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O que aprendi ao levar minha filha a museus
Arquivo pessoal / Iasmine Souza
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Neste artigo:

Não é novidade que crianças adoram se expressar através da arte. Mas espaços especializados em arte nem sempre são locais que mais atraem os pequenos. A seguir, Iasmine Souza compartilha aprendizados que teve durante os passeios com sua filha por museus e galerias.

“Mãe, o Van Gogh pode vir pintar alguns girassóis no meu quarto?”, escutei há alguns dias da Teodora, aos 4 anos de idade, na hora de colocá-la para dormir. “E tudo bem se eles forem coloridos? Porque, você sabe, eu não gosto tanto de amarelo”, emendou.

Desde muito cedo, tenho buscado a melhor forma de apresentá-la ao mundo das artes visuais, sem imposições, mas ciente de que é uma aproximação crucial para a construção da consciência de ser/sujeito de cultura, livre para as suas próprias percepções.

Não é novidade que crianças adoram se expressar através da arte. E como é gostoso vê-los espalhar tinta nas mãos, no corpo, descobrir linhas, formas, testar habilidades e envolver-se com essa execução.

Perdi as contas de quantas vezes fui surpreendida com lindos garranchos que eram, em verdade, chuvas mágicas, noites de raios assustadores, fadas ou tubarões.

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Arte não é recreação

Brincar como um pequeno artista é uma adorável experiência, mas não é só. Falo isso sem sequer aprofundar questões relacionadas ao grau de valoração educacional da arte, e de como ela é colocada de lado no ensino das escolas brasileiras.

O que estava ao meu alcance, então? Passei a levá-la com frequência a passeios culturais.

No início, era tudo uma questão de organização. Carrinho, fraldas, uma muda de roupa, e, alguns contratempos depois, tudo dava certo no final.

Não demorou até que ela virasse uma questionadora e eu tivesse que lidar com demandas muito mais difíceis do que uma pesada mala de trecos infantis.

O que eu poderia fazer para tornar um ambiente orquestrado para o adulto – pondere, por exemplo, a altura das obras, as proibições “não toque”, “não corra” – mais atraente, sem provocar na criança a monótona sensação de vagar entre as salas do museu e transformar a visita em um verdadeiro castigo?

(Foto: Arquivo pessoal / Iasmine Souza)

Aprendi a enxergar o mais simples

Para começar, esqueço se é um trabalho de fulano, beltrano ou sicrano e ignoro contextos que ela não conseguirá, ainda, compreender. Busco objetos do seu dia a dia, personagens, aponto cores, texturas, e crio relações (às vezes fantasiosas, confesso!) com as coisas que já lhe são familiares.

Crianças adoram associações curiosas. Quando não consigo, provoco, em tom carinhoso: “o que você vê?”. Não espero resposta, mas, se percebo que está falante — nem sempre está, claro —, evito interferir.

E não é que vira e mexe me surpreendo com a franqueza e a espontaneidade do seu olhar? Logo em seguida, como mediadora de uma comunicação afetuosa, divido o que sinto a respeito do objeto.

Foi assim que ela se divertiu com as tranças (seu penteado predileto) recorrentes no trabalho de Tunga, com as bandeirinhas juninas em Volpi, com a pipoca na obra de Ayrson Heráclito — que está relacionada à cura, mas é também memória de nossas tardes deliciosas de chuva —, e que pareceu tristonha quando descobriu que o colete usado por Frida Kahlo, de quem se fantasiou para ir à escola, era por conta de um acidente de trânsito.

A gente sabe que há muito além disso, mas ela perceberá aos poucos. Através da arte, espero que reflita a diversidade, consciente, crítica e sensível ao mundo ao seu redor.

A obra com a pipoca, de Ayrson Heráclito, que chamou a atenção de Teodora. (Foto: Arquivo pessoal / Iasmine Souza)

Grand finale

Com esses passeios, aprendi a respeitar os seus limites. Concentro-me em um número pequeno de obras e não insisto quando sinaliza cansaço.

Além disso — nesse ponto, peço que não me julguem —, cumpro fielmente a promessa do lanchinho no final do passeio.

Certa vez, lendo a professora francesa Françoise Barbe-Gall, autora de “Como falar de arte com as crianças”, aprendi que ir a um museu sem parar na cafeteria é como um cinema sem pipoca. Nunca me esqueci disso.

Por aqui, a tática costuma dar certo: visitar exposições entrou para a rotina e é sinônimo de prazer.

Assim, naturalmente, os assuntos de arte se estenderam do café para dentro de casa. Ainda acho muita graça quando, no meio da brincadeira da estátua, ela diz, “mamãe, sou uma escultura”.

Leia todos os textos da coluna de Iasmine Souza em Vida Simples.


IASMINE SOUZA é advogada e entusiasta de arte, autora do perfil @minutodearte. A paixão por esse mundo foi tamanha que agora está cursando uma especialização em Crítica e Curadoria de Arte na PUC-SP. Há grandes chances de encontrá-la em alguma exposição. No tempo livre, escreve.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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