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Maternidade é aprendizado, não apenas instinto biológico
(Foto: Ivan Radulovich/Unsplash) Instinto materno é um mito que torna a maternidade mais cansativa
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As mães sabem de muita coisa: quando vai chover ou esfriar, quando não confiar em alguém, quando o filho não está bem. Esse “sexto sentido” por muito tempo foi creditado como instinto materno, algo biológico das mulheres que em ação na hora que o filho nasce. Porém, não é bem assim.

Não é como se um software viesse implantado no cérebro de todas as mulheres, mostrando quando o bebê precisa de ajuda. Na verdade, o que acontece é a tentativa e o erro, a prática e a aprendizagem. Movimentos e pensadores feministas e da psicanálise negam a visão biológica da maternidade, e destacam o papel social de todos no desenvolvimento de crianças. O objetivo é tirar o peso do ombro de muitas mães que sentem culpa por não alcançar uma perfeição que não existe.

O mito do instinto materno

Instinto é um termo biológico que se refere a uma inteligência em grau primitivo de todos os seres vivos. É um conjunto de comportamentos animais inatos, que não foram ensinados ou passaram por um processo de reflexão. É algo que se nasce sabendo.

Se o instinto é uma tendência natural, será mesmo que existe instinto materno? Usar o termo se referindo a mulheres e mães seria afirmar que todas elas saberiam exatamente o que fazer ao ouvir um bebê chorando?

De fato, o termo não é adequado. Não há nada de inato e biológico no cuidado da mãe com o bebê. “Winnicott, um pediatra e psicanalista que estudou a relação entre mães e seus bebês e o desenvolvimento humano, diz que o que se chama instinto materno é na verdade uma função psíquica que se desenvolve através da experiência e da relação da mãe com o bebê. Não é, portanto, um ato biológico”, explica Patrícia Sena, professora do curso de Psicologia na UNG (Universidade Guarulhos).

O mito do instinto materno é uma construção social e recai sobre uma ideologia chamada de maternalismo. Quando os homens partiram para a vida pública de trabalho para manutenção de sistemas produtivos, deixando as mulheres com as tarefas domésticas e maternais, surgiu a ideia de que elas seriam “naturalmente aptas” a esse tipo de trabalho.

“Esta divisão social e sexual das tarefas precisava ser aceita e projetada culturalmente às próximas gerações – a transgeracionalidade –, criando-se assim a pseudoteoria ideológica do ‘instinto materno’.”

O maternalismo, no início do século 20, além de acreditar nesse instinto também enfatizava a importância da figura materna na construção da sociedade. Apesar de reivindicarem direitos às mulheres e políticas públicas voltadas a elas, a visão do movimento não passava da discussão dos valores domésticos femininos, reafirmando o reducionismo de gênero. 

Hoje, a discussão é diferente. A luta antimaternalista abre caminhos para entender que toda a sociedade deve assumir o cuidado com as novas gerações, não apenas as mulheres, e contra uma idealização de maternidade que leva à opressão e exaustão.

Então, o que é esse laço?

O instinto materno não existir não significa que as mães não sentem uma forte ligação com os filhos. Tudo pode começar lá na gestação e ser explicado por dois motivos: psicológico e científico.

“A gestação é uma preparação para a maternidade, a construção do papel de mãe. Durante a gestação a mulher é bombardeada com informações, experiências, sentimentos, sensações que atravessam a construção da sua própria experiência de gestar.  Então, a relação com a família, com o parceiro, com o contexto social e com as expectativas podem facilitar (ou não) a construção da maternidade. Logo, se falamos em construção, não se aplica a questões de instintos ou biológicas apenas”, aponta Patrícia.

O segundo motivo pela ligação é científico, explicado pela superprodução de hormônios durante a gravidez: a ocitocina e a prolactina, responsáveis pelo amor e instinto (esse sim) de proteção.

Idealização x realidade

Além dos desafios e coisas boas do dia a dia, a maternidade oferece uma jornada de autoconhecimento. Sem fórmulas, sem ritmo predefinido, sem respostas instintivas. Até quem lida muito com o assunto maternidade encontra desafios e sempre aprendem coisas novas, como as mães da equipe Vida Simples.

“Eu era uma mãe perfeita… antes de ter filho”, conta Débora Zanelato, diretora de conteúdo e mãe do Ben. Ela estudou muito, fez cursos, se preparou para todos os imprevistos, mas só na prática descobriu que ser mãe é um aprendizado constante.

“Eu não penso em instinto materno como algo biológico, mas penso em como esse amor, por vezes, é visceral, é potente e transformador, e revela muito de nós que a gente sequer conhecia.”

Mãe coruja assumida, Kátia Freitas é coordenadora de circulação da revista e mãe do Samuel, de 8 anos, que em todos esses anos se dedicou à tarefa de reconstruir e recalcular a rota na maternidade. “Aprendi muitas coisas com a minha mãe, mas com ele, sigo acertando, ajustando, errando, tentando novamente. Não existe uma fórmula. Há dias que acho que falho em tudo, mas quando vejo ele tão esperto, educado, inteligente e às vezes respondão quando se acha no direito dele. Sinto que estou indo pelo caminho certo.”

Ivana Moreira, CEO da Vida Simples, sempre teve o sonho de ser mãe, desejo realizado pelos filhos Pedro e Gabriel, de 21 e 16 anos. Mas só porque foi uma realização, não significa que todos os momentos foram perfeitos. “Brinco que a maternidade é um videogame. A próxima fase é sempre mais difícil.”

Para ela, era normal se sentir insuficiente com todos os malabarismos para dar conta da maternidade, estudos e profissão. No entanto, sempre apreendeu algo novo e se esforçou para deixar a culpa de lado. “Todo dia tem alguma coisa que você vai achar que poderia ter feito melhor. É um aprendizado. Realmente, não é instintivo. Aprendemos com o tempo.”

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