Um mundo de extremos
Estamos vivendo em um mundo de extremos. Mas se antes viver em extremos podia ser desafiador e até divertido, os extremos de hoje parecem mais hostis. Até ameaçadores. E como vamos conviver com isto ?
Estamos vivendo em um mundo de extremos. Mas se antes viver em extremos podia ser desafiador e até divertido, os extremos de hoje parecem mais hostis. Até ameaçadores. E como vamos conviver com isto ?
Extremo era sinônimo de intensidade. Viver um amor extremo era a forma intensa de demonstrar uma paixão sem fim. Essa intensidade se propagou até para os esportes e, de repente, apareceram os “extreme sports”.
Neste contexto, algo extremo passou a comunicar mais do que só a intensidade. Algo extremo trazia agora a noção da aventura, de ação, de radical. Apesar de ainda conter um componente de diversão, começou a aparecer um componente de risco no que era chamado de extremo. E o risco era quase sempre relacionado com a altura, a velocidade e outros desafios a que o corpo se expõe. Mas, ao mesmo tempo em que essas definições se ampliam, seus significados mudam.
O que está extremo
Olha aí e você vai notar que quase tudo está meio exagerado, muito intenso, acentuado.
Em algumas áreas do comportamento humano, é mais fácil perceber opiniões e atitudes extremadas. Política e religião são duas delas. Mas não são as únicas. Sem ter que fazer muita força e nem dedicar muito tempo, dá para notar atitudes extremas em outras áreas do comportamento que antes eram apenas atributos de preferências pessoais, não eram compartilhadas e muito menos declaradas.
Por exemplo, coisas como as preferencias alimentares podiam ser praticadas entre você e o que seria selecionado para ser colocado no seu prato. Você comia, ficava feliz e nem se preocupava com o que acontecia no prato do seu vizinho. Hoje, adeptos de certas preferências tem uma atitude combativa e demonstram até uma certa hostilidade a quem não adere às suas práticas. Agora que as restrições da pandemia parecem estar sendo flexibilizadas e a volta aos restaurantes surge como um comportamento aceitável no horizonte, vai com cuidado para não se sentar ao lado de alguém com hábitos extremos na área de alimentação. Há um risco de vocês ter uma indigestão depois do almoço.
Se até as preferencias alimentares acabam sendo alvo de opiniões extremadas, imaginem o que acontece com as preferências em esportes coletivos! Brigas de torcidas são cada vezes mais comuns, mais agressivas e violentas. O sentido do entretenimento proporcionado pela agregação de pessoas com uma mesma preferência ainda prevalece, mas vem junto com o risco de agressões e agravos de atitudes extremas.
De onde vem
Dessa forma, a atitude extrema em qualquer área do comportamento humano vem sendo atribuída à evolução da própria espécie humana. Se esta for mesmo a razão de tanto extremismo, vale lembrar que as forças atuantes no processo evolutivo mudaram muito ao longo do tempo.
Quando a teoria da evolução das espécies foi formulada por Charles Darwin, por volta de 1850, o principal fator de interferência era a seleção natural. Se em outras espécies ela ainda atua, na espécie humana a seleção deixou de ser natural há muito tempo. Por um lado, os avanços da medicina de alguma forma bloqueiam e desviam as forças da seleção natural. E por outro lado, a tecnologia, principalmente a tecnologia voltada para os processos de comunicação e difusão de informações, são tidas hoje como fortes influenciadores na evolução do ser humano.
Se esta influência da tecnologia for de fato, comprovada, num futuro próximo vamos construir uma espécie mais afeita a extremos do que esta que tivemos desde o início da civilização até os dias atuais.
Para onde vai
A população de opiniões e comportamentos extremos do parágrafo anterior pode bem ser a causa de destruição do que ainda chamamos de “civilização”. Em uma perspectiva antropológica, a civilização tal como conhecemos hoje, é o estágio mais avançado da sociedade humana. É neste estágio que se atingiu o comportamento social mínimo para permitir uma convivência coletiva que proporcionou a construção de cidades. Vem daí as palavras em latim civita, que significa cidade, e civile, para designar seus habitantes. Todos muito civilizados e com comportamentos nada extremados.
Mas, independente de uma origem meramente evolutiva ou como consequência dos efeitos da tecnologia, a observação de comportamentos extremos é qualquer coisa menos uma demonstração de civilidade. O comportamento baseado em extremos promove muito mais hostilidade, ameaça, violência e até ódio.
Por fim, se esses forem os fundamentos de uma nova civilização, é bom nos dedicarmos a imaginar qual será o seu contorno e como será a convivência no seu interior. Será que é para lá que queremos ir? Será esta a próxima civilização?
FÁBIO GANDOUR é formado em Medicina e dedicou-se à pesquisa científica. Nesta trajetória, tenta observar quais os efeitos que a tecnologia pode ter na evolução da espécie humana.
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