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Desenhar é uma metáfora para o viver
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A jornada mal começou e há muito que evoluir. A pandemia tem revelado mais sombras do que poderíamos imaginar existir

 

Decerto, um dos meus melhores resquícios de infância é a paixão por desenhar. Lembro bem a cena de um menininho, de mais ou menos sete anos, esperando a mãe cuidar dos cabelos enquanto recheava um caderno de desenhos com o máximo que a imaginação permitisse. Se algo não coubesse na folha era simples: hora de virar a página. Vinte anos se passaram e a paixão por desenhar foi sendo carregada no bolso. O apreço pela arte virou uma desculpa inventada para não assumir o medo. Não de desenhar. De errar.

Antes de tudo, quando a pandemia trouxe mais intensidade para os dias, inventei minha própria liberdade e busquei as sonhadas aulas de desenho. Lá conheci pessoas com história parecida: mini van-Goghs que ao crescerem, por algum motivo, pararam. As aulas eram como uma terapia em grupo. A comparação era proibida.

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Hoje o estúdio é o meu quarto. É de onde compartilho diariamente um pouco dos meus treinos artísticos e progresso em rede social. O apoio e incentivo de amigos tem mudado o jeito de encarar não o papel, mas a mim mesmo. Afinal, desenhar é sempre um resgate de algo em nós, da nossa vontade de transformar a realidade. Ilustradores conhecidos, como Steve Dikto, Gabriel Picolo, os irmãos Fábio Moon e Gabriel Bá, e a cartunista Laerte são a prova disso. Com seus traços e linhas alcançam cantos que mal imaginam existir. É aí que entendi o quanto podemos ser arte na vida de alguém.

Combinação de traços e cores

Desenhar será sempre uma metáfora para a vida. Preencher o papel em branco é mais do que a união de linhas, assim como viver é muito mais do que a soma dos nossos dias. Nossa perspectiva e paciência marcam o papel da mesma forma que marcamos as pessoas de alguma forma. A borracha vai ser necessária em algum momento e, às vezes, a borra vai seguir fazendo parte. Contudo, é preciso boa dose de autoperdão.

À medida que os dias vão passando, vamos amadurecendo. Aos poucos paramos de copiar e a nos compararmos e entendemos nosso estilo próprio. O nosso traço. E nessa jornada algum exagero irá fazer parte também. Cada linha conta algo e reforçar algumas delas enriquece nossa estrutura, e conta a história que queremos contar com mais segurança. Usar as sombras ao nosso favor é realmente uma arte.

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Curioso mesmo é quando só o rascunho já serve. E aí ficamos sem jeito diante da nossa mania de querer padronizar o viver. Nise da Silveira, psiquiatra brasileira que revolucionou o tratamento de esquizofrênicos por meio da arteterapia, já disse que normalizar a vida é deixá-la chata e monótona. Está certa. Nem o céu é de um tom só. Arte final não é aquela em nanquim, é aquela que capta o olhar e gera algo em nós. Como o cuidado que recebemos de alguém que amamos.

A jornada mal começou e há muito que evoluir. A pandemia tem revelado mais sombras do que poderíamos imaginar existir. Mas assim como no desenho, todo dia pode ser papel em branco. Ao final de cada um, quem define o traço e a assina a arte de viver somos nós. E isso ninguém apaga.

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