A nova realidade de filmes no drive In
Lançar filmes no drive in antes de subir para as plataformas digitais parece ser uma alternativa não só deliciosa, como experiência, mas também estrategicamente eficiente
Algumas reflexões saem de filmes, outras, de experiências com filmes. Quando percebo, minha vida está toda misturada com aquilo que assisto. Já nem sei mais que filme é responsável por qual parte daquilo que eu sou hoje. Depois de três meses sem pisar no cinema – coisa que faço, praticamente dia sim, outro também, há 10 anos –, o drive in chegou não só como possibilidade comercial, mas como uma nova experiência de telona.
Eu nunca tinha estado num drive in antes. A primeira imagem que me vem à mente quando penso em ir-ao-cinema-dentro-do-carro é a do filme Grease. Mas o que era coisa de cinema, virou, nesses tempos de pandemia e de necessidade de se reinventar, novidade-que-veio-pra-ficar. Em Brasília, o Cine Drive In existe desde 1973 e agora deve estar bombando por lá. Rio de Janeiro, Curitiba, São Paulo e Porto Alegre enxergaram nesse modelo uma oportunidade e implementaram drive ins como alternativa para manter o mercado cinematográfico funcionando e abastecer o público sedento por narrativas na telona.
E é, de fato, uma alternativa genial. Além de ter a atmosfera vintage – porque remete a algo que só víamos nos filmes, na época em que ficar dentro do carro não era perigoso – é a chance sairmos do jejum imposto pela quarentena. Filmes em casa, temos visto de monte. Mas não há nada como ver na tela grande, com todos os recursos tecnológicos que a era permite – imagem digital perfeita, som através de uma frequência específica do seu rádio, vidros fechados garantindo a privacidade e o isolamento social.
Novos tempos para o cinema
A gente não sabe por quanto tempo os cinemas ficarão fechados – mas, pelo andar da carruagem, vai longe. Entrar no ambiente fechado de uma sala de cinema, mesmo que com lotação controlada, não será algo atrativo. Nem pro público, nem para as distribuidoras que terão que fazer mágica pra fazer a conta fechar com público menor. Na França, os cinemas estão reabrindo, mas a realidade lá está bem diferente da nossa. Acontece que a indústria mundial do áudio visual tem uma montanha de filmes prontos, outros sendo finalizados e saindo do forno, que têm que ser exibidos. As salas precisam gerar receita, os funcionários precisam receber salário, a show tem que continuar. Lançar no drive in antes de subir para as plataformas digitais parece ser uma alternativa não só deliciosa, como experiência, mas também estrategicamente eficiente.
Tomara! É uma chance de acertar, devagarzinho, o calendário que foi todo bagunçado dos lançamentos do áudio visual mundial. Até o Oscar já mudou pra abril, considerando que o que era pra ser lançado, ficou na gaveta. Dentro desse panorama sombrio que estamos vivendo e da falta de perspectiva de normalização e de diminuição do sofrimento de tantas pessoas, é delicioso pensar que a cultura e o entretenimento em forma de cinema podem voltar, aos poucos, a aquecer nossos corações. Eu senti uma euforia adolescente e tive a sensação de invadir a tela do drive in, como quem encaixa na alma um pedaço que faltava. Dito isso, é preciso também dizer que o #ficaemcasa continua firme e forte, para a segurança de todos e por respeito a quem realmente precisa sair.
Suzana Vidigal é tradutora, jornalista e cinéfila. Gosta de pensar que cada filme combina com um estado de espírito, mas gosta ainda mais de compartilhar com as pessoas a experiência que cada filme desperta na mente e na alma. Em 2009 criou o blog Cine Garimpo (www.cinegarimpo.com.br e @cinegarimpo) e traz, quinzenalmente, dicas de filmes pra saborear e refletir.
*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples
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