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    Racismo e envelhecimento: pesquisa revela desigualdades entre idosos
    Freepik
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    Envelhecer não é um processo fácil. Exige planejamento, cuidados e acompanhamento multiprofissional. É uma fase natural da vida, mas que no Brasil ganha questões políticas e sociais que particularizam esse processo. Em pessoas negras, o resultado não é positivo: se vive menos e com menor qualidade de vida, além do envelhecimento ser marcado por ausência de políticas públicas. É o que mostra o estudo “Envelhecimento e desigualdades raciais”. A pesquisa foi realizada pelo Centro Brasileiro de Análise e Desenvolvimento (Cebrap) em parceria com o Itaú Viver Mais.

    O estudo leva como parâmetro os índices que qualificam o envelhecimento ativo. Entre eles estão autoestima, bem-estar, atividade física, mobilidade, inclusão digital e inclusão produtiva. A pesquisa foi realizadas em três diferentes capitais brasileiras: São Paulo, Porto Alegre e Salvador. Elas foram escolhidas justamente por apresentarem um alto índice de envelhecimento populacional.

    E, embora seja natural, o envelhecimento é marcado por aspectos biopsicológicos e culturais com marcadores de classe, gênero e raça. “Em nossa cultura, a velhice e o tema do envelhecimento recebem estereótipos e preconceitos“, sugere o estudo. Isso vai desde as ideias de incapacidade e inutilidade até a exclusão de espaços públicos, das formas de convívio e do exercício de atividades profissionais.

    Envelhecimento e racismo no Brasil

    Segundo a projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizada em 2010, a população idosa (acima de 60 anos) chegará a 66,5 milhões de pessoas até o ano de 2050. Hoje, 48% da população idosa atual (em torno de 32 milhões) considera-se negra.

    “Ainda assim, vigora no Brasil uma cultura de considerar a velhice um momento de improdutividade, de peso e estorvo à família e à sociedade, e isso reflete ao tratamento que é dado às pessoas idosas”, destaca Patrício Carneiro, professor de Antropologia na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). Na avaliação do pesquisador, os idosos são relegados a uma posição de improdutividade.

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    Além disso, entre a população negra, há uma série de particularidades que implicam em um envelhecimento precarizado. De acordo com o estudo do Cebrap, cerca de 7% dos idosos acima de 65 anos dependem do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Na população branca de mesma idade, essa porcentagem é de 3%.

    “Isso se deve ao fato de que esses indivíduos historicamente têm estado inseridos em uma realidade social permeada por desigualdades que persistem ao longo dos anos, desde a época da escravidão e libertação dos escravos“, explica Yohana Tôrres, socióloga e pesquisadora de gênero e envelhecimento feminino na Universidade Federal do Ceará (UFC).

    Segurança financeira é menor em pessoas negras

    A pesquisa aborda, além do envelhecimento, as principais áreas sociais que contribuem e fortalecem o envelhecimento ativo. Um deles, por exemplo, é a segurança financeira.

    Os resultados mostram que as pessoas negras vivem com menor renda e se preocupam mais em como pagarão as contas.

    Em São Paulo, 21% dos homens brancos afirmou ter dificuldade ou preocupação em pagar as contas mensais. Entre os homens negros dessa faixa etária, o percentual saltou para 73%, segundo o estudo. 

    Essa diferença entre a percepção de dificuldade em pagar as contas mensais também se destaca em Porto Alegre, na faixa acima dos 80 anos. Entre os homens brancos, apenas 17% revelaram dificuldade em equacionar os pagamentos, sendo que entre os homens negros essa preocupação passa para 67%.

    Para Patrício Carneiro, isso impacta no acesso à alimentação saudável e adequada, já que há dificuldades financeiras. “Por isso, a população negra está contínua e constantemente morrendo, ou de forma natural acelerada pela negligência do Estado, ou de forma artificial”, explica ele, que é doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP. Para o pesquisador, o Estado falha em proteger os cidadãos e atua de forma negligente. “Termina lançando essas populações num ambiente de maior vulnerabilidade e exposição à violência.”

    Acesso à saúde é desigual nas cidades estudadas

    Para o estudo, além do Sistema Único de Saúde (SUS), cerca de 32% dos entrevistados acessaram serviços privados. Chama atenção as desigualdades raciais em Porto Alegre, onde mulheres e homens brancos de todas as faixas têm maior acesso a tais serviços. Nessa cidade, comparando-se os dois grupos raciais, 47% das pessoas brancas acessaram serviços de saúde privados, enquanto  entre as pessoas negras esse número é de apenas 24%.

    Patrício Carneiro avalia que, além do fator que levou a escolha das cidades, há marcadores sociais importantes. Primeiro porque Porto Alegre é uma cidade predominante branca (79%, segundo dados de 2019), ao contrário de Salvador, que tem 79,5% de pessoas negras. Já São Paulo traz um recorte mais plural dos dois grupos, com 63,9% de brancos e 34,6% de negros.

    Além disso, a mortalidade de pessoas negras nas cidades pesquisadas é maior. Em São Paulo, 71% das mortes entre homens negros ocorrem até os 69 anos, enquanto entre os homens brancos esse percentual é de 48%. Na mesma cidade, é mais frequente que pessoas negras usem ônibus (73%), enquanto 63% das mulheres brancas usam o carro como transporte principal.

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    Embora o período de escravização de pessoas negras no Brasil seja definidor para explicar as desigualdades raciais do país, há outros elementos contemporâneos que mantêm o problema. “Resultado de escolhas de hierarquia de prioridades construídas contemporaneamente independentes do passado colonial”, explica Patrício Carneiro. 

    Para Yohana Tôrres, o sistema capitalista brasileiro, ao longo do tempo, desempenhou um papel para a manutenção das desigualdades sociais.

    “Assim, a conjuntura atual do racismo no Brasil é um resultado da interação complexa entre resquícios históricos do período colonial, políticas de inclusão insuficientes e um sistema econômico que favorece determinados grupos étnicos”, explica.

    A pesquisadora defende que, nesse sentido, é preciso existir políticas públicas que possam trazer um papel resolutivo aos problemas e atendendo às particularidades de cada grupo. “Os dados coletados podem, sem dúvida, servir como subsídios valiosos para a formulação de políticas públicas direcionadas às pessoas negras”, sugere.

    Para Izabel Accioly, mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a formulação de novas políticas, com foco no envelhecimento, é fundamental para permitir uma maior qualidade de vida. Segundo ela, o racismo continua explorando e expropriando o povo negro. Especialmente, no caso das mulheres, o machismo, tarefas de cuidado não remunerado, tripla jornada de trabalho e falta de segurança financeira levam a um envelhecimento precário.

    “É necessário que políticas públicas entrem em formulação e que a implementação ocorra de forma sensível, para reduzir essas desigualdades”, explicita a pesquisadora.

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