Diana Assennato quer mais espaço para mulheres na tecnologia
Diana Assennato acredita que mulheres podem trazer uma humanidade necessária para o desenvolvimento de novas tecnologias; leia a entrevista
Diana Assennato se lembra do dia, na sua infância, em que o pai levou o videocassete para o conserto. Quando voltou, veio com um saquinho, debaixo do braço, contendo sapatinho de boneca e giz de cera. Eram as coisas que a pequena ia guardando dentro do aparelho.
“Guardava ali, naquela caixa mágica, minhas preciosidades. A tecnologia, os aparelhos, sempre me atraíram”, conta. Caçula de três, gostava de videogame quando criança. Depois, de internet e cultura digital.
Formada em jornalismo e trabalhando na área, decidiu fazer mestrado em comunicação em Londres. No primeiro dia de aula, atrasada, entrou na sala e ouviu a professora apresentando o conteúdo: “era isso mesmo o que queria fazer”, pensou.
Mas em algum momento se deu conta de que estava na sala errada. Só que não tinha mais volta e pediu a mudança para o tal curso de mídias digitais.
Durante o mestrado, começou a se aproximar e a trabalhar com uma empresa de pesquisa de tendências e desenvolveu um estudo sobre e-commerce.
Apaixonada pelo tema, retornou para o Brasil e abriu uma startup, a Arco, uma ferramenta de pagamento de serviços direto pelo Instagram, que foi um baita sucesso.
O negócio não resistiu pela falta de maturidade, segunda ela, mas acendeu em Diana a vontade de não só entender sobre tecnologia como fazer com que os outros entendam.
É nisso que atua hoje e é também a ideia que defende: a importância de mais mulheres habitarem o universo da tecnologia.
Como surgiu o Ada, projeto que aproxima a tecnologia das pessoas?
Surgiu da minha vontade e de duas amigas jornalistas, a Natasha Madov e a Emily Canto Nunes, em falar sobre tecnologia de uma maneira que todos pudessem entender. Mas, especificamente, para mostrar para as mulheres que esse universo, que às vezes parece tão complexo, também é nosso. O projeto promove cursos e produz conteúdo sobre isso, tecnologia. E a inspiração do nome, Ada, vem da inglesa Ada Lovelace (1815-1852), filha do poeta Lord Byron e considerada a primeira pessoa a programar um computador na história.
Quais são as dificuldades enfrentadas para entender sobre o assunto?
Quando você começa a consumir conteúdo sobre isso, é tudo muito técnico e específico, tem muito jargão da indústria, termos em inglês. A Natasha fez uma pesquisa para entender, por exemplo, por que as mulheres, apesar de estarem com seus arquivos na nuvem e usando aplicativos e aparelhos, não se consideravam tecnológicas. A resposta é que ninguém estava falando a língua delas. E é importante entender a tecnologia como uma ferramenta, mas também como algo capaz de nos transformar socialmente.
Como essa área pode promover uma transformação?
Diana Assennato: “a tecnologia, os aparelhos, sempre me atraíram”
Estamos caminhando para uma pandemia de dependência digital forte. A gente não se dá conta, mas já está completamente viciada nos likes do Facebook ou do Instagram. Viciados naquilo que isso causa dentro de nós. E, mesmo que essas redes sociais um dia acabem, deixem de existir, já estamos totalmente dependentes dessa sensação. É algo que parece não ter mais volta. Isso porque mudou a gente profundamente, o nosso jeito de pensar e de se relacionar. É tanta praticidade e conforto que essas redes trazem para o nosso cotidiano que não percebemos do que estamos abrindo mão.
E qual a importância, no meio de tudo isso, de ter mais mulheres na tecnologia?
Quem está tomando as decisões sobre o que a gente consome e como consumimos são homens. Um dos melhores exemplos: o primeiro aplicativo de saúde que a Apple lançou vinha sem o controle da menstruação. Ou seja, não tinha nenhum engenheiro lá dentro que falasse “metade da população menstrua, como isso não está no aplicativo?”. Isso só aconteceu porque não tinha nenhuma mulher nesse time. Outro exemplo: a Samsung lançou um relógio inteligente que verificava parâmetros de saúde e não se considerou que a temperatura basal da mulher muda ao longo do mês. E daí, quando a temperatura dela aumentava, o relógio apitava avisando que ela estava mal. No final das contas, é um grupo restrito de pessoas que está desenvolvendo tecnologia.
Teríamos uma relação mais equilibrada com a tecnologia se tivéssemos mais mulheres?
Com certeza. Todas as pessoas que estão pensando em dependência digital são mulheres. Elas enxergam a tecnologia como um fim. Existe um olhar mais humano. De uma maneira geral, não pensam nas pessoas apenas como usuárias, mas como pessoas, que sentem, pensam. Mas a grande questão é que existe cada vez menos gente nessa área. Estamos formando menos mulheres em tecnologia do que na década de 1980.
Estamos caminhando para uma pandemia de dependência digital forte. A gente não se dá conta, mas já está viciada nos likes das redes sociais
Por que isso?
A academia não está pronta para essas mulheres. O ambiente é hostil, a maioria desiste antes de terminar. E quando vai procurar emprego, em geral, é a única mulher no meio de um grupo de homens, e as suas capacidades intelectuais serão testadas o tempo todo.
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Conteúdo publicado originalmente na edição 210 da Vida Simples
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