É só a minha opinião
Achar que cada um pode falar o que quiser e dizer que quer apenas emitir uma opinião leva a um equívoco geral na comunicação. Tanto que até para dar uma opinião sobre opinião, é bom se informar bem. Tem até gente que estuda a tal da opinião.
Achar que cada um pode falar o que quiser e justificar com o “é apenas minha opinião” leva a um equívoco geral na comunicação. As opiniões não são tão inocentes assim. Elas podem trazer muitos prejuízos — inclusive para quem emite a opinião.
Em junho de 2015, ao receber o título de doutor honoris causa em Comunicação e Cultura pela Universidade de Turim, o escritor e filósofo italiano Umberto Eco disse em seu discurso que as redes sociais haviam dado voz a uma “legião de imbecis”, que antes era restrita a “um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade”.
Observou também que antes, “eles eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra que um Prêmio Nobel” e completou dizendo que “o drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”.
Paradoxo
Eco faleceu em fevereiro de 2016, apenas oito meses depois do seu discurso. Por isto, não teve muito tempo para observar o quanto ele estava correto em sua afirmação e nem chance de ver como um monte de gente se apropriou da sua frase original.
Essas apropriações indébitas estão todas registradas nas redes sociais. Poderiam até ser caracterizadas como atos ilegais, previstos no artigo 168 do Código Penal Brasileiro. A ilegalidade é meio paradoxal pois, afinal, alguém só se apropriou da opinião de Humberto Eco. Mas estamos apenas no primeiro paradoxo e na primeira ilegalidade. Ainda nesta coluna, logo mais virão outras semelhantes.
Opinião
No vocabulário da língua inglesa, existe uma palavra de difícil tradução: “opinionated”. Ela tanto pode ser usada para descrever alguém com convicções fortes, quanto alguém que sempre tem alguma opinião sobre tudo. Em português, ela foi traduzida para opinioso, uma palavra incomum. Qualquer hora aparece uma tradução melhor, mas aqui, queremos usá-la apenas para dizer que somos uma cultura que tem um comportamento bem opinioso. Dito de forma mais simples, temos opinião sobre tudo !
Por fim, opinião implica em conceito de valor. E valores podem ser tanto positivos como negativos. Embora emitir uma opinião pareça algo bem simples, de fato não é. Por sempre transportar um conceito de valor, existe até um ramo da filosofia, a axiologia, que se dedica a estudar valores sob o ponto de vista moral. Portanto, vai com cuidado na próxima vez que você for dar sua opinião e veja lá qual o valor que está embutido nela.
Sua e dos outros
De acordo com a axiologia é possível estudar opiniões em várias dimensões. Sempre a partir do valor que ela declara. Às vezes, nem declara, mas transporta de forma meio oculta. Dizer que você gosta mais de laranjas do que de bananas é uma opinião que, muito provavelmente, não vai incomodar ninguém. Dizer que você prefere a cor verde também é uma opinião que não deveria incomodar ninguém.
Se a sua preferência for associada a times de futebol, a mesma opinião aparentemente inócua pode trazer um juízo de valor diferente do que uma simples preferência pessoal. Portanto, dizer que a sua declaração de valor ou preferência “é apenas uma opinião”, não te concede um passe livre para manifestá-la.
É atrás desta frase que muita gente se esconde para atribuir juízos de valor nada edificantes. É atrás de “…e só a minha opinião” que a observação quase profética do Umberto Eco vai se materializando a cada dia mais. E quando um juízo de valor traz um prejuízo moral ou material a alguém, cruza-se novamente o limite da legalidade e o dano deverá ser reparado. Mesmo que este dano tenha sido causado “apenas por uma opinião”.
Respeitar a opinião
Nos embates criados por opiniões emitidas em redes sociais, é comum alguém se apoiar em argumentos do tipo “é minha opinião e você tem que respeitá-la !”. Emitir uma opinião sobre sorvete de pistache ou a respeito da cor azul é emitir um juízo de valor em temas de preferência estritamente pessoais.
Mas note que algumas opiniões, antes de serem concluídas e compartilhadas, precisam ser fundamentadas em conhecimentos criados em estudos da área correspondente. Sem a devida fundamentação que a sustenta, ao emitir a sua opinião você se transforma no bobo da corte que antes se expunha apenas aos convivas do rei. Entretanto, agora, dentro das redes sociais, espalha a imbecilidade aos quatro ventos. E ainda exige que a plateia virtual expandida respeite as bobagens que foram divulgadas simplesmente porque “é a sua opinião” .
Intolerância
E na exigência de aceitação de afirmações que não param em pé — simplesmente porque representam a opinião de alguém — que corremos o risco de mergulhar em outro paradoxo. Esse descrito pelo filósofo moderno Karl Popper. Em 1945, Popper formulou o paradoxo da intolerância onde, no ambiente que hoje inclui as mídias sociais, a tolerância ilimitada a tudo e todos leva ao desaparecimento da própria tolerância. Em outras palavras, quem propõe opiniões sem fundamento na razão, adota comportamentos também irracionais para defendê-las.
Portanto, as opiniões sem fundamentos — e, por isso, intoleráveis — devem ser contrariadas por argumentos racionais e não simplesmente aceitas porque representam o juízo de valor emitido por alguém.
Encerramos alertando para a diferença existente entre opinião e “fake news”. No segundo caso, uma notícia distorcida — ou falsa — é criada com finalidade específica e no interesse de uma pessoa ou grupo. Crime mesmo! No primeiro caso, alguém simplesmente acha que pode dizer o que pensa de tudo e de todos. Em ambos os casos, os efeitos podem ser danosos.
Dessa forma, veja lá e reflita se vai valer a pena dar sua opinião.
FÁBIO GANDOUR é formado em Medicina e dedicou-se à pesquisa científica, em um ambiente de alta tecnologia. Um ambiente onde opiniões vem sempre acompanhadas de fundamentos claros e precisos.
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