Dezenas de pessoas reunidas no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Geralmente, o primeiro pensamento que vem à cabeça é se encontrar com amigos para praticar esportes, fazer um piquenique, ou apenas curtir um ar livre com natureza para fugir do rotina frenética da capital. Mas, neste 13 de abril, algo não tão comum assim chamou a atenção: um encontro de “mães” de bebê reborn.
Nas redes sociais, cada vez mais conteúdos surgem sobre o assunto. Até simulação de parto de um boneco viralizou e gerou discussões entre os usuários. Sabemos como funciona a internet: opiniões extremas entre quem defende e quem critica qualquer movimento. Mas, afinal, o que é bebê reborn e quais são os possíveis impactos deles no emocional?
Entre a fantasia e a realidade
O bebê reborn é um boneco hiper-realista criado para reproduzir com perfeição as características de um recém-nascido. De relance, é fácil confundir com um bebê de verdade. Cada detalhe – da textura da pele aos cabelos, olhos, veias e demais traços do corpo – é cuidadosamente trabalhado para simular com fidelidade a aparência e a delicadeza de um ser humano real.
Mas, até que ponto é saudável a relação de apego com um boneco? Psicóloga do Hospital Nove de Julho, Ana Luísa Casaroli explica que é importante ter cuidado com o tema neste momento, já que o bebê reborn é relativamente uma novidade. “É preciso se debruçar mais, estudar mais sobre o assunto. É fundamental que o campo da psicologia e da psiquiatria realize mais pesquisas sobre o tema.”
No entanto, ela afirma que é fundamental que as pessoas que cuidam de um boneco hiper-realista tenham consciência que o bebê reborn é apenas um objeto. “É uma relação no campo lúdico, no campo da fantasia. Portanto, é necessário diferenciar de uma relação entre seres humanos. Essa é a primeira prerrogativa. É saudável se a companhia desse bebê for simbólica. Na brincadeira mesmo”, diz.
A psicóloga Larissa Fonseca também reforça que a relação pode ser saudável até certo ponto. Ela explica que a idade influencia na relação com o boneco. Com crianças, o bebê reborn pode ser integrado de maneira saudável no brincar simbólico com uma extensão da imaginação. Porém, a situação é mais sensível com adultos.
“Principalmente diante de tendências recentes, como partos simulados e a construção de rotinas maternas para os bonecos, é fundamental avaliar se a relação é uma expressão lúdica, um processo de superação emocional, ou uma tentativa de substituir afetos humanos por vínculos controláveis e previsíveis. O contexto emocional que sustenta esse vínculo faz toda a diferença.”
Os sinais de que saiu do campo lúdico
Larissa reforça que o apego se torna preocupante quando o reborn deixa de ser uma ponte para o real e passa a se tornar o centro exclusivo da vida emocional.
“Quando a realidade afetiva se restringe ao vínculo com o objeto, é necessário olhar com atenção para o que essa relação simbólica tenta proteger ou esconder.”
Conforme análise da psicóloga Ana Luísa, é essencial não ser taxativo em afirmar que, necessariamente, há alguma questão na relação afetiva. No entanto, ela avalia que é um indicativo importante de dificuldade de se relacionar normalmente com a realidade, o que se transforma em um mergulho no campo da fantasia.
De acordo com as especialistas, existem alguns sinais que indicam que a situação saiu do campo lúdico: isolamento; dificuldade em manter vínculos humanos; sofrimento sem o boneco; e prejuízo na rotina de trabalho, estudos ou convivência familiar. O bebê reborn, que deveria ser um instrumento de acolhimento temporário, passa a ocupar o lugar de relações reais.
O brincar e a fantasia são elementos da nossa vida mesmo na fase adulta. Portanto, o ideal é saber quando inseri-los no cotidiano e distinguir essas experiências da realidade. “O apego excessivo a esses bonecos pode, sim, estar demonstrando algum transtorno de personalidade ou uma dificuldade emocional no enfrentamento de alguma situação da vida”, ressalta Ana Luísa.
Larissa reforça que o apego excessivo pode gerar “quadros de ansiedade, depressão grave e até desencadear transtornos de personalidade, como o esquizoide – condição caracterizada por alucinações em que a fantasia se funde à realidade.”
Ela afirma que, ao perceber sinais de alerta nessa relação, o primeiro passo para pessoas próximas, como amigos e familiares, é agir com empatia e sem julgamentos.
“Criticar ou ridicularizar pode reforçar o isolamento. Além disso, devemos abrir espaço para conversas acolhedoras, demonstrar interesse genuíno pelos sentimentos da pessoa e sugerir apoio psicológico como a melhor forma para enfrentar as situações difíceis e aprender objetivamente a lidar na prática com as situações.”
Bebê reborn é utilizado de forma terapêutica
Um trabalho apresentado no 10º Congresso Internacional de Envelhecimento Humano mostrou que a terapia com bonecos hiper-realistas pode auxiliar idosos com Alzheimer. Como resultado, houve desenvolvimento de afeição, socialização e sentimento de utilidade que “resgatam a memória afetiva dos pacientes”.
“A presente pesquisa comprovou relevante contribuição para a recuperação da capacidade emocional dos idosos submetidos à intervenção e manuseio das bonecas. Portanto, constatou-se que o efeito terapêutico é eficaz principalmente ao amenizar comportamentos de agitação cotidiana”, afirma trecho do estudo.
De acordo com Larissa, a terapia com bebê reborn em idosos com essa condição ajuda a “criar conexão, reduzir ansiedade e estimular o cuidado”. No entanto, ressalta: “Pode ser utilizada somente em contextos clínicos muito específicos.”
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