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    Primavera: veja estratégias inspiradas na natureza para você prosperar
    Georgia de Lotz
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    Em setembro de 1946, o cronista Rubem Braga se pôs a lamentar o fato de que, nos trópicos, a primavera não nos chega apoteótica. Por aqui, ele observou, pesaroso, “não há neves que se derretam nem campos que se cubram de flores instantâneas”. Porém incentivou o “exercício fino” de se auscultar os primeiros sinais da estação mais artística de todas. Irrecusável, não?

    Assim, do alto de sua cobertura em Ipanema, transformada num jardim suspenso com banco de madeira à sombra de frutíferas e jeitão de roça, ele avistava os dias primaveris se inaugurarem com a ligeira marcha do Sol na direção Sul, o que antecipa o clarão do céu pela manhã e puxa o canto das primeiras cigarras. A Terra está em festa novamente. As árvores se enfeitam; nós e a passarinhada nos alegramos diante do espetáculo gratuito.

    Passados 34 anos, o “fazendeiro do ar” – assim apelidado por causa da devoção ao seu pedaço verde – tornou a escrever sobre a primavera. Dessa vez, se dirigia ao poeta Vinicius de Moraes, falecido dois meses antes. É que o cronista havia se prontificado a vigiar, em nome do amigo, as belezas da Criação.

    Abrindo o ciclo de renovação e cura

    Então lhe contava: “O sinal mais humilde da chegada da primavera vi aqui junto de minha varanda. Um tico-tico com uma folhinha seca de capim no bico. Ele está fazendo ninho numa touceira de samambaia, debaixo da pitangueira”. É assim mesmo, Braga.

    Por isso, não por acaso, de setembro em diante a vida a céu aberto nos reconvoca. Quer que a gente se espreguice, deixe a toca e sinta a seiva que, renovada, nos percorre e nos impulsiona de volta para o mundo. Quantas promessas estão guardadas nos botões que hão de se exibir aos passantes?

    Do mesmo modo, ao aspirar os perfumes recém-espargidos por Gaia, a escritora Clarice Lispector se percebia sorridente e esperançosa como um anjo no novo ciclo da primavera. “Impossível que essa doçura de ar não traga outras!”, exultava. “Sinto estremecimentos à toa quando um passarinho canta, e sinto que sem saber eu estou reformulando a vida.”

    Ilustração Tiago Gouvêa / @tgouvea

    Do breu para o esplendor

    Sim, Clarice, você e todos nós. Afinal, esse é o chamado primordial desta temporada. “A luz do Sol incidindo em nossas pupilas nos incita a enxergar também com os olhos da alma a exuberância da natureza em seu florescer, nos convidando a renascer”, interpreta a psicóloga junguiana e arteterapeuta Patrícia Pinna Bernardo.

    Além disso, haverá nascente melhor para novos começos do que o encantamento por aquilo que brota do nosso chão aliado ao desejo de extrair o mais pulsante em nós? Para se avivar esse estado alvissareiro, Patrícia sugere algumas práticas sintonizadas com a estação. “Caminhar na natureza, fazer arranjos e jardins floridos em nossas casas, tomar sol, banhos de mar e de floresta.

    E, principalmente, fazer arte, muita arte, que é uma forma de mantermos um portal aberto para a primavera, mesmo no pior dos invernos”, destaca. É desse jeito que ela se nutre do fulgor primaveril, como diz, para ter sempre “uma reserva de entusiasmo”, palavra oriunda do grego, que quer dizer “estar repleto de Deus”.

    Ilustração Tiago Gouvêa / @tgouvea

     

    O ciclo da primavera e o mito

    Por falar na Grécia, impossível dissociar a primavera do mito de Deméter e Perséfone. Mãe e filha, protagonistas de um drama que, literalmente, rachou a Terra. Deusa dos campos cultivados e da criatividade, Deméter garantia a abundância das plantações e a exuberância da flora pelo ano todo.

    Porém, certo dia, sua filha, Perséfone, sumiu. Pois fora raptada por Hades, rei do mundo subterrâneo dos mortos e das sementes. Desolada, Deméter passou a viver para rastrear a filha. Com isso, os campos secaram. Deles não nascia mais nada. Em compensação, a tenacidade da deusa permitiu que ela descobrisse o paradeiro de Perséfone e fizesse um acordo com Hades. De maneira que numa metade do ano teria a companhia da filha e, na outra, esta retornaria ao subsolo, onde fora feita rainha.

    Pois bem, o regresso de Perséfone à superfície terrestre marca o início da primavera, ciclo de renovação, quando Deméter derrama sua felicidade por todos os cantos na forma de plantas e flores frescas. Já a estada de sua cria nas entranhas da terra gera o outono e o inverno – espelhos da tristeza materna.

    Em suma, esse mito ilustra o que sentimos quando ciclamos com as estações. Se os meses frios são propícios ao recolhimento e ao cultivo da vida interior, em que repousam tanto as sementes dos nossos sonhos e desejos como nossas sombras, na primavera tudo conspira para que a gente se destranque e espalhe ideais, saberes, sentimentos e afetos. “Ela cutuca nossos sentidos e avisa: preciso de espaço para abrir portas e janelas para o novo entrar. Nos sentimos mais aptos às relações sociais e com mais desenvoltura para externalizar nosso universo”, observa Nara Vieira, terapeuta corporal, professora de dança e reeducadora do movimento.

    Entre flores, cura

    Aprendemos ainda com a mitologia que, neste planeta, há o tempo de prantear e o de vicejar. Quem já viveu um tanto sabe que esse conhecimento se firma na vida vivida, tenha o custo que tiver, cada um dos humores da existência.

    E quando adentramos a primavera, esse ciclo de renovação se inicia com o convite para migrarmos da escuridão rumo à superfície infestada de cores nos toca feito bálsamo, como experimentou Nara, veja só, em solo grego. “Cecília Meireles sempre cochichou em meus ouvidos: ‘Aprendi com as primaveras a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira’. Sem essa poesia, mal sobreviveria à perda repentina de um irmão de sangue e de alma”, ela começa a contar.

    Na época, Nara visitou o berço da filosofia para participar de um congresso e lá se viu amparada de um jeito quase mágico. “Faltando pedaços, uma primavera me recebeu na terra de deuses e milagres. Ganhamos pessoas e prêmio no congresso, saco de cerejas na feira, danças tradicionais em festas populares testemunhadas pelo Mar Egeu.

    E como não se emocionar com campos vermelhos de papoulas silvestres, acompanhadas de espartas-flores amarelas emoldurando estradas?”, recorda. “Meus olhos e coração descobriram flores mínimas espiraladas nascendo em muros delfos de pedra. Vi as mais belas rosas. Foi o início do luto em meio à soberana vida soberana. Durou primaveras, mas sempre, primavera”, poetiza Nara.

    Ilustração Tiago Gouvêa / @tgouvea

     

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    Tempo de recomeçar

    Energia sagrada

    Resta a curiosidade: como o desabrochar da natureza é reverenciado por aqui, de um jeito bem nosso, pela brasileiríssima umbanda? Embora não promova um culto específico para celebrar a estação das flores, essa tradição se sintoniza com a energia da vida nova – sagrada.

    Enfim, é o mês de homenagens e comemorações das crianças, Erês, que coincide com a festa de Cosme e Damião, símbolo do renascimento e da restauração, esclarece Adriano Camargo, dirigente do Templo Escola da Umbanda Ventos de Aruanda e especialista no uso ritualístico e religioso das ervas e elementos da natureza. “Por ser um momento que nos remete à fertilidade, concepção e renovação, associamos a primavera à Mãe Orixá Oxum, nossa Sagrada Mãe do Amor em todos os sentidos, do Divino ao humano, e ao Pai Oxumaré (na nossa vertente), Pai do Amor e da Renovação”, ele complementa.

    Na compreensão do Erveiro, como é conhecido, nós precisamos desse respiro, ou seja, atentar para o fato de que o inverno passou e que o ar gélido e as noites longas darão lugar às luzes e às cores. Para enaltecer a nova temporada, a primavera, ciclo de renovação e cura, ele sugere a presença de flores em casa e, se possível, no local de trabalho.

    Dessa forma, “receba-as com boas-vindas e peça de coração que sejam fontes vivas irradiadoras de vibrações benéficas, curadoras e transmutadoras de qualquer forma de acúmulo energético, vibratório e espiritual, formas-pensamento e presenças conscientes ou não, que sejam nocivas ao bem-estar da casa e da família”, orienta o religioso.

    Plantas e rituais para renovação e cura na Primavera

    Ele ainda lembra que as plantas são grandes fomentadoras de rituais, tais como banhos e defumações. Sendo assim, que tal na semana que antecede a chegada da primavera ofertar a si mesmo um banho de limpeza energética e cura? Você vai precisar de arruda, eucalipto, guiné, manjericão comum, alecrim, sálvia e boldo.

    Contudo, na semana posterior ao equinócio, vale um banho para renovar e colorir a alma, com alfazema (lavanda), jasmim, camomila, macela, pétalas de rosas brancas, pétalas de rosas vermelhas e anis-estrelado.

    E assim, na primavera, ciclo de renovação, até os mais distraídos ou resistentes, uma hora, se contagiam. “O esplendor da natureza vence barreiras. Como ignorar o superlativo da vida?”, indaga Nara Vieira. Cecília Meireles escreveu sobre essa mesma certeza: “A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la”. Pois, aos olhos da poeta e escritora, “é certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação”.

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