Tanto se fala, tanto se discute, mas a questão da saúde mental é somente encarada com seriedade após um diagnóstico médico. Principalmente entre mães passando pelo período do puerpério. Ocorre que entre a boa saúde mental e a patologia existe um longo caminho. No texto a seguir, conto minha experiência enquanto mãe e como a escrita me ajudou nos desafios da vida a partir do nascimento dos meus filhos.
Puerpério é um período de grandes desafios emocionais para as mães
É muito comum escutarmos termos como baby blues ou depressão pós-parto. Em alguns casos, esses problemas podem ser fruto do desbalanço hormonal que ocorre ao fim da gestação. O corpo da mulher passa de uma bomba de hormônios até zero num instante. Muitos outros fatores também contribuem, principalmente para o quadro depressivo. Questões delicadas e absolutamente compreensíveis. O não compreensível é categorizar todos os eventuais sofrimentos e questionamentos da mulher como patológicos e resolvidos meramente por meio de medicamentos (lembrando que em muitos casos são de fato necessários).
Para além da questão hormonal, a nova vida traz em certa medida a morte de uma vida anterior. A mulher que nasceu junto com a criança não é mais a mesma e muitas vezes ainda está tentando entender quem seria, quem foi e quem gostaria de ser. Pior, passa por todo esse processo ao mesmo tempo em que se torna a principal, senão única responsável, pela nova e frágil vida, que sente a necessidade de preservar com garras e dentes no maior estilo leoa existente. Muitas vezes acaba se esquecendo de si. Outras tantas, sente-se sozinha num mundo carente de aldeias, já que seus integrantes precisam sair para o ganha-pão, incluindo o possível genitor.
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A casa é preenchida de uma ausência ensurdecedora. Os gritos da mãe ecoam no vazio. Ninguém entende quando ela diz que não está muito contente, satisfeita. Está sozinha, um pouco triste, cansada, sobrecarregada. Quando as reclamações superam o limite do aceitável, e só nesse momento, o entorno entende que se trata de depressão. Mostram-se prestativos e procuram indicações de médicos especializados para medicamentos certeiros que restabeleçam o equilíbrio. Remédios algumas vezes desnecessários e quiçá ineficientes para casos específicos.
Eu sei dizer. Fui uma dessas mulheres. Para mim só um remédio funcionou: a escrita. Enquanto não conseguimos mudar o mundo, erguer nossa aldeia (vamos seguir lutando), precisamos encontrar novos meios de transbordar. O meu foi pelo papel. Aconteceu sem querer após um episódio de descontrole emocional, um momento em que meu filho bebê não dormia e eu queria apenas viver minha vida. Tive raiva, aquele sentimento que fomos ensinadas que é feio, sobretudo quando direcionado ao próprio filho. Depois da raiva, a velha sequência que me acompanhou durante todo o puerpério: culpa e solidão. Tinha a sensação de repetir sempre as mesmas palavras e não conseguir me fazer compreendida, até porque eu mesma não me compreendia. Um dia, durante uma oficina de escrita, recebi a dica de milhões: escreva. Imagine só, eu, escritora, escrevendo. Revolucionário.
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Resolvi tentar. Um pouquinho cada dia. Depois de uma luta para uma soneca, uma discussão com o pai, um momento de dúvidas, uma gargalhada, um boa noite de sono. Escrevendo consegui desembaralhar minhas emoções. Nas minhas palavras escritas pude ter a certeza de que ainda existia e mais, meus sentimentos faziam sentido.
Naquele momento não escrevia com o objetivo de criar contos, crônicas ou mesmo um romance. Eu o fazia para sobreviver. O papel me escutava. Ele me acolhia após momentos difíceis sem julgamentos, caras e bocas. Comemorava comigo uma nova conquista, um novo suspiro de liberdade. Ele entendia o que eu estava sentindo e legitimava. Como ele me entendeu, pensei que outros também poderiam fazê-lo por meio dele. Decidi então fundir minhas histórias com as de outras tantas mulheres e quando me dei conta estava parindo novamente, mas um livro.
Cuidei dele assim como fiz com todos os meus filhos, com um desejo imenso de vê-los caminhando no mundo, fazendo os outros aprenderem o que tanto aprendi com eles. Meu medo nunca foi falar a verdade, meu medo foi calarem a minha voz. Hoje exponho esse filho ao mundo para quem sabe ajudar algumas vozes caladas por aí. Tenho orgulho do que me tornei e isso não seria possível se não tivesse achado a cura na escrita.
Penso que para escrever não é preciso se reconhecer escritora ou ter aspirações literárias. Basta sentir. Basta pegar uma folha, uma caneta, uma tela. E escrever. Nem que seja apenas para si mesma. A palavra falada se perde no ar. A escrita cria raízes. A escrita cura. Recomendo.
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Mariana Torres (@marianamt) encontrou nas palavras sua verdadeira paixão, após trabalhar como advogada e empreendedora. Descobriu-se escritora em meio a uma pandemia e um puerpério. Entre uma mamada e outra, escreveu seu primeiro livro (além de primeiro escrito), o “Clube do Abacate”. Durante o segundo puerpério, escreveu seu segundo romance, “Depois que a vida chegou” (Caravana Editorial). Mariana mora em São Paulo e passa os seus dias criando histórias, além de dois meninos e dois gatos.
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