A escritora Marina Gonzalez, 64 anos, não esperava ouvir que a atividade que ela estava propondo “dava uma paz”. A constatação foi feita por uma criança de 11 anos em uma das oficinas de catrevagem que Marina ministra em escolas. O exercício em questão consistia em usar objetos, a princípio sem utilidade, para enfeitar letras de papelão. Ao final, os estudantes criaram peças únicas, totalmente idealizadas por eles.
A surpresa de Marina foi inicial, mas logo entendeu o que a criança estava sentindo e o porquê. Ela mesma mantém a catrevagem como prática pessoal desde criança. E entendeu, por meio de sua experiência e através das oficinas, que, de modo geral, as atividades manuais proporcionam momentos de bem-estar para as crianças.
“Há esse campo aberto para elas usarem a criatividade sem padrão, sem julgamento. É uma oportunidade de auto-expressão muito autêntica e isso traz bem-estar, relaxamento e elas se sentem bem consigo mesmas”, explica Marina, que também é autora do livro infantil Catrevagem.
Atividades manuais melhoram a saúde mental das crianças
A psicóloga Bianca Solléro explica que atividades manuais têm efeitos positivos na saúde mental das crianças porque ao brincar ou inventar novas coisas, elas estão processando acontecimentos e emoções. “Ela está liberando emoções que não puderam ser expressadas de outra maneira ou elaborando cenas que viu ou participou. Por isso, as atividades auxiliam no equilíbrio psicoemocional das crianças.”
Segundo Bianca, essa prática pode ajudar também as crianças a encontrarem recursos para enfrentar, discernir ou aceitar o que acontece com elas na vida real, o que é benéfico ao longo de toda a vida. “Elas tornam-se adultas mais aptas a enfrentar seus conflitos, discernir o que fazer diante de cenários desafiadores, ou mesmo aceitar o que está posto quando isso é realmente o mais saudável a fazer”, declara.
Desse modo, para ela, propor atividades que zelem pela saúde mental é uma forma de prevenção. Isso porque a criança consegue perceber a si e o entorno desde cedo. Além disso, ela poderá entender e criar os recursos relacionais necessários para ser uma pessoa sociável, produtiva e realizada.
Na proposta de usar objetos tidos como “sem serventia” ou “lixo” para auto expressão e fazer arte, como é o caso da prática de catrevagem, há ainda um teor mais significativo e profundo. “É muito importante as crianças terem essa consciência de que a gente também junta muito lixinho na cabeça, e que é muito legal a gente limpar desde cedo”, declara Marina.
Para ela, a prática de criar sem a pressão do julgamento, aliada com a possibilidade de refletir sobre si mesmo, é algo que traz liberdade. “Com isso, vida passa a acontecer de forma mais fácil, sem tanto sofrimento, sem tanta expectativa, com um pouco mais de leveza.”
Divirta-se com o seu filho
Não é preciso muito para iniciar atividades manuais com os filhos. É o que defende Marina. Segundo ela, a proposta é que todos se divirtam com essas atividades e estejam juntos, inclusive os pais. Além disso, não é preciso se preocupar em ter muito material ou criar peças muito elaboradas.
Para Estéfi Machado, criadora de conteúdo e designer, esses momentos são uma forma de se manter presente na vida dos filhos. “O brincar é a ferramenta mais poderosa de conexão entre pais e filhos. Afinal, a linguagem da criança é o brincar”, afirma. Estéfi conta que as crianças estão sempre brincando, mesmo ainda bebês. Já um pouco maiores, elas colocam suas percepções de mundo nas brincadeiras.
”Elas, mesmo sem falar, contam muita coisa durante o brincar. Quando você brinca com uma criança, você pode estar ali, observando na primeira fila, o que a sua criança tem dentro dela. Você está ali no camarote, na ala vip, assistindo de perto a intimidade daquela criança. Por isso essa conexão é tão importante”, declara.
Dicas para praticar atividades manuais com crianças
Estéfi defende ainda que pessoas interessadas em adotar essa prática devem começar devagar e ter cuidado com as expectativas para evitar frustrações. De início, ela recomenda ficar por 15 minutos completamente focada na criança. Com o tempo, é possível aumentar esse período.
Ela recomenda também ter em casa um cantinho onde se possa guardar objetos que podem ser usados para as atividades manuais. Tampinhas, um monte de rolinhos de papel higiênico, caixas de papelão e pedaços de tecido podem ser guardados em um local de fácil acesso, tanto para criança, quanto para o adulto. Segundo ela, isso pode ser até um atrativo para a própria criança começar essas atividades.
No caso da catrevagem, a necessidade de comprar materiais é menor ainda, uma vez que a proposta é usar objetos velhos, quebrados ou que não tem mais uso. No vídeo abaixo, Marina ensina os princípios dessa prática.
VOCÊ PODE GOSTAR
– Essa definição de criança saudável pode surpreender você
– Crianças merecem ter uma infância livre
– Veja ideias para equilibrar o uso de telas pelas crianças
Os comentários são exclusivos para assinantes da Vida Simples.
Já é assinante? Faça login