Resiliência: isto é bom ou ruim?
A resiliência que vem da física e isto não é boa nem ruim. É apenas um conceito para explicar um efeito de ação de certas forças
A resiliência que vem da física e isto não é boa nem ruim. É apenas um conceito para explicar um efeito de ação de certas forças
Começando lá no início: resiliência é um conceito que vem da física. E lá na física, o conceito é assim definido: resiliência é a propriedade que alguns corpos apresentam, de retornar à forma original após terem sido submetidos a uma deformação elástica. O exemplo clássico que os professores de física usam para ilustrar o conceito é o de um pneu, que cai em um buraco e se deforma, mas quando a força que causa a deformação desaparece, o pneu volta à forma original. Este retorno à forma original é o que caracteriza a resiliência.
Outro conceito também emprestado da física é a resistência. Definido como “capacidade que uma força tem de se opor a outra”, foi até cedido para outras áreas. Como é o caso da engenharia, que usa o conceito para definir uma matéria constante em qualquer currículo da área, a Resistência dos Materiais. Também é o caso da Eletricidade, onde resistência até virou nome de um componente. Pediram o conceito emprestado da física e fizeram as adaptações necessárias, mas… sem deformar o significado original.
Veio da física e onde foi parar ?
Se você procurar na Internet a palavra resiliência em um buscador qualquer, vai encontrar um monte de coisas que não tem nada a ver com física! O que você vai encontrar tem a ver com comportamento pessoal, com psicologia, com empresas e até com “cidades resilientes”. Esta última seria uma cidade capaz de retornar à sua funcionalidade original após sofrer um impacto de uma crise, tipo uma enchente ou um terremoto.
Me preparando para escrever esta coluna, saí catalogando o que se diz e se escreve sobre resiliência. Encontrei coisas como a recomendação de certas ações para melhorar a resiliência de uma empresa na superação de uma crise. Encontrei algumas categorizações bem questionáveis, que classificam as pessoas segundo seu grau de resiliência e, acreditem, propõem até um curso que, segundo se anuncia, pode aumentar a resiliência de quem quiser compra-lo.
Enfim, a palavra resiliência veio da física e foi parar em vários lugares. Foi adaptada a outras necessidades, quantificada em outros adjetivos, decomposta para se assemelhar a outros valores comportamentais – como autocontrole, autoconfiança, optimismo – e virou até curso de autoajuda. Até aí, tudo bem mas…
Isto é bom ou ruim?
A resiliência que vem da física e isto não é boa nem ruim. É apenas um conceito para explicar um efeito de ação de certas forças. No entanto, o que se tem feito com esta palavra para qualificar pessoas não pode ser considerado nada bom. E além de não ser bom, é falso. Tão falso quanto esta flor “plantada” na terra seca, para ilustrar sua suposta resiliência.
Dizer que um é bom porque é resiliente e outro é ruim porque não é, é o resultado de uma completa deformação! E neste caso, não se trata da deformação daquele pneu lá no início. É deformação de um conceito que nasceu para descrever um fenômeno físico e acabou sendo apropriado – e deformado – para qualificar a performance de pessoas. Pessoas que podem não resistir a pancadas, mas que bem podem se recuperar de crises, se devidamente orientadas e amparadas.
Esta qualificação anômala vem proliferando em departamentos de recursos humanos. Em entrevistas de emprego, o RH chega a perguntar ao candidato se ele se considera resiliente. Após ler esta coluna, você poderá responder que a sua resiliência vai depender de onde você vai levar o impacto e com que força você será atingido. Ironias à parte, cuidado com estas perguntas! Mas isto já é história para outra coluna. Quem sabe a próxima…
Fabio Gandour é formado em Medicina e um incansável observador social. Ele tolera pouco a apropriação de conceitos de uma área para atender exclusivamente as necessidades de outras áreas, principalmente quando estas necessidades contribuem pouco para o bem-estar comum.
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