Danielle Torres é a primeira mulher trans executiva do país, uma conquista e tanto, sem dúvidas, embora seja uma posição ainda solitária em um universo corporativo, ocupado majoritariamente por homens brancos. A sócia de Práticas Profissionais da KPMG e mestranda na área de Inteligência Artificial (IA) na Georgia Institute of Technology driblou inúmeras barreiras e preconceitos para alcançar um cargo de liderança.
Formada em Ciências Contábeis e Administração, Dani, como costuma ser chamada, é uma das grandes inspirações para as mulheres e pessoas LGBTQIAP+. A executiva foi selecionada entre as 500 pessoas mais influentes da América Latina pela Bloomberg Línea e eleita uma das 21 mulheres que marcaram 2021 pela Marie Claire.
“Foi um trabalho de vida”
Danielle demorou um tempo até se compreender como uma mulher trans. Antes disso, vivenciou experiências como um homem gay e uma pessoa não binária, embora sempre questionasse sua identidade dentro do mercado de trabalho. Ter feito a transição de gênero também foi um processo doloroso de autoaceitação e de me apresentar no trabalho como uma mulher.
“A transfobia não é uma exclusividade brasileira. Óbvio que temos recortes muito preocupantes, mas é uma realidade mundial”, diz a executiva. Para ela, o fato da população T ser uma fração pequena da sociedade faz com que haja maior abertura para casos de preconceito e marginalização desse grupo no direcionamento de políticas públicas. “E, mais do que isso, por ser um grupo pequeno de pessoas, as estatísticas são muito difusas, somos de 2% a 4% da população nacional e fica difícil de nos defendermos.”
Apesar das descobertas, Danielle sempre tentou dissociar suas questões de gênero com a atuação profissional, embora nem sempre fosse possível. O desejo de poder viver sem o fardo do preconceito e dos questionamentos foi algo que a fez refletir sobre o assunto. “Eu só quero viver em paz como todo mundo, concluir meus estudos, ter a minha vida pessoal, crescer no trabalho. Mas acho que durante boa parte do tempo eu tentei separar o assunto ‘gênero’ de mim“, explica.
Foi uma caminhada longa e dolorosa, explica ela na entrevista, embora nunca tenha desistido de seus sonhos e objetivos profissionais. “Foi um trabalho de vida. Hoje estou com quase 40 anos e levei 38 anos para entender qual seria a minha posição em relação a mim mesma quanto à questão de gênero.“
“Nunca imaginei que fosse eu”
Recentemente, Danielle foi eleita pela Bloomberg Línea como uma das 500 pessoas mais influentes da América Latina em dois anos consecutivos (2021 e 2022). No Brasil, integrou a lista das 21 mulheres que marcaram o ano de 2021 pela revista Marie Claire. Uma conquista a ser comemorada coletivamente por um grupo social historicamente marginalizado.
“De fato, é surpreendente em vários aspectos. Destes, os que me deixam surpresa é que eu nunca imaginei que fosse eu”
Em 2022, publicou a biografia Sou Danielle (Planeta), sobre a trajetória que a fez se tornar a primeira executiva transexual do Brasil. “Lendo o meu livro fica muito claro que eu nunca quis revolucionar nada além de mim mesma.”
Apesar das conquistas, a síndrome da impostora sempre a acompanhou em sua trajetória, seja pela transfobia a que foi submetida ao longo da vida ou pelos próprios questionamentos sobre suas habilidades profissionais. “Fui caindo na real e, caraca, sou eu mesma. Então isso tem uma simbologia muito importante, porque a identidade de ser mulher trans é muito disputada na sociedade, há ainda mulheres que não compreendem isso”, conta ela sobre suas conquistas.
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“Eu tive uma carreira muito cheia de altos e baixos”
“Eu tive uma carreira muito cheia de altos e baixos e a questão identitária foi, por muitos anos um surto, fosse em um primeiro momento na percepção de que seria um homem gay ou, em um segundo momento, uma pessoa não binária, para um dia eu comunicar a minha identidade de mulher trans”, sintetiza.
Sua trajetória profissional também foi marcada por conflitos. “Ao longo da carreira de uma pessoa trans as coisas vão se conflitando, seja com a homofobia, transfobia ou a categorização de você como uma cidadã de segunda classe, que é naturalmente marginalizada.”
Apesar disso, Dani viveu momentos muito bonitos em sua carreira, como quando foi contratada por uma empresa nos Estados Unidos e recebeu todo o apoio e reconhecimento por sua trajetória profissional. “Eu fui admitida em um processo seletivo para trabalhar em NY, e aquilo foi muito legal porque eu já era Danielle e participei do processo sem ninguém conhecer o meu passado. Foi muito maravilhoso ser recebida ali.” E completa: “A gente teve uma salva de palmas no sentido de agradecerem por termos escolhido trabalhar lá, então me senti abraçada, acolhida.”
“Eu sou uma executiva com visão muito plural”
Além da atuação como sócia de Práticas Profissionais da KPMG, Danielle divide seu tempo em uma pós-graduação na área de Escrita Criativa e um mestrado na Georgia Institute of Technology, onde pesquisa Inteligência Artifial.
“Eu sou uma pessoa muito curiosa, e não teve nenhum momento na minha vida em que não estudei. Acho que isso me deu uma certa formação e sensibilidade sobre temas diversos do mundo corporativo.”
E não foram poucas as atividades com as quais Danielle se envolveu ao longo da sua vida. Sempre ligada ao mundo artístico, participou de atividades e formações que a fizeram estar ligada à criatividade e à música. “Eu já cantei em corais líricos e populares, já tive banda de rock, fui vocalista, baixista, guitarrista, a arte sempre esteve muito próxima da minha vida. Por muito tempo, costumava dizer que era uma artista presa em um corpo de executiva.”
Embora isso a tenha incomodado por um certo tempo, agora percebe o quanto as atividades culturais se interseccionam com o trabalho corporativo.
“Hoje em dia eu acho isso uma grande bobeira o que pensava. O fato é que eu sou uma executiva com uma visão muito plural sobre as áreas do conhecimento, então não tem prisão nenhuma.”
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