Ciência e tecnologia são ferramentas para um mundo melhor (ou pior)
Quando a ciência e a tecnologia se colocam a serviço das pessoas, podem criar soluções que transformam a vida humana e a saúde do planeta
Apendicectomia. Esse nome da ciência, com mais jeito de doença que de cura, é o que a gente conhece como a tecnologia da cirurgia do apêndice. Aquele órgão que a maioria das pessoas acha que não serve para nada além de inflamar (agora já se sabe que essa bolsinha que temos dentro do corpo é um depósito de bactérias que ajudam na digestão e produz anticorpos). Se começo este texto falando dessa operação é porque, sem ela, eu teria morrido aos 16 anos. Tive uma apendicite aguda. Tão aguda que rapidinho essa pequena bolsa se rompeu, provocando uma infecção generalizada do abdômen. Mas estou aqui para contar essa história.
Graças a um procedimento da medicina feito pela primeira vez às vésperas do início do século 20, em 1889. Se eu fosse jovem em meados do século 19, com o mesmo problema grave, não passaria da adolescência.
Os bons e maus usos da ciência e tecnologia
Essa constatação desde cedo na minha vida fez com que eu desenvolvesse um olhar otimista – e de gratidão – para os avanços da ciência.
E continua assim até hoje, ainda que tantos eventos históricos, antigos e atuais, tentem mudar essa perspectiva. A bomba nuclear assassinando a população civil do Japão. Os carros movidos a combustível fóssil poluindo o ar que a gente respira, os agrotóxicos envenenando nossos corpos…
Só que as inovações tecnológicas são o que fazemos com elas. As mesmas pesquisas sobre a estrutura da matéria que levaram à bomba de Hiroshima têm sido usadas para finalidades do bem, sejam na área da saúde, na qual a radioatividade é empregada para procedimentos diagnósticos e terapêuticos, sejam na produção de eletricidade mais barata e menos poluente.
Israel usa reatores nucleares para fazer dessalinização da água do mar, garantindo o abastecimento hídrico de sua população.
O progresso tecnológico que alguns governos e empresas exploram para devastar a natureza também é usado para encontrar caminhos mais sustentáveis na produção de comida, na evolução da mobilidade e na preservação do que ainda há de ambiente selvagem, intocado pela ganância.
Soluções tecnológicas para a crise climática
O naturalista britânico David Attenborough enfatiza a consciência de que nosso destino como humanidade está conectado, de forma incontornável, ao desenvolvimento de tecnologias que reparem o mal que já fizemos à Terra.
“No fim das contas, estamos ligados à natureza finita que nos cerca e somos dependentes dela”, ele diz.
David passou a infância colecionando fósseis e se apaixonou desde cedo por temas ligados à preservação da vida selvagem.
Visitou florestas, os polos e os recônditos mais surpreendentes do mundo para exibir, em programas de TV e uma série de documentários, a exuberância da natureza.
E também para denunciar os riscos que os maus-tratos a ela podem trazer e também apontar caminhos para reverter essa degradação – com a ajuda de tecnologia de ponta.
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Tecnologias para recuperar a diversidade no planeta
Hoje, muitos projetos e aplicações tecnológicas ao redor do mundo mostram que a humanidade tem inteligência e capacidade de
trazer mais saúde e qualidade de vida à população, além de trabalhar pela regeneração do planeta
No filme David Attenborough e Nosso Planeta, que você pode conferir na Netflix, o inglês, já um senhor de 93 anos à época, oferece sua visão de um futuro possível, no qual a ciência é aliada da vida, não da morte.
Ele mostra, por exemplo, que, no começo do século 21, Marrocos dependia de petróleo e gás importado para quase tudo. Hoje, o país gera 40% de suas necessidades em casa, usando uma rede de usinas de energia renovável, incluindo o maior parque solar do mundo.
Uma alternativa que alia sustentabilidade com lucro: de importadores de combustíveis fósseis, os marroquinos estão no caminho para se tornar exportadores de energia solar até 2050.
Uma tendência que se tornou mais imperativa após o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Políticas Climáticas.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, classificou-o como “um código vermelho para a humanidade”, pois ele mostra que “o aquecimento global está afetando todas as regiões da Terra, com muitas mudanças se tornando irreversíveis”.
Do vidro solar à Inteligência Artificial
A captação de energia usada em Marrocos, por meio de parques solares, não é exatamente novidade. Mas você já imaginou como seria se todas as janelas de um edifício alto pudessem gerar energia?
É isso o que faz o recente “vidro solar”, um material feito para janelas que, sem perder a transparência que se espera de um vidro, capta a luz do sol e a transforma em eletricidade.
A adoção em larga escala desse material permitiria abastecer 40% da necessidade de energia dos Estados Unidos. Afinal, o que não falta é prédio grande no centro econômico do mundo.
Outra novidade mais que promissora está na Inteligência Artificial. No universo da ficção, ela pode ser assustadora, encarnada em robôs exterminadores de humanos.
Mas no mundo real da ciência que se aplica aqui, há ideias que vão na contramão dessa distopia. O World Food Programme (WFP), braço da ONU dedicado a pensar a alimentação no planeta, desenvolveu, junto com o gigante chinês da tecnologia Alibaba, um sistema de monitoramento da fome à base de Inteligência Artificial.
O software prevê e rastreia a precariedade de acesso a alimento em mais de 90 países, coletando informações públicas sobre conflitos, clima, nutrição e fatores macroeconômicos.
Assim, permite que tomadores de decisão respondam com maior rapidez para evitar tragédias humanitárias.
Ciência e tecnologia devem favorecer o bem viver
A Inteligência Artificial do cinema pode ser fascinante, mas o que importa mesmo no nosso dia a dia é algo que esse sistema da ONU incorpora muito bem: a tecnologia precisa ter efeito prático.
Não só ficar na esfera da imaginação. “O ‘uso’ é uma palavra mágica quando falamos de novas tecnologias”, diz o futurista Fabio Gandour, que foi cientista-chefe do laboratório de pesquisa da IBM por quase 30 anos.
“A tecnologia tem de fazer algo útil.” E o que pode ser mais útil do que evitar que crianças passem pela situação de não ter o que comer?
Esse é o lado humano da ciência que, assim como salvou minha vida, pode salvar a de milhões de pessoas – e também a natureza desse planeta que é nosso chão, céu e casa acolhedora. Ou pelo menos deveria ser.
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ALEXANDRE CARVALHO é autor do livro Freud sem Traumas (LeYa Brasil) e não disfarça a pequena cicatriz da cirurgia que salvou sua vida.
Conteúdo publicado originalmente na Edição 239 da Vida Simples
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