Quem faz a sua roupa?
Buscar entender a origem do que vestimos é uma forma de lutarmos para que as condições precárias de trabalho sejam verdadeiramente extintas. Conheça o trabalho do Instituto Alinha
Buscar entender a origem do que vestimos é uma forma de lutarmos para que as condições precárias de trabalho sejam verdadeiramente extintas. Conheça o trabalho do Instituto Alinha
A infância é uma fase cheia de curiosidades sobre as origens. De onde vem os bebês? E a luz? Como a água chega até a nossa casa? Conforme crescemos, essas perguntas dão espaço a algumas mais intrigantes e desafiadoras, como a origem do universo. No dia a dia, entretanto, pouco incentivamos nossas crianças a se perguntarem sobre as raízes do que comem ou do que vestem. É como se a banana viesse do supermercado e a camiseta, da prateleira da loja. E assunto encerrado. Isso se perpetua para a nossa vida adulta: quantas são as vezes em que, antes de comprar algo, nos questionamos sobre sua fonte?
O interesse genuíno dos pequenos olhos ávidos pelo mundo cede seu lugar ao imediatismo das ações em tempos nos quais não há tempo a perder com reflexões diversas. Consumimos sem olhar para a cadeia que antecede as vitrines. As consequências são dolorosas, sejam no campo ou nas oficinas de costura. Diante dos nossos olhos, milhares de pessoas seguem trabalhando em situação análoga à escravidão, ou seja, de violação de seus direitos fundamentais. São jornadas de trabalho exaustivas, falta de acesso à infraestrutura básica, pouca ou nenhuma remuneração.
Gente que faz a diferença
O ano era 2014. Dari Santos estava terminando os estudos em Relações Internacionais e auxiliando uma doutoranda cuja pesquisa era ligada aos imigrantes bolivianos que faziam parte da cadeia têxtil em São Paulo. “Não tinha ideia do tamanho desse mercado e da informalidade a que essas pessoas estavam expostas”, diz ela. “Foi aí que me dei conta de que moda não era sobre o glamour das passarelas ou os editoriais de revista. Se você usa roupas, você tem alguma ligação com essa cadeia”, afirma. Ou seja, estamos todos envolvidos nesse cenário – e temos responsabilidade sobre ele.
A partir da constatação de que, infelizmente, o óbvio também precisa ser dito e reafirmado sempre que possível, Dari criou o Alinha, um instituto que trabalha assessorando empreendedores de pequenas oficinas a regularizarem seus negócios e os conecta com marcas e estilistas interessados em contratar uma oficina, garantindo preços e prazos justos.
Como o Instituto Alinha trabalha
Ao identificar uma oficina que esteja em situação informal, o Instituto Alinha faz uma primeira visita presencial para levantar todos os pontos que precisam ser alterados. Eles envolvem infraestrutura, saúde dos funcionários, segurança, relações de trabalho, questões fiscais legais, ventilação, iluminação e espaço físico.
A próxima etapa é a construção de um plano de ação. Ao longo de seis meses, com encontros ao menos uma vez por mês, o Instituto assessora, de forma gratuita, esses pequenos negócios para que saiam da informalidade e se tornem uma oficina Alinhada, o que garante que as pessoas que ali trabalham o fazem em condições justas e saudáveis.
Nesses seis anos de atuação, já foram mais de 500 costureiros atendidos pelo projeto. Dari compartilha que, assim que a assessoria termina, não há, por parte do Instituto, qualquer mediação entre a oficina e as marcas interessadas em contratar seus serviços. “Não somos nós que devemos dizer qual o preço a ser cobrado. Ensinamos o processo de precificação a eles para que cheguem sozinhos ao valor que considerem justo cobrar pelo trabalho que fazem. Nenhum de nós gostaria que alguém de fora dissesse quanto vale o que fazemos, porque quem está no dia a dia do negócio é que conhece todos os custos e esforços envolvidos na operação. Então, por que querer fazer isso com os outros?”, defende.
Tecnologia que transforma
No início de 2017, Dari percebeu que precisava ampliar a atuação do Alinha. Isso porque o processo que envolve a fabricação de uma peça de roupa não é entre duas pessoas, o costureiro e a marca. É preciso conscientizar também a terceira parte dessa equação, o consumidor. Mas como garantir às pessoas que determinada empresa é realmente confiável? Afinal, ela pode destinar parte de sua produção às oficinas Alinhadas, mas seguir contratando serviços clandestinos.
Depois de muita pesquisa e de trocas com pesquisadores que também estavam engajados nessa busca, Dari entendeu que um caminho seria garantir a rastreabilidade das peças, não da marca. Dessa forma, quem a compra consegue conhecer todo o trajeto percorrido até que aquela roupa pudesse ser vendida.
Nasceu, assim, a TAG Alinha, que é como um RG da peça. Em um sistema, a marca insere alguns dados como a ficha técnica do produto, quem são as pessoas que participaram da cadeia de produção, quanto elas receberam por isso e de quanto tempo precisaram para produzi-lo. Na segunda etapa, uma notificação é enviada ao costureiro para que confirme se as informações cedidas pela marca estão corretas. Depois, todos esses dados são salvos em criptografia (um conjunto de algoritmos que os transformam em códigos) em uma plataforma externa de blockchain, tecnologia que assegura que as informações não sejam alteradas depois da aprovação de todos os envolvidos no processo.
Por fim, é gerado um código que vai junto à etiqueta do produto e pode ser rastreado por qualquer pessoa na plataforma do Instituto. Que a gente se pergunte, todo dia e cada vez mais, como nossas roupas foram parar no armário. A curiosidade, por muitos esquecida lá na infância, precisa voltar a ser parte das nossas conversas – e preceder nossas ações.
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