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De onde vem o preconceito contra as doenças mentais?
Melanie Wasser | Unsplash
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“Deve ser um engano”. Foi o que pensei quando fui diagnosticada com Transtorno de Ansiedade e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Lembro que saí do consultório meio rindo, meio atônita. Entrei em negação. Como assim eu tenho problemas mentais?

Hoje entendo que tinha medo do diagnóstico por dois motivos: ‘ter que aceitar’ que estava ficando louca e um sentimento que não sei explicar muito bem, mas algo como uma culpa por ser daquele jeito. Quase como se fosse uma falha de caráter.

Seja por vergonha, medo de enlouquecer ou de ficar dependente de algum medicamento ou tratamento, muitas pessoas ainda enxergam os distúrbios do cérebro de maneira bem diferente das doenças de outros órgãos. É a ideia de que, ao contrário do que acontece com um rim ou com um fígado, podemos controlar nossa mente. E, por isso, a responsabilidade da cura fosse nossa. Mas, não é.

É o que explica o médico Robert Bright, psiquiatra da Mayo Clinic, que fica em Scottsdale, Arizona, EUA. “Esse preconceito não acontece com quem tem diabetes ou hipertensão. Na realidade, ninguém pode “simplesmente superar isso” ou “sair dessa” quando se trata de diabetes. Você não consegue se concentrar e fazer o seu pâncreas produzir mais insulina”, comenta. De acordo com o psiquiatra, o mesmo se aplica aos desequilíbrios químicos que estão no cérebro e que levam a transtornos de humor e ansiedade e outros tipos de doenças mentais.

Quando o preconceito vem de quem tem o problema

Eu levei um mês para aceitar a realidade e começar o tratamento que melhorou muito minha qualidade de vida. E negar o problema, obviamente, só atrapalha. Uma barreira significativa para buscar tratamento ou tomar medicamentos é este estigma existente contra a doença mental em geral. As pessoas consideram que aqueles que precisam de ajuda são, de alguma forma “fracos”. E alguns pensam assim de si mesmos e acham que deveriam ser capazes de superar suas lutas por conta própria.

Foi assim com o personal trainer Gibran Lahoud. Diagnosticado com depressão há alguns anos, ele conta que no começo foi difícil aceitar. “As pessoas me perguntavam se eu estava bem e precisava de alguma ajuda. Sempre dizia que não, mesmo nos momentos mais críticos, em que eu estava realmente mal. Primeiro, porque não queria admitir que tinha depressão. E porque não queria que me vissem como uma pessoa doente, como um coitado”, comenta. Foram meses até que Gibran finalmente procurasse tratamento médico.

Não preciso de ajuda

Essa reação é mais comum que se imagina, comenta o psiquiatra. “Essas são doenças de desequilíbrio da química do cérebro e ter esses problemas não significa que alguém seja de alguma forma “fraco”, diz.

Para a jornalista Camila Tsubauchi, diagnosticada com depressão e ansiedade, o preconceito contra as doenças mentais teve que ser desconstruído, primeiro, dentro dela. “Sempre ouvi que depressão era doença de gente rica, que eu não estava com depressão, que era só cansaço, que eu precisava aprender a controlar meus sentimentos sozinha…”

Até que um dia ela percebeu que precisava de ajuda. “Trabalho há vários anos com assessoria de imprensa para clientes do mercado de saúde, e acabei conversando com vários médicos, psiquiatras, psicólogas. Uma dessas pessoas me disse que a depressão é um desequilíbrio químico no cérebro e, dependendo do estágio, precisa de medicação para regular ou estabilizar, não é só ter força de vontade”.

Remédio: tomar ou não tomar?

Depois de admitir o diagnóstico e aceitar que precisava de ajuda, Camila se viu diante de outro problema: o medicamento. “Eu ficava me comparando: tal pessoa toma remédio e é muito desequilibrada, eu não sou assim. Então não tem porquê eu tomar”, diz. “Além disso, eu também tinha medo de nunca mais conseguir parar de tomar remédio e cada vez mais precisar tomar remédios mais fortes”, comenta.

Sobre isso,  Robert Bright é taxativo. “O objetivo dos medicamentos não é mudar a personalidade da pessoa ou sedá-la e torná-la emocionalmente entorpecida ou sem emoção, mas, em vez disso, reduzir ou eliminar seus sintomas e restaurá-los de volta ao “velho eu”, antes de lutarem contra a depressão, ansiedade ou outros sintomas.

O psiquiatra pondera que, de fato, alguns medicamentos têm potencial para causar dependência, mas a maioria não. “Agora temos décadas de experiência com medicamentos que são muito eficazes e seguros no tratamento de distúrbios de humor, ansiedade, sono e sintomas mais graves que podem incluir alucinações e pensamentos delirantes (crenças de que as coisas não são baseadas na realidade)”, revela o psiquiatra.

Quando o diagnóstico vem antes da maturidade?

No meu caso, no da Camila e do Gibran, todos tivemos o diagnóstico depois de adultos. E, mesmo assim, foi necessário um tempo para assimilar a realidade, entender — e aceitar — o problema. Mas como lidar com a vergonha e o preconceito quando esse diagnóstico vem na adolescência?

Foi assim com a estudante Luana Amigo.  Aos 15 anos ela foi diagnosticada com transtorno de personalidade borderline (TPB), que é um estado de saúde mental em que a pessoa tem comportamento instável e impulsivo nos relacionamentos interpessoais e na autoimagem, somados a alterações extremas de humor.

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Hoje, aos 27 anos, Luana consegue identificar as crises e já tem todo um protocolo de cuidados para evitar os sintomas. Ela tem um perfil no Instagram para conscientizar sobre o problema e acolher pessoas com o mesmo transtorno.

Ela conta que quando era mais nova tinha muita vergonha de falar sobre o borderline, mesmo com as amigas mais próximas. “Sempre que dormia na casa de uma delas ou quando elas vinham aqui em casa, tinha essa questão do remédio. Elas perguntavam para que servia e eu não me sentia a vontade para contar”, desabafa.

Falar sobre o borderline ainda é um terreno delicado para Luana, mas ela diz que a maturidade ajudou muito na aceitação e, consequentemente, no tratamento. “Antigamente eu sofria muito mais preconceito, me chamavam de doida, maluca, porque eu era “para frente”, falava demais e “tomava remédio”, revela.

E continua: “não tenho mais vergonha de falar do transtorno, mas em vários momentos ainda é muito difícil. Por exemplo, na pandemia engordei 17 quilos por causa do medicamento, mas tive que aceitar o psiquiatra dizendo que preciso continuar tomando”.

Para cada pessoa com um diagnóstico de distúrbio mental, Bright lembra que as doenças mentais são sérias e podem trazer risco de morte (suicídio, por exemplo), mas são tratáveis. “Encorajo as pessoas a procurar ajuda e encarar de frente a possibilidade de tomar um medicamento, caso seja prescrito por um médico. Eu encorajo as pessoas a não sofrerem em silêncio e a procurarem tratamento”, finaliza.

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