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Qual a cor da sua infância?
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Enquanto tomava banho e deixava a água cair no meu corpo, a imagem daqueles azulejos azuis que me rodeavam da cabeça aos pés acordaram minha memória. Passei anos da minha infância tomando banho no banheiro da minha mãe só porque eu gostava daquele azul sem fim. Eu não gostava do meu banheiro que era bege pálido e sem graça, gostava do dela, que era azul da cor do céu e de muitas outras coisas coloridas que chamavam minha atenção na infância. Lembrei da sensação de aconchego que eu sentia ao observar a luz amarelada do sol do entardecer entrando e valorizando as nuances dos tons degradês dos azulejos que ela tinha escolhido “a dedo” para revestir seu banheiro na primeira reforma que nossa casa recebeu. 

Encontrar vestígios da passagem do tempo é o que tenho feito atualmente por aqui, na casa onde cresci. Algo que não fazia com frequência no dia a dia ao visitar minha mãe. Porém agora, recém chegada para uma curta estadia após um procedimento cirúrgico que fiz, é com olhos de menina que tenho enxergado minha casa de infância com mais carinho e surpreendentemente como uma velha amiga que guardou com tanta delicadeza minhas lembranças enquanto estive fora todo esse tempo.

Construída nos anos 50 e pintada de verde clarinho, logo na entrada ela nos recebe com um jardim verde escuro gramado e um pequeno canteiro com roseiras vermelhas e brancas plantadas já a algum tempo pela minha avó. Enquanto me movimento em passos lentos por seus ambientes observo atentamente  que as paredes ainda carregam as cores e a decoração da última reforma feita a alguns anos atrás.

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Paro para um descanso, e flashes de infância invadem minha mente. Repenso o meu tempo a medida que ela me ensina a enxergar com mais nitidez minha trajetória até o momento presente onde mais uma vez, mesmo sem seu brilho de uma época pulsante, me acolhe e me abraça, e me enche de mimos assim como faz minha mãe.

Criar lugares secretos onde ninguém pudesse me achar era minha especialidade, e lembrar do meu esconderijo favorito foi um desses momentos que estavam abandonados dentro de mim. Era debaixo da escada. No chão, um piso frio de cerâmica marrom estilo marajoara com detalhes desenhados em preto, e que entretanto, não combinavam com o calor da sensação de estar escondida ali. Sendo assim, trazia meu cobertor xadrez vermelho e minhas almofadas estampadas na cor rosa para cobrir aquele piso glacial e poder transformar aquele lugar esquecido da casa em um território só meu escondido de todos, um lugar onde pudesse imaginar um futuro construído com todos os sonhos que eu desse conta de sonhar.

Em minhas lembranças grudei novamente adesivos de arco íris na porta do meu guarda roupa e me vi pequenina correndo pelo quintal de lajota cor de café com leite, a única referencia que tinha no meu mundo para aquela cor tão inexpressiva. Minha memória tentava recriar tudo em detalhes e me conduzia para lugares felizes, e da mesma maneira, para outros difíceis e sem cor.

Hoje percebi uma casa que mesmo cansada, ainda consegue contar histórias que me fazem relembrar de tantos momentos que ficaram empoeirados na minha mente. Entendi o porque vim de mãos vazias para minha estadia por aqui. Na minha bagagem trouxe somente uma página branca para receber uma nova escrita, e através das minhas memórias encontro novo conteúdo e respostas para a vida. Meu aprendizado? Paciência. E entender que não sou capaz de controlar tudo.

Até hoje, não sei dizer ao certo se minha mãe gostava de azul, ou se o tom estava na moda naquela época. De tudo que já passou o que fica sou eu, e a menina que fantasiava mundos coloridos e que ainda mora em mim, me refazendo e me mostrando um novo caminho de volta para casa.

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