripla para o morador da cidade de São Paulo. Pai dos trigêmeos Bernardo, Benício e Lucas, os filhos foram diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA), conhecido como autismo. Embora a notícia tenha provocado uma reviravolta nos planos e expectativas do casal, a paternidade atípica trouxe muito mais possibilidades de proporcionar um ambiente empático e acolhedor aos filhos.
Gustavo resume que a palavra que representa esse momento é “adaptação“, isso porque o diagnóstico dos filhos, apesar de terem a mesma idade, veio em períodos diferentes. “Num primeiro momento, quando tivemos o diagnóstico do Bernardo, foi um choque para toda a família”, explica. As respostas da família também surgiram em diferentes frentes. A sogra, impactada com a notícia, levou um tempo até conseguir digerir tudo que acontecia. Já a esposa de Gustavo corria em busca de todas as informações e estudos que trouxessem respostas para o TEA.
“Durante os dois primeiros anos de diagnóstico eu tive que ser um meio termo de conforto para a minha sogra, ao mesmo tempo em que absorvia, por meio da minha esposa, o conhecimento necessário”, explica. Apesar disso, não foi tão simples para Gustavo, que no início também se frustrou com o diagnóstico. “Com o passar do tempo nós fomos aprendendo seus jeitos, seus gostos e a valorizar cada conquista que eles alcançavam“, destaca.
Autoestima e independência em crianças com autismo
Embora a paternidade atípica possa trazer medos ou vontade de proteção acima do comum, fomentar a independência dos filhos é essencial. Para a neuropsicóloga e diretora do Autonomia Instituto Bárbara Calmeto, modelar comportamentos sociais positivos e demonstrar interações construtivas e respeitosas é fundamental. “Além disso, envolver a criança em grupos de apoio ou atividades com interesses compartilhados cria oportunidades para interações enriquecedoras”, explica.
Pode ser que no início tudo seja um desafio, e é de fato, já que é algo novo e nunca antes vivenciado por um casal ou cuidador na maioria das vezes. Por isso, a necessidade de proteção está sempre presente e o medo da criança sofrer algum tipo de preconceito é recorrente. No entanto, segundo a neuropsicóloga, alguns caminhos podem ser adotados para estimular a independência nas crianças, como:
- Personalizar o apoio às habilidades e desafios únicos da criança;
- Incentivar interações sociais, respeitando o espaço necessário;
- Estabelecer metas realistas para promover a autonomia;
- Oferecer apoio sensível, permitindo que a criança resolva desafios;
- Incluir a criança em atividades sociais e educacionais apropriadas;
- Identificar e incentivar os pontos fortes da criança;
- Buscar orientação de profissionais especializados quando necessário.
Reconhecer a paternidade atípica
Mesmo que o sonho de Gustavo tenha ganhado o acréscimo da paternidade atípica, aprender junto com os filhos e desenvolver atividades e habilidades que possibilitem maior autonomia das crianças é algo que o motiva. Por outro lado, não se pode negar os efeitos negativos que o preconceito ou episódios de bullying podem trazer às crianças e à família. “Eventualmente, quando os meninos sofrem por episódios como esses, nós buscamos sempre tentar conscientizar os envolvidos ou agregar os nossos filhos nas brincadeiras e atividades”, explica Gustavo.
Buscar a resolução desse problema, segundo ele, passa por conscientizar e educar a sociedade, além de ampliar ações afirmativas que possam promover a inclusão de pessoas atípicas. Enquanto isso caminha, os pais podem ser agentes ativos de mobilização e articulação para que as escolas e outros ambientes estejam de fato preparados.
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Autismo e inteligência emocional
Focar nos interesses das crianças e buscar com que isso seja um elo para uma comunicação interpessoal com os outros é um passo que contribui para a socialização, explica Bárbara Calmeto. “Além disso, ensinar estratégias de resolução de conflitos e manejo de emoções ajuda a criança a desenvolver relacionamentos saudáveis e duradouros”, complementa.
As atividades podem surgir a partir de diferentes abordagens, entre elas, a promoção da empatia e a adoção de uma comunicação ativa. Os pais podem instigar a criança a compreender as perspectivas dos outros, além de introduzir, aos poucos, interações sociais, das mais simples às mais complexas.
Não se pode esquecer, é claro, de proporcionar espaços de diálogo e acolhimento. “Isso permite que eles expressem suas preocupações, compartilhem experiências e recebam apoio emocional”, destaca Bárbara Calmeto.
Como promover a autoconfiança em crianças atípicas
Crianças atípicas podem crescer inseguras, embora essas questões possam ser debatidas na família ao longo do desenvolvimento infantil. “É crucial fornecer reconhecimento positivo por suas conquistas e esforços. Encorajar a exploração de seus interesses pessoais ajuda a desenvolver uma sensação de propósito e realização”, defende a neuropsicóloga.
Além disso, ela destaca algumas abordagens que podem fazer parte do cotidiano familiar:
- Promover aceitação incondicional e valorização da individualidade fortalece a autoimagem positiva;
- Permitir que a criança tome decisões;
- Reforçar o autoconhecimento;
- Oferecer apoio à saúde mental e compartilhar histórias inspiradoras.
Nesses momentos, segundo a especialista, é muito importante também respeitar os limites das crianças. Embora diversas estratégias possam ser úteis, é fundamental avaliar se elas estão confortáveis. “Ao dar feedback construtivo, os pais podem reforçar comportamentos sociais bem-sucedidos, incentivando a confiança da criança”, finaliza.
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