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    Saudade feita de amor: uma carta para meus pais que já partiram
    Claudia e os pais, Paulo e Marina, Arquivo pessoal.
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    Claudia Giudice tem 58 anos e foi jornalista por mais de 30. Quando perdeu os pais para o câncer, em um período de apenas seis meses, decidiu escrever para curar suas dores e lidar com seu luto duplo. As anotações feitas durante a doença e após a morte, primeiro do pai, e, depois, da mãe, foram transformadas em um diário de amor e luto.

    O livro Sem Pai Nem Mãe (Editora Máquina de Livros) é uma narrativa forte, intensa e reflexiva. Escrita como uma catarse, se revelou também uma linda história de amor. Tem tristeza e genuína felicidade. A leitura vale porque inspira, conforta e enche a alma. Para a Vida Simples, Claudia fala da experiência por meio de um carta-WhatsApp, quase um textão, para os pais, Paulo e Marina. Mãezinha e paizinho que seguem com ela pela vida afora.

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    Saudade estampada no céu

    — Boa noite, mãezinha e paizinho. Aqui já são quase 22 horas. A novela nem acabou, mas a saudade era tanta que larguei o capítulo na metade — estava chato, sabe… — para escrever este zap-textão para vocês.

    Trago boas novidades. Nosso livro, Sem Pai Nem Mãe, segue agradando e ajudando quem precisa. Recebo mensagens lindas de pessoas que estão sofrendo com o luto. Pessoas que estão se despedindo fisicamente dos pais, como nós fizemos. Que choram porque enfrentam a impotência diante da doença. Que não se conformam com o destino. Nem com a perda. Sigo repetindo que nosso livro é uma história de amor. O amor incondicional que aprendi a sentir com vocês e por vocês e que segue vivo, como vocês, dentro de mim.

    Mãe, preciso te contar. Aconteceu algo mágico, surreal e arrebatador. No final de semana, estava saindo do terreno, onde estou construindo a minha casa — que, por sinal, está ficando linda! Olhei para o céu, como faço sempre. Vi muitas estrelas e um impressionante rasgo de azul intenso e de amarelo, cor de pôr do sol, em meio ao negro da noite. Era lindo. Era único. Senti uma emoção muito grande com tanta beleza. Senti uma saudade profunda de vocês também. Naquele instante, sem eu pensar ou controlar, saiu um grito gutural da minha garganta:

    — Mãe, que saudade de vocês!!!!

    Foi coisa de bicho, sabe? Tão poderoso, que não consigo esquecer. Fotografei com o celular assim que me recuperei da emoção. Quando cheguei no meu quarto, fiz um desenho com aquarela e giz que mando para vocês.

    Mãe, estou com saudade!- Ilustração feita com aquarela por Claudia Giudice.

    Saudade é amor que permanece

    Não se preocupem comigo. A saudade é boa. Gostosa. Saudade das nossas conversas. De poder falar bobagem e rir das besteiras. Saudade do vosso ouvido sempre atento e disponível para mim. Não me canso de dizer isso. Chovia, eu te ligava. O dia estava lindo, eu te ligava. Acontecia algo muito bom, eu te ligava. Você estava sempre atenta e disposta a me ouvir, comentar, aconselhar e dizer coisas boas. Não era aquele comentário besta: “tenha fé em Deus, que tudo vai dar certo”. Era um genuíno desejo de me apoiar, ajudar e participar. Espero que meu filho Chico sinta o mesmo comigo.

    Acho que eu nunca te disse, mas aprendi o que era amor incondicional com vocês quando o Chico nasceu. O vosso neto amado ampliou nossa cumplicidade e eu percebi o quanto podia contar com vocês.

    Sinto muita falta disso e por isso falo com vocês o tempo todo. Quem não sabe acha que estou maluca, falando sozinha. Qual o problema? Eu também falo com a Lili, a Carol e a Didi, as cachorras. Falo com o poste, se for preciso.

    Aprendendo que o amor não acaba

    Escrever o “nosso” livro fez muito bem para mim. Peço perdão porque não pedi licença, mas acho que vocês gostaram e autorizaram. Ao escrevê-lo, revivi muitos sentimentos sufocados durante o período em que cuidei de vocês. Vivi o luto do papai, que só foi possível vir à tona depois que você, mãe, morreu. Não foi fácil. Não foi rápido. Mas foi o que consegui fazer. Muita terapia. Muito sentimento. Muita ajuda de profissionais e amigos. Ninguém imagina como é perder uma pessoa. Não dá para planejar a dor e fazer a mala. Mas com o tempo, comecei a ver o sol colorido. Depois, me reencontrei com o mar. Recomecei a cantar nossas músicas. Visitar nossos vídeos e fotos.

    Esse foi o grande momento mágico, como o rasgo do pôr do sol na noite escura: descobrir que nosso amor nunca acaba. Que estamos separados e juntos. O amor me devolveu à luz.

    E falando nisso, em maio, como sempre, vamos viajar. Estaremos no Rio de Janeiro. Um mês, festejando na cidade que tanto amamos. Pedro, meu irmão amado, está tão feliz de casa nova. Quem diria?!!! Enfim, com um lar para chamar de seu e na rua Santa Clara, a rua de vocês, dos alfinetes e colchetes, endereço onde ficava a representação comercial que vocês faziam nos primeiros anos de casamento e ganhavam um dinheirinho para gastar na Cidade Maravilhosa. Sim, eu sei que vocês ajudaram nisso. Mas não vamos contar para ninguém. Essa parte do nosso amor que não morre ninguém precisa saber. Nem os leitores do site da Vida Simples, vossa revista preferida mãezinha, que compro para ler e lembrar de você.

    Um beijo da sua Coca

     

    Claudia Giudice com fotos dos pais. Arquivo pessoal.

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