Filosofando com abóboras
Se nossos caminhos nem sempre aparecem como o desejado, o que nos cabe é escolher como aproveitar a viagem
Se nossos caminhos nem sempre aparecem como o desejado, o que nos cabe é escolher como aproveitar a viagem
Na viagem da vida é preciso adaptar-se, acomodar-se da maneira que der, a bordo das situações que nos tocam. “Com o andar da carroça as abóboras se ajeitam”, dizemos, para abrandar as preocupações com algumas pendências. O vegetal pode variar, há quem prefira melancias. A imagem é de um veículo demasiado cheio, que mesmo assim segue em frente, na expectativa de que a carga entre nos eixos.
É uma boa evocação, pois, mimados e afoitos, queremos embarcar sempre com assento garantido na primeira classe. Custa-nos aceitar a incomodidade, é detestável a demora para ajeitar-se. Queiramos ou não, seguindo nas
ilustrações vegetais: requer certo prazo para amadurecer. É preciso paciência e coragem para equilibrar-se na borda da carroça, enquanto sentimo-nos olhados com curiosidade ou desprezo pelos que parecem estar por dentro. Ficar de fora dá vertigem.
Já a esperança da acomodação nem sempre se confirma e pode até não ser bacana que tudo fique tão encaixadinho. Uma vez a bordo, esses vegetais não podem nem precisam decidir o rumo para onde rolar. É um modo de viver, mas ele pode não nos interessar. Soube da existência de um grupo de amigos de longa data que se autodenominavam: “Os caídos do caminhão”. Nunca esqueci esse título, que achei doce e feito dos melhores elementos da fraternidade. Ele serve de metáfora para o fato de que há os que se diferenciam, encontrando para si diferentes ritmos e rumos, mas nem por isso estão condenados ao abandono na beira da estrada.
Os sentimentos que nos fazem interessantes
Há um lugar habitado por gente extraviada, descrito no livro As Vantagens de Ser Invisível, de Stephen Chbosky. Trata-se da “ilha dos brinquedos estragados”, à qual diziam pertencer os bem-humorados novos amigos do personagem principal. Antes de ser acolhido por eles, Charlie era totalmente desencaixado, de si mesmo, da família e da escola.
A brincadeira da ilha revela que eles se sabiam imperfeitos, avariados, que esse é um lugar para os que desembarcaram do ideal. Para suportar a imparidade dos outros é preciso ter descoberto a própria, e ela é feita de algumas cicatrizes, resultantes das passagens pela tristeza, angústia e desamparo. O garoto conhecia muito bem todos esses sentimentos, que fazem de todos nós interessantes brinquedos avariados. Não adianta choramingar, acusar o mundo e os outros de não nos acolherem. A essa ilha teremos que chegar nadando.
Os caídos do caminhão perderam a excursão, mas não a viagem, são os que podem perguntar- se para onde e como querem ir. Então, a turma das abóboras que rolaram para fora é a companhia que desejo, e a ilha dos colegas de Charlie é uma pátria que me interessa.
Diana Corso é autora do livro Tomo Conta do Mundo — Conficções de uma Psicanalista
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