Com meus 11 ou 12 anos, já desejava ser um surfista. Numa ensolarada manhã, entrei na loja de artigos de praia que ficava embaixo do prédio em que eu passava as minhas férias de verão, comprei a prancha azul clarinha de isopor e corri para a praia.
Lá estava meu tio Zeca me esperando (se você é um companheiro frequente da newsletter “Café da manhã de domingo”, foi o mesmo que me salvou do “homem do chinelo preto”). Para ensinar a me equilibrar, me levou até onde ele conseguia ter pé, pediu para eu subir na prancha e me segurar na cabeça dele.
Uma onda surgiu no horizonte, agarrei os cabelos dele para não perder o equilíbrio (arranquei um bom tanto, por sinal) e ele me empurrou. Foi a primeira vez que senti a sensação mágica de um pedaço do mar me carregar de pé.
– Eu era um surfista.
Porém, a vida me dizia que eu seria mesmo um surfista, quando tivesse uma prancha de fibra. Segui surfando com a de isopor, mas já não me bastava.
– Para eu ser um surfista, agora eu desejava a prancha de fibra.
Uns dois anos depois, ganhei do meu pai a minha primeira prancha de fibra. Em Piçarras, meu tio novamente me empurrou. Foi incrível.
– Agora sim, eu me sentia um surfista.
Então, a vida se encarregou de me dizer que para ser realmente um surfista com a prancha de fibra de vidro, seria muito bom ir surfar na praia do Quilombo, que tinha ondas melhores para a prática do esporte.
Segui praticando em frente ao meu prédio, mas não tinha mais graça.
– Para ser um surfista, eu precisava ir para o Quilombo.
Chegou o grande dia e mudei meu destino. Belas ondas se desenhavam no Quilombo e corri para dentro do mar. Uma onda apontou do horizonte, eu remei com todas as minhas forças, ela me empurrou e – pela primeira vez – eu surfava uma onda que parecia ser feita para ser surfada, com minha prancha de fibra de vidro.
– Eu, agora, definitivamente era um surfista.
Em pouco tempo, a vida, sempre implacável, me indicou que se eu estava gostando daquela sensação, a hora que eu conseguisse surfar em Navegantes, eu ia sentir a real sensação de ser um surfista. Levei algum tempo surfando no Quilombo, mas já não me satisfazia mais.
– Eu queria ser um surfista e, para isso, precisava ir para Navegantes.
Chegou o grande dia de virar um surfista e fui para Navegantes. Remei até o fundo, esperei, uma onda apontou no horizonte, remei com todas as minhas forças e por um longo trajeto, aquela linda parede cristalina me carregou. Parecia que não teria fim. Eu estava nos céus.
– Eu agora sim era um surfista.
Após sair da água, adivinha quem apareceu. A vida, me indicando que surfista mesmo era quem desliza as belas ondas e tubos da Joaquina. Levei um tempo surfando no Quilombo e Navegantes.
– Apesar disso, não me sentia um surfista.
Me mudei para Florianópolis e, em um belo dia de sol, corri para a Joaquina. Grandes ondas quebravam. Remei até o fundo, esperei uma onda que apontou no horizonte, remei com todas as minhas forças e, com um poder imenso, a onda me jogou para frente e me colocou dentro de um tubo.
– “Agora sim eu sou um surfista.”, gritava minha mente.
Só que a vida estava na areia me esperando. Surfista era quem surfava ondas perfeitas fora do Brasil. Assim, segui. Praticando na Joaquina, para ser surfista em El Salvador. Lá, achei que seria um surfista. A vida, com isso, a cada sessão surfada, me apresentava um novo desejo.
– A Califórnia, sim, é que abrigava os surfistas de verdade.
Hoje, vivendo aqui, olho para trás e vejo o amor platônico que vivi. O constante desejo pelo que não tinha e, quando tinha, já não me bastava mais.
A vida sempre nos apresentará a promessa do algo melhor que instigue o nosso desejo. O desejo do paraíso, e assim passamos a vida atrás de conquistá-lo. Desejo ainda do sucesso e da riqueza, e assim trabalhamos incansavelmente para tê-los. Também da felicidade, que nos entristece dia a dia ao tentarmos alcançá-la.
O problema não está em desejarmos, mas, sim, em não encontrarmos prazer no hoje, na expectativa de alcançar essas ofertas.
Viver intensamente a sua realidade presente não significa esquecer o seu passado e nem muito menos deixar de projetar o seu futuro. Significa, sim, aproveitar tudo que o hoje tem para te dar.
Hoje, quando olho para minha relação com o surf, vejo que, em todos eles, fui surfista. Seja arrancando os cabelos do meu tio Zeca, saindo de um tubo na Joaquina ou em algum lugar paradisíaco do mundo.
Aproveito onda ruim, onda boa, prancha de isopor ou fibra, sempre buscando encontrar em mim o mesmo sentimento que tive quando aquela prancha de isopor me carregou, empurrada pelo meu tio Zeca pela primeira vez.
A vida segue tentando me convencer que o melhor ainda está por vir, mas, hoje, nesse caso, ela não me pega mais.
Trabalho olhando para o futuro, mas sigo me entregando ao surfista que sou no presente.
E você? Está vivendo no agora ou vai seguir correndo atrás, sempre, do melhor que ainda está por vir?
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