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Caminhada fotográfica pode se tornar uma viagem de contemplação
Simone Maurina Uma teia de aranha forma uma mandala de pingos de chuva na paisagem (Foto: Juliana Reis) Uma teia de aranha forma uma mandala de pingos de chuva na paisagem (Foto: Juliana Reis)
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O que será tão importante no caminho a ponto de merecer nosso olhar atencioso, o tempo dedicado, um desvio de rota e, finalmente, um clique?

Tive um amigo que não batia fotos de viagem. Ele temia que, na busca pelo melhor ângulo, deixasse passar alguma experiência excepcional — dessas que a gente diz que “só mesmo estando lá pra entender”. Se ainda estivéssemos viajando juntos hoje, ele estaria assustado com a era das câmeras de celular, esse aparelhinho que alimenta a busca neurótica pela melhor foto e, às vezes, nos afasta um pouco da viagem em tempo real. Apesar da postura radical, ele me ensinou a reconhecer o momento certo de guardar a câmera no bolso para não esquecer a razão da viagem.

Vida e fotografia têm muito em comum

Juliana é registrada com grandes pedras ao fundo enquanto fotografa.

As grandes pedras são um ótimo espaço para apreciar a paisagem e garantir boas fotos. (Foto: Simone Maurina)

Tenho pensando em como explicar a ele que dia desses eu me embrenhei na Mata Atlântica para uma viagem fotográfica. A miniexpedição sugeria manter a câmera do celular a postos, mas – atenção! – não utilizá-la indiscriminadamente. A proposta era aguçar nossos sentidos e manter a mente aberta para, então, decidir se o cenário valeria um registro no dispositivo ou apenas a contemplação.

Ora! Uma viagem fotográfica é feita para se bater fotos, não é? Por que eu escolheria o contrário?

“Vida e fotografia têm muito em comum”, foi logo nos dizendo a guia da expedição. Simone Maurina é uma ex-professora de educação infantil e ex-assistente social que, após uma demissão, mudou de rota aceitando trabalhar em um estúdio fotográfico — sem imaginar que as lentes da câmera dariam poder ao seu modo tão especial de enxergar o mundo. Simone cedeu gentilmente suas imagens para poder ilustrar essa postagem.

Se antes ela já apreciava “perder tempo” contemplando simplicidades, a natureza e o jeito de ser das pessoas (como meu amigo viajante avesso a câmeras), foi atrás das lentes que ela se aprimorou em observar, investigar e a olhar por vários ângulos antes de… clic! E não é mais ou menos assim que a gente faz em tantas situações da vida?

Silhueta da fotógrafa registrada contra a luz.

Contra a luz que vem das montanhas, a fotógrafa se torna uma misteriosa desconhecida. (Foto: Simone Maurina)

O que merece o nosso foco?

Conforme viajávamos mata adentro, fui pensando nas palavras da guia-fotógrafa e em seus conceitos sobre pausas, perda de tempo e contemplação. O que é digno do nosso olhar demorado e atencioso? Quando devemos ajustar nosso foco? O que, no caminho, será tão importante a ponto de valer uma parada, um intervalo, um desvio, um atraso no cronograma e, finalmente, um clique? O que vale guardar só na mente, e o que só merece um “deixar para trás e seguir em frente”?

Enquanto caminhava conosco, ela discorria a respeito de luz, sombras e técnicas de captura e sobre a sensibilidade e a atenção que a rotina diária nos rouba. Destreinada em pisar na terra, escorreguei de corpo inteiro no chão barrento e úmido e descobri que a folha verde-escura da mata se transforma num vitral verde-limão quando vista de baixo e contra a luz. Clic!

Descobertas na caminhada fotográfica

Avançar, segurar o passo, ora respeitar o ritmo do grupo, ora compreender que cada um tem sua marcha própria e também modos diferentes de enxergar — nessa viagem, há cliques em todas as direções. Surge uma pausa. Lembrete para respirar no agora…

O tronco da árvore que me serve de encosto está coberto de um fungo vermelho e rosa. É o selo de qualidade que a natureza confere ao lugar onde o ar é puro. Retiro a máscara e aproveito. Clic!

Liquens vermelhos em tronco de árvore.

Os liquens vermelhos ou rosas são indicadores de ar puro. (Foto: Simone Maurina)

Em uma viagem de contemplação, quando silenciamos os ruídos internos e acalmamos o ritmo dos pensamentos, a natureza nos retribui apurando nossos sentidos. Sabe que eu nunca havia me dado o tempo de observar de baixo para cima o tronco do Guapuruvu? Ele é loooooooongo…

Na infância, eu arrancava porções de suas folhas-confete para pregar peças nas amigas. Não sabia que essa árvore crescia desse jeito. A copa fica bonita em contraste com o céu chumbo. Clic!

A beleza do tempo feio

Aliás, por cima do Guapuruvu nuvens se aproximavam carregando água. E ameaçando roubar nossa luz dourada — o momento de ouro da natureza, o instante tão esperado pela fotografia, quando o sol se posiciona no horizonte jogando luz quente sobre tudo o que a vista alcança e, então, se recolhe.

A hora dourada bate nas águas durante a caminhada.

A hora dourada bate nas águas durante a caminhada. (Foto: Simone Maurina)

Porém, com a chuva veio descoberta de que não existe “tempo feio” para ser clicado. Dia nublado, ensolarado, chuvoso, cinzento… Cada um deles tem a sua beleza, luz, sombra e sensação. Nas luzes do “dia prateado” até as temidas teias de aranha que se embaraçavam em nosso caminho, agora eram inofensivas mandalas de pingos d’água (imagem no topo deste texto).

Discernimento

Todo mundo sabe que para se avistar e fotografar pássaros é preciso ter paciência. Acrescento que desapego também ajuda. É que tão rápido quanto aparecem, esses bichos batem as asas e somem. Com isso, nos deixam com a sensação de que, às vezes, naquele espaço de tempo entre desfrutar o momento ou capturá-lo para sempre, há uma difícil escolha a ser feita.

Um pássaro foge do clique da câmera.

Um pássaro foge do clique da câmera. (Foto: Simone Maurina)

Por fim, cruzamos um rio de águas claras e passamos por um jardim onde pessoas praticavam uma suave meditação em movimento. Clic! Discretamente… Clic!

Mais adiante, uma cerimônia de casamento era preparada dentro de uma casa de pau-a-pique — na verdade, uma opy, ou casa de celebração e reza indígena. Estávamos perto de uma reserva guarani. Em silêncio e respeito, seguimos nosso rumo, guardando a beleza do rápido encontro só na lembrança mesmo.

Pois é. Na vida há tempo para tudo. Tempo para pausas, tempo para seguir em frente, tempo para olhar para dentro, tempo para contemplar, tempo para agir, tempo para se abrir… Na fotografia também. Nossa guia tinha razão.

Uma opy, que é uma casa de celebração e reza indígena

Uma opy: uma casa de celebração e reza indígena (Foto: Juliana Reis)

Onde a viagem de contemplação aconteceu?

A miniviagem fotográfica aconteceu na Pousada e Espaço de Vivências Monte Crista, em plena Mata Atlântica, no norte de Santa Catarina. Trata-se de um dos muitos espaços de vivências de autoconhecimento que vêm surgindo pelo Brasil.

O lugar foi idealizado há muitos anos por um ex-seminarista franciscano e ex-gerente de banco, José Scussel, que já não era mais feliz no mundo dos prazos, metas e resultados. Ele restaurou o aspecto original de Mata Atlântica no local e o preparou para receber vivências terapêuticas, como essa caminhada fotográfica.

José partiu em 2016, mas o espaço continua funcionando. Não há luxo, mas simplicidade. Os quartos, por exemplo, são preparados para que não se fique dentro deles, mas lá fora, onde há o rio limpo e de águas claras, as trilhas na Mata Atlântica, o alimento da horta orgânica e os espaços que convidam ao descanso e à meditação.


JULIANA REIS é uma contadora de histórias que acredita nas viagens como forma de crescimento pessoal.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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