Especialistas contam os desafios para a educação no futuro
A tecnologia parece ser muito promissora para a educação, mas é preciso que ela seja empregada de forma a servir as pessoas. Como? Valorizando a educação e formando pessoas capazes de fazer uma leitura crítica do mundo em que vivemos
Nas lacunas de nossa memória, especialmente a da infância, há cenas que revisitamos sempre, ainda que não saibamos conscientemente o porquê. Entre as de que mais me recordo está a de minha mãe quase todos os dias sentada à mesa da sala sozinha, corrigindo provas, trabalhos ou desenvolvendo as aulas que daria nos próximos dias.
Professora do ensino fundamental e médio, lecionou Geografia em escolas estaduais por mais de 40 anos e sempre acreditou – e ainda acredita – que, tal como disse certa vez o educador Paulo Freire (1921-1997), “se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”.
Portanto, escrever um texto sobre o futuro da educação é impraticável sem pensar em minha mãe. E, também, em minhas três filhas, todas pequenas, a quem o futuro é mais certo do que a mim.
Assim como não é possível sem ter em mente todas as outras crianças e jovens que estão à mercê dos problemas estruturais da educação.
Problemas ampliados consideravelmente desde o início da pandemia até pelo menos 2021 neste país belo e colossal, contudo desigual e ainda desrespeitoso com seus cidadãos.
Com o fechamento temporário das escolas, as aulas remotas ou híbridas tornaram-se a única alternativa, sabendo-se, contudo, que nem todos têm a estrutura necessária para acessá-las de suas casas. Há quem pense que a presença da tecnologia digital é por si só o farol apontando o futuro.
Escolas vão mudar com o avanço tecnológico?
Mas será que a transformação necessária na educação nacional virá graças ao cloud computing? Graças aos aplicativos, às soluções digitais de leitura e aos bancos de dados globais de objetos de aprendizagem?
Adoraria dizer que sim, caro leitor, mas a resposta é não, como me enfatiza Fábio Gandour, médico e PhD em Ciências da Computação.
Para ele, a tecnologia só faz sentido se estiver a serviço das pessoas, e não pode ser a responsável por qualquer mudança educacional, mas apenas um suporte.
Pior ainda, na opinião de Gandour, que por 20 anos foi o cientista-chefe da IBM no Brasil, a inteligência artificial tão em voga estaria aía substituir o processo de ensino/aprendizagem.
“Portanto, ela ameaça a educação teórica e prática, pois promete que vai extrair todo o conhecimento para um método novo de ensino e aprendizagem baseado exclusivamente em análise de dados.
Mas ela vai gerar conhecimento? Acho que sim, mas de forma artificializada, sem jamais se transformar em saber, que, por sua vez, é um conhecimento refinado, depurado e curado. E isso leva tempo.”
As várias soluções para melhorar a educação no Brasil
Se a tecnologia não é a carta coringa que mudará por si só o jogo, o que então fará isso? Essa é uma pergunta de múltipla resposta, aberta à inclusão de mais alternativas ao decorrer deste e dos próximos anos.
Mas um ponto em comum entre os entrevistados dessa matéria é a certeza de que, apesar de o futuro ser incerto, falar e pensar sobre educação é um ato político.
Essa é a opinião, por exemplo, de Renata Sieiro Fernandes, pedagoga e pós-doutora em Educação pela Unicamp. “Para mim, a partir de hoje, necessariamente,
toda educação deve ser a favor da diversidade, anticapitalista, antirracista, antipatriarcalista, anti-lgbtfobia, antifacista, antifundamentalista e indissociável da perspectiva ecológica do bem viver, democrática e progressista”, enfatiza.
E qual é o futuro possível e desejável para a educação de modo geral? Coautor do livro-reportagem Volta ao Mundo em 13 Escolas e cofundador da Virada Educação, o escritor, educador e ativista André Gravatá acredita que necessitamos primeiro de políticos comprometidos com uma educação transformadora. A qual tem de valorizar a enorme diversidade do país.
“É fundamental a gente conhecer melhor o Brasil.Tanto no sentido do que existe de potente quanto também a nossa história, levando em conta questões nunca resolvidas, em relação a indígenas, negros e tantas pessoas que, inclusive, não tiveram o direito assegurado à educação.”
Entre aquilo que precisa ser revisto e transformado urgentemente, Gravatá aponta três aspectos. O primeiro é o estrutural, em que devam ser asseguradas melhores condições de trabalho para os professores. Incluindo uma melhor remuneração. Também, que educadores e educandos tenham acesso à alimentação de qualidade. E que fortes investimentos sejam realizados na área.
O segundo aspecto é em torno do que ele chama de concepção da educação. “É muito importante que, para não repetir os erros do passado, a gente construa uma educação mais crítica, em que os alunos e alunas aprendam a ler o mundo. Para perceber o contexto em que estão e as responsabilidades que eles têm sobre o que está acontecendo ao redor”, diz.
Já o último aspecto é o de uma escuta ativa, inclusive para a criação de políticas públicas. Nesse ponto, André Gravatá reforça a necessidade de se ouvir educadoras e educadores.
Saber o que têm a dizer sobre o que deveria ser mudado nas escolas, entendendo seus desafios. Assim como escutar todos os educandos, compreender quais são seus sonhos e anseios.
Educação para conhecimento, disciplina e comportamento
Desde que se aposentou na IBM, em 2018, Fábio Gandour escolheu a área da educação para se debruçar, compartilhando seu conhecimento e participando de projetos que possam apontar novas direções.
Todavia, ele não aposta em processos disruptivos para resolver o conflito intrínseco no modelo de educar. Mas, sim, em um tripé formado por conhecimento, disciplina e comportamento, como pilares de sustentação adequados.
“Um conhecimento que seja entregue pelo educador, ou que ensine o educando a garimpar. Segundo, a promoção de uma disciplina, não a militar, mas aquela que mostre a forma de se portar em cada circunstância.
E, por último, o comportamento que a pessoa vai ter a partir do conhecimento que ela tem e da disciplina que aprendeu. Por mais que isso possa ser considerado um modelo de educação antigo, eu não consigo abrir mão dele por enquanto”, afirma.
Assim, se todos os apontamentos dos especialistas se concretizarem de modo favorável, a educação do futuro, pelo menos essa que se desenha nos próximos 20 anos, não será conhecida pela presença de aparelhos ultramodernos em sala de aula.
Mas pela formação de pessoas atentas e críticas, resultando, como deseja Renata Sieiro Fernandes, em uma “humanidade mais cooperativa, dialógica, ecológica, democrática e amorosa, com os outros e o planeta”. Agora é construir. Mãos à obra!
Sobre a série De Olho no Futuro
A proposta dessa série é investigar o que se tem pensado para temas centrais da vida humana, como trabalho, educação, alimentação, clima do planeta, moradia e sociedade. Compreendendo o passado e o presente, espiamos o futuro com olhos mais disponíveis para viver essas mudanças e criar um mundo melhor.
A SÉRIE DE OLHO NO FUTURO recebe consultoria da Oxygen (@oxygen.brasil), uma plataforma de conteúdo em inovação. Com seu olhar apurado para a curadoria de tendências, a fundadora Andrea Janér tem como missão compartilhar conteúdos para ajudar empresas e pessoas a entender para onde cada transformação poderá nos levar.
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GUSTAVO RANIERI é jornalista, escritor, padeiro e oficineiro. Aprende ao escutar o outro, ao observar os animais e contemplar a natureza. E se emociona com o verso de Cora Coralina, no poema Exaltação de Aninha. “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”.
Conteúdo publicado originalmente na Edição 230 da Vida Simples
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