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    O que é a democracia?
    Foto: Womanizer Toys/Unsplash
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    Passeando pela livraria outro dia, reparei que a pra­teleira de destaques trazia alguns títulos sombrios: A Crise da Democracia Liberal, Como as Democracias Morrem, Como a Democracia Chega ao Fim.

    Essas capas são reflexo do que se anda dizendo nas salas de aula, nos botecos e nos debates de televisão: será que a democracia está passando por uma crise no mundo? Estaremos nós próximos de ver o fim desse regime de governo? O que isso quer dizer?

    Para alguém como eu, que acompanha a política desde a infância, esse debate é familiar (e preo­cupante). Na faculdade de Ciências Sociais, há dez anos, já se debatia a crise dessa forma de governar.

    A mesma preocupação aparecia no curso de jornalismo, profissão tão dependente da democracia para existir. Mas nós, os que respiramos e transpiramos política, não somos a maioria.

    Perguntei-me se a maioria das pessoas que passa por aquela prateleira na livraria entende qual é a importância da democracia. E por que o diag­nóstico de que ela estaria morrendo é tão preocupante.

    Temos o privilégio de confundir as palavras “democracia” e “política”, mas elas não necessariamente são sinônimos.

    A história da democracia

    A democracia nasceu há mais de dois mil anos, na Grécia – mais precisamente em Atenas. Quando surgiu, essa filosofia de governo era apenas mais uma em meio a monar­quias, tiranias, oligarquias. E ela não era exatamente bem vista.

    Filósofos como Aristóteles e Platão não viam grandes vantagens em dar o poder ao povo. Pelo contrário, temiam que tal maneira de conduzir uma cida­de pudesse levar ao caos.

    Apesar dessa desconfiança, a democracia se tornou o regime de governo sob o qual vive 56% da população mundial (contra 20% em 1985), de acordo com dados do Polity Project.

    Sem dúvida, a democracia trata-se de um grande sucesso. Antes, era o regime de apenas uma cidade grega, que não tinha mais do que centenas de milhares de cidadãos. Hoje, ela é um valor mundial, embora esteja numa aparente crise.

    Por que será que a democracia sobreviveu duran­te tanto tempo? Winston Churchill, primeiro-ministro do Reino Unido, disse certa vez que “a democracia é a pior forma de governo, exceto por todas as outras”.

    Além do óbvio senso de humor do político britânico, há nessa frase algumas ideias importantes, que ajudam a explicar o simul­tâneo sucesso e a decepção que a democracia provoca.

    Por que a democracia faz tanto sucesso?

    Desde seu surgimento na Grécia Antiga, essa forma de conduzir os assuntos públicos mudou bastan­te, assim como o fez o mundo. Em vez de viverem em cidades, as pes­soas hoje moram em países, com milhões de habitantes.

    No lugar de uma economia limitada às distân­cias que podiam ser percorridas no lombo de animais e em barcos, temos hoje um fluxo ininterrupto de mercadorias, informações e pesso­as.

    Também a democracia passou por essas mudanças. Antes, ela era um sistema que se baseava na pos­sibilidade de participação direta de todos os cidadãos atenienses nas decisões da cidade.

    Hoje, ela é representativa, ou seja, o povo vota e elege pessoas especializadas em lidar com o mundo da política em nome do coletivo. Seria impossível transpor o modo de governar de Atenas para o mundo em que hoje vivemos, muito mais populoso, com relações políticas, econômi­cas, sociais e internacionais mais complexas e imprevisíveis.

    Mas uma ideia central é o ponto de ligação que sustenta essa via­gem de dois mil anos que a de­mocracia fez. Nós e os atenienses temos em comum o princípio de que a melhor maneira de existên­cia política de um povo é aquela em que todos têm liberdade para pensar, expressar suas ideias, agir e participar da maneira que prefe­rirem.

    Liberdade política é a base da democracia

    Herdamos da antiguidade a liberdade política. E, apesar das diversas diferenças, isso é o que so­breviveu em nossas democracias. Gosto muito da formulação da filósofa italiana Nadia Urbinati, professora na Universidade de Columbia (EUA).

    Baseada em autores clássicos da política, ela diz que a liberdade política é a base da de­mocracia, seja ela antiga, moder­na ou contemporânea. O que isso quer dizer?

    Que uma democracia sempre garante que todos os cida­dãos tenham o direito e as condi­ções para atuar politicamente, da maneira que acharem melhor.

    Uma das consequências disso é que os cidadãos sempre têm a possibili­dade de discutir, conversar e expor suas opiniões, na esperança de que possam influenciar a tomada de decisão.

    Para que exista a demo­cracia, é preciso que exista o deba­te, a troca de ideias e um embate saudável entre as diferentes pro­postas para a sociedade.

    A democracia é governo que nunca está acabado. Não importa a decisão, ela sempre pode ser modificada

    Troca de ideias promove melhorias

    Talvez por isso os governos au­toritários tentem impedir que as pessoas possam conversar livre­mente e restrinjam a circulação de ideias. As ideias são perigosas porque podem convencer as pes­soas e convencê-las de que mudar é necessário.

    Chegamos aqui ao se­gundo elemento essencial de qual­quer democracia: a possibilidade de mudança. Urbinati também diz que, nas democracias, nenhuma decisão é eterna. Faz todo sentido.

    Se é importante poder trocar ideias, é importante também que exista a possibilidade de mudarmos de ideia. Mesmo que nos es­forcemos para tomar decisões 100% racionais, algumas coisas podem mudar: podemos conseguir informações que não tínhamos, aprender coisas novas.

    A socieda­de que toma uma decisão não é a mesma 5 ou 10 anos depois. É por isso que as democracias dão tanto valor para consultas periódicas ao povo, como as eleições.

    Pelo mes­mo motivo é essencial que exista uma imprensa comprometida: o jornalismo mostra aos cidadãos as novidades da sociedade, as mudan­ças, e informa como os governos e os representantes estão se saindo.

    A democracia não é perfeita

    Mas, como o próprio Churchill admitia, ela não é perfeita. Nem sempre o povo consegue influen­ciar as decisões na política, algo frustrante. Os políticos podem aca­bar se isolando dos seus eleitores, tornando-se “profissionais” (como diria o sociólogo alemão Max We­ber), mais preocupados em garan­tir seus desejos do que os da po­pulação.

    A posição social pode dar mais voz a alguns do que a outros, distorcendo a democracia e dei­xando-a mais parecida com uma aristocracia. Tudo isso é verdade.

    Como também é verdade que a democracia não é perfeita. E isso é muito frustrante. Por que não con­seguimos “resolver” os problemas da política? Por que parece que sempre estamos lutando em vão?

    Mais uma vez, quero recorrer a Nadia Urbinati. Para ela, a demo­cracia é um tipo de governo que nunca está “acabado”. Ou seja: não importa qual decisão seja tomada, ela sempre pode ser modificada.

    A democracia se fortalece na reinvenção

    Não há uma fórmula mágica que leve a um mundo ideal. Isso não existe em nenhuma área de nossas vidas e não é diferente na políti­ca. Mas até por isso a democracia é fascinante. Ela permite acompa­nhar essa mutação constante.

    Se nós somos seres sempre em cons­trução, a sociedade não poderia ser diferente. Todos os dias temos de lutar para sermos fiéis a nos­sos valores, para defender o que é certo. E temos de estar dispostos a pensar em que país queremos, como queremos que ele seja.

    Por isso, a democracia nunca será perfeita. Ela é como nós. É essen­cial que entendamos isso para per­ceber que ela precisa de cuidados e de atenção constantes. Precisa ser aperfeiçoada, revista e arrumada, para que seu princípio essencial, a liberdade, seja sempre preser­vado.

    Foi assim que ela se tornou uma ideia milenar, apesar de suas falhas. Por esse motivo, preciso discordar dos diagnósticos catas­tróficos dos livros destacados nas pratelerias das livrarias.

    A força da democracia está na reinven­ção. Ela não pode morrer e sumir para sempre porque nasceu de um anseio tão antigo quanto a huma­nidade: o de conciliar a liberdade com a necessidade de viver em co­munidade. Enquanto existir a hu­manidade, existirá também a alma da democracia.

    Sobre a Série Nossas Questões

    A SÉRIE NOSSAS QUESTÕES é uma parceria entre a Vida Simples e o Me Explica, site de jornalismo explicativo fundado em 2013 por Diogo Antonio Rodriguez. Durante seis edições, iremos destrinchar temas importantes relativos ao viver junto: democracia, direitos civis, direitos humanos, justiça, igualdade e liberdade de expressão.


    DIOGO ANTONIO RODRIGUEZ é formado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo e em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Jornalista há 10 anos, também deu cursos sobre a importância da política para todos, na Unibes Cultural e na Virada Política, ambos em São Paulo. Em 2013, criou o site Me Explica, para tornar as notícias mais acessíveis.

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    Conteúdo publicado originalmente na Edição 203 da Vida Simples

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