Como ajudar (de verdade) as crianças durante a alfabetização
Entenda o papel da família no processo de leitura e escrita, como criar um ambiente favorável para a lição de casa e porque a paciência é essencial no desenvolvimento infantil
Ajudar uma criança na lição de casa não é sempre fácil, principalmente quando elas estão no processo de alfabetização. Para os adultos, são simples os sons das sílabas, a pronúncia correta de “paralelepípedo” ou a diferença entre “S”, “SS” e “Ç”. No entanto, são coisas que não são claras para as crianças e isso pode estressar os adultos. O primeiro passo para auxiliar os pequenos na leitura e na escrita é entender que tudo isso é um processo e que eles precisam de companhia
Apesar da responsabilidade da alfabetização recair nas escolas, pais e responsáveis têm um papel essencial fora das salas de aulas. Mas como fazer isso da melhor forma e sem perder a paciência?
Entenda as crianças
No primeiro momento da alfabetização, que ocorre por volta dos 6 aos 8 anos de idade, as crianças não sabem ler enunciados e compreender os pedidos da lição de casa. Não é apenas uma questão de a professora explicar o que precisa ser feito. Na verdade, são os primeiros contatos desses alunos com conteúdos didáticos depois da educação infantil, período marcado pelas brincadeiras, e não lições.
Por isso, o primeiro passo para os pais e responsáveis é entender que os pequenos não estão só aprendendo a ler e a escrever, eles também estão conhecendo como funcionam as estruturas gráficas das lições. Muitas vezes, são enunciados, espaços e estruturas de respostas que não fazem sentido para as crianças porque são escritas para serem lidos por um adulto.
“‘O que significa sublinhar, grifar, circular, ligar?’, eles não sabem, são palavras que as crianças não estão acostumadas no dia a dia. Então, precisamos ensinar e explicar para eles o que é para fazer”, aponta a psicopedagoga Paula Berlinck, especialista em leitura e escrita.
Também é muito importante prestar atenção ao ambiente onde a criança está fazendo a lição de casa. Na sala de jantar, por exemplo, tem o irmão correndo e brincando, a televisão ligada, o barulho da cozinha; com certeza ela vai se dispersar com muita facilidade e dificultar o processo. Por isso é fundamental ter um cantinho organizado para a lição, sem muitas distrações visuais e sonoras.
“Uma terceira dica específica para esse momento de alfabetização é ter um alfabeto [impresso] disponível para a criança, porque, nesse momento, ter uma pista visual pode ajudar bastante”, ela indica.
“A função, de fato, não é ensinar. A função da família é ajudar a organizar.”
Antes da alfabetização, o letramento
Antes mesmo da alfabetização, existe um processo de extrema importância e que impacta o aprendizado dos pequenos: o letramento. A forma de entender a leitura e a escrita como uma prática social. Por exemplo: no passado, as pessoas liam e escreviam cartas para se comunicarem, o que é uma implicação prática das ações linguísticas.
O letramento acontece com crianças entre 3 e 5 anos e, assim como na alfabetização, a ajuda da família é igualmente importante para mostrar o papel diário da leitura e da escrita.
A criançada se espelha e começa a entender melhor o que é ler e escrever quando vê a família como exemplo. Porém, hoje em dia, muitas práticas que costumavam ser feitas no papel foram transferidas para o mundo eletrônico, o que dificulta a observação e a diferenciação de uma ação para a outra. Explica Paula Berlinck: “Isso é um grande problema, porque justamente os pais leem, escrevem, assistem e ouvem música, tudo num único aparelho, e as crianças perderam um pouco desse modelo. Então, para elas, o que é leitura, o que é escrita, o que é assistir?”
Antes, as crianças conseguiam perceber a diferença entre os portadores. Ler é nos livros, jornais, revistas; escrever é no caderno, no papel, em bilhetes. Assim, aos poucos as crianças aprendiam o que era desenho e o que era letra. Sabe a brincadeira de fingir que estava escrevendo com aquelas ‘minhoquinhas’ no caderno? Isso vinha direto dessa compreensão do que é letra.
“Resgatar isso com as crianças pequenas é uma ajuda imensa no processo de letramento: brincar de escrever, brincar de ler, brincar de desenhar na frente das crianças. Também é super importante para a coordenação visomanual da criança, para a discriminação visual e para a memória visual. Todas são coisas antecedentes à alfabetização e à lição de casa”, explica a psicopedagoga.
Coisas pequenas já podem fazer total diferença no letramento, como papel, caneta, lápis, canetinha e a companhia de alguém que possa conduzir a brincadeira. No futuro, se a criança já está acostumada a sentar e brincar com o pai, será mais fácil para fazer o mesmo na hora da tarefa de casa.
“Falo que a leitura e a escrita é igual a uma academia. O cérebro precisa ser treinado. Não adianta você querer pegar um sedentário e fazer ele subir um morro. No meio do caminho ele estará morto de cansaço. É a mesma coisa com essa questão da lição de casa, com a leitura e com a escrita. Não adianta deixar passar 8, 9 anos e querer que essa criança faça a lição de casa sozinha.”
E, ainda depois da alfabetização, é necessário dedicar atenção à aprendizagem. Depois de aprender a ler, começa um novo processo de decodificação, onde acontece a associação da letra com o som e dos significados de frases. Não é porque a criança lê, que ela consegue compreender o que está escrito. A autonomia acontece depois da fluência e compreensão na decodificação. Cada criança vai no seu tempo, umas mais cedo e outras mais tarde, por volta dos 8 e 9 anos.
O processo e a paciência
O que pode ajudar os pais e responsáveis é entender os processos utilizados pela escola na alfabetização. Muitas vezes, o método pelo o qual o pai foi alfabetizado é completamente diferente daquele que é feito na escola do filho. Acompanhar tudo isso tranquiliza a aprendizagem.
Às vezes, se não há a noção de que a alfabetização é um processo, com métodos específicos, as crianças acabam sendo cobradas em coisas que ainda não estão prontas para fazer.
E não apenas isso, adultos e crianças têm seus dias bons e ruins, o que interfere em como esse processo vai acontecer. Na hora da lição de casa, Paula indica que, se o adulto não estiver de bom humor, é importante pedir para outra auxiliar a criança. Afinal, os pequenos são muito espertos, percebem as variações de humor, podem te provocar ainda mais e tentar escapar do dever. Resultado: estresse para os dois lados.
Se a lição de casa começa a ser um momento de estresse diário, drama e brigas, é necessário procurar uma intervenção e entender mais a fundo o que de fato está acontecendo.
O contato com a escola é essencial para saber se é apenas no núcleo familiar que a criança tem esse comportamento. Às vezes ela faz tudo perfeito em sala de aula mas fica rebelde no ambiente familiar. Nesses casos, pode ser uma questão comportamental na relação entre pais e filhos, o que requer ajuda de psicólogos ou psicopedagogos.
Se esse não for o caso, há ainda a possibilidade de má adaptação à escola. “É muito comum que a criança esteja em uma escola em que o método não funciona do jeito que ela aprende, mas a criança não consegue falar isso. E, uma das formas de expressar que não tá bem na escola, é na hora da lição de casa, quando a ela quer dizer para os pais que não está legal no ambiente escolar – seja o método, a parte social ou mesmo a relação com a professora.”
Brincadeiras são aliadas
Tanto no letramento, quanto na alfabetização e na decodificação, brincadeiras e passatempos são fundamentais para desenvolver habilidades referentes à fala, à escuta e ao vocabulário.
Músicas, rimas e brincadeiras de mão, por exemplo, “tem um lugar importante para treinar as crianças, em uma questão da relação da percepção fonológica sem precisar estar no papel. Uma abstração dos portadores”, destaca Paula Berlinck.
Essas atividades e interações contribuem para a discriminação auditiva dos pequenos, evitando questões de defict no processamento auditivo central e entendimento mais amplo do idioma. Tudo isso tem grande impacto na fluência na leitura e compreensão.
Aquelas que estão acostumadas a conversar com a família sobre vários assuntos têm vocabulário mais amplo e, portanto, maior facilidade na leitura. A psicopedagoga também indica: não fazer vozes diferentes e infantilizar a fala depois que a criança tenha completado 2 anos de idade. O brócolis é brócolis e não “arvorezinha”. “É necessário se policiar, porque tem uma questão da aquisição de vocabulário que é fundamental”, completa.
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