Cuide dos seus padrões mentais
Quando os padrões mentais impedem que o pensamento resolva um problema, a solução pode ser engajar o corpo, as emoções ou a intuição.
Quando os padrões mentais impedem que o pensamento resolva um problema, a solução pode ser engajar o corpo, as emoções ou a intuição.
Eu tenho uma predileção especial por olhar atrás das aparências. Gosto de escarafunchar ideias, histórias, imagens, conceitos, para examinar o que está por trás do que cada coisa parece ser, tanto para mim quanto para os outros.
Como repórter, uma das primeiras coisas que eu fazia ao investigar um tema era levantar o processo histórico sobre o assunto, para entender como foram construídos os conceitos atuais daquele tópico. Os tijolinhos que, hoje, parecem ter sido sempre assim.
Freud, bebês e cocaína
Quando escrevi um livro sobre a política de drogas, por exemplo, estudei como nasceu a criminalização do uso de algumas substâncias. Qual era o contexto na época, o que se queria evitar, quais eram os interesses em jogo. E com isso era possível descobrir coisas curiosas.
Até o início do século XX, por exemplo, cocaína era vendida em qualquer farmácia para as mães esfregarem na gengiva de seus bebês, contra a dor dos dentes nascentes. Freud atribui à cocaína a inspiração para sua criação. A proibição da maconha nos EUA, apresentada ao público como uma política de saúde, serviu para criminalizar e controlar os imigrantes mexicanos, que eram seus principais usuários. E tirou do mercado os produtos de cânhamo, abrindo caminho para fabricantes de fibras sintéticas.
Pendurados na brocha
Só que, em geral, o tempo passa e o problema para o qual aquela solução foi criada muda ou deixa de existir. Então a gente fica com um remédio que já não serve (se é que serviu um dia) e as histórias (muitas vezes mentirosas) que inventamos para justificar aquela solução. Muitas vezes, essas duas coisas criam transtornos por longos períodos.
No caso das drogas, estudos econométricos sem paixões morais revelam que a criminalização do uso dessas substâncias causa muito mais prejuízo à sociedade do que o mau comportamento dos viciados. Tanto que, finalmente, muitos países estão flexibilizando sua legislação, inclusive nos Estados Unidos, que originou essa caça às bruxas.
A Lei Seca, que criminalizou a venda de bebida alcoólica nos EUA no início do século XX, percorreu o mesmo ciclo, em um período muito mais curto. Deixou de legado as muitas histórias sobre mafiosos que enriqueceram vendendo uísque ruim.
Pão de alho infinito
Estou contando essa história porque nossa cabeça opera de forma semelhante. Para evitar dores que o sistema um dia considerou intoleráveis, criamos subterfúgios que desviam nossa atenção, para não entrarmos em contato com aquilo. Mais do que isso: a mente quer que esqueçamos que aquilo existe. Porque a menção da coisa já faz mal. É o tal do gatilho.
É como se, logo no início da estrada que pode levar ao lugar proibido, minha mente instalasse sinais de trânsito que desviam o carro do pensamento. Melhor ainda se forem sinais sedutores, que apontam para algo muito desejado, de forma que eu nem perceba haver uma interdição (a ideia é nem lembrar que há algo errado adiante, lembra?).
Tipo uma placa: “Pão de Alho Infinito, Grátis”. Eu nunca ignoraria esse sinal. E lá vou eu, me empanturrar de carboidrato com gordura hidrogenada, quando na verdade eu queria era ir passear num lugar diferente. Se você não gosta de pão de alho, não se preocupe, sua mente saberá apresentar algo apetitoso para ti.
É assim que o celular reaparece na minha mão em um passe de mágica, instantes depois de eu dizer a mim mesmo que preciso dar um tempo do Instagram. Se eu parar para pensar, eu reabri o app quando fiquei sem nada para fazer e a simples ideia de estar desocupado disparou uma ansiedade, que me fez dar uma espiadinha nas fotos.
Dançar o pão de alho
Aprendi que, em casos como esses, que envolvem processos cognitivos ou emocionais viciados, não adianta nada pensar no problema. Seria como medir um litro de leite com uma trena. O instrumento não se presta à tarefa. Para lidar com problemas, questões ou inquietações recorrentes, aprendi que me ajuda mais lançar mão de outros recursos, que não os da mente.
Corpo, emoção, intuição têm mais a ver com a solução.
Me dei conta dessa outra fonte de inteligência em processos profundos de autoconhecimento, que posso detalhar em outra ocasião. Mas desse entendimento me surgiu uma ideia, que eu já experimentei e compartilhei com outras pessoas, com bons resultados: e se eu dançasse o meu problema?
Experimente!
Botei uma música, visualizei a questão que estava me incomodando e deixei o corpo expressar o que quisesse. Em tempo: não sou dançarino, não tenho experiência em dançar, o que é ainda melhor, porque o corpo não tem um código programado do que é certo, o que é “bonito” de ver.
Eu estava sozinho, então não havia intenção de agradar ninguém. Pude colocar o corpo em posições constrangedoras, humilhantes, arrogantes. Até que pés e braços despistaram o julgamento e assumiram sua própria inteligência. Desdobraram-se, contraíram-se e alongaram-se em análises e protótipos do problema.
Algumas vezes, me vi lá do outro lado da placa do pão de alho, ladeira abaixo no caminho perigoso. Muitas vezes, descobri assim que aquele era um território novo e muito menos assustador do que eu me lembrava.
Saí da experiência intrigado, aliviado e inspirado. E surgiram, ao longo dos dias, imagens espontâneas do que fazer. Para algumas dei valor e trela. Para outras, não.
Achei que você gostaria de saber. E de experimentar, talvez.
Se tentar, por favor, compartilhe.
Sim, gostaríamos de saber.
RODRIGO VERGARA lembrou, tarde na vida, que gostava de estar em cena, de brincar na frente das pessoas, e deu trela para essa vontade, até poder se identificar como ator, improvisador, palestrante, facilitador de processos de desenvolvimento de equipe que utiliza ferramentas lúdicas.
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